Legado Puritano
Quando a Piedade Tinha o Poder
Textos
A Cabeça da Igreja – Parte 3
Por Charles Haddon Spurgeon

“Ele é a Cabeça do corpo, da igreja” (Colossenses 1.18)


III. Terceiro, ONDE ESTA LIDERANÇA SE FUNDAMENTA? De maneira muito resumida, se fundamenta na natural supremacia da Natureza de Cristo. Quem deve ser a Cabeça, senão Jesus? Ele é um homem perfeito, coisa que não somos. Ele é o primogênito entre muitos Irmãos, e nós somos os mais jovens e mais fracos. Ele é Deus sobre todas as coisas, abençoado para todo o sempre. Por certo, ninguém, exceto Ele, deve ser Rei sobre Sião, pois não existe nenhuma parte da Igreja que seja Divina senão sua Cabeça!
A liderança Dele é o resultado inevitável e essencial da Sua obra. Ouça como Seus membros cantam –
“O Senhor nos remiu com Seu sangue,
Libertou os prisioneiros.
Nos fez reis e sacerdotes para Deus,
E reinaremos com o Senhor.”
Quem poderia ser a Cabeça a não ser Aquele a quem tal louvor pode ser outorgado? Ele nos lavou em Seu sangue – Ele deve ser a Cabeça! Ele nos amou desde antes da fundação do mundo – Ele deve ser o Comandante. Sua mão direita e Seu braço santo lhe deram a vitória – que seja coroado Rei dos reis e Senhor dos senhores! Aquele lagar de uvas onde pisoteou Seus inimigos, até que Suas vestes fossem tingidas com sangue, foi a garantia de que se sentaria no trono do Seu Pai e reinaria para todo o sempre!
Além disso, o decreto de Deus decidiu isto de maneira indisputável. Leia o Salmo 2 e aprenda que quando os reis da terra se levantaram e os príncipes conspiraram contra o Senhor e contra o seu Ungido,  Aquele que  habita nos céus ria-se de sua conspiração e zombava dos Seus inimigos! “Mesmo assim,” diz Ele, “ungi o meu Rei sobre o meu santo monte de Sião.” “ Proclamarei o decreto: “O SENHOR me disse: Tu és meu Filho, eu hoje te gerei.” Quão gloriosamente diz a promessa: “Pede-me, e eu te darei os gentios por herança, e os fins da terra por tua possessão. Tu os esmigalharás com uma vara de ferro. Tu os despedaçarás como a um vaso de oleiro.” É parte do eterno propósito de Deus a respeito da Igreja que Cristo fosse constituído sua Cabeça. E se existe uma Igreja do Deus vivo, é também inevitável que desta Igreja Cristo fosse a única Cabeça .
Além disso, Irmãos, e, no entanto, uma vez mais – não é nosso Senhor a Cabeça da Igreja através da aclamação universal e consentimento de todos os membros desta Igreja? Nunca criamos um candidato a rival! Nenhum coração renovado por Sua graça consegue desejar um rei diferente! –
“Glória e majestade puseste sobre ele
Que inclinou Sua Cabeça para a morte!
E sejam reverenciados os Seus atributos
Por todo o ser que respira.”
Rivais dentro do território comprado com Seu sangue? Rivais contra o Filho de Davi?! Que desapareçam como a fumaça! Que sejam como pragana arrebatada pelo vento ao seu arco!
Rei Jesus! Aclamem todos! Vida longa ao Rei! Tragam o diadema real! Não veem como os anjos O coroam? Não ouvem as canções do querubim e do serafim: “Digno és, digno és de tomar o livro, e de abrir os seus selos”? Não ouvem o cântico eterno dos que venceram através do Seu sangue: “Digno és, digno és, porque foste morto, e com o teu sangue nos compraste para Deus”? Enquanto a igreja na terra se une em um hino solene “E coroai-o, coroai-o, coroai-o Senhor de tudo, pois digno é o Cordeiro, que foi morto.”
Pela supremacia da Sua Natureza. Pela necessidade da Sua obra consumada. Pelo decreto do Pai. Pelo consentimento universal de todos os que foram lavados pelo Seu sangue, Ele é a única Cabeça da Sua própria Igreja!

IV. O que então, irmãos, O QUE ENTÃO ISTO CONDENA? O que isto condena? Condena a abominável pretensão de uma única liderança humana universal da igreja!
Para quê? Por que Cristo delegaria autoridade que Ele mesmo pode exercer? “Mas precisamos de uma representação, porque Cristo está ausente”. Mas o Espírito Santo é esta representação, e está aqui.
A verdadeira Cabeça vive sempre e a Igreja vive sempre através dela! Mas é afirmado que deve necessariamente existir uma liderança visível, e agora mesmo nos dizem todos os dias que devemos escolher, no que se refere à igreja, entre a liderança do monarca da Inglaterra e a liderança do papa em Roma. Perdão senhores – não temos tal escolha, porque quando somos perguntados qual delas escolheremos para nos guiar nos assuntos espirituais, dizemos: “Nenhuma, nenhuma nem por um momento!” Falamos abertamente sobre o assunto, reis e rainhas não são Cabeças da Igreja para nós.
Não toleraremos dominação espiritual proveniente de um primeiro-ministro inglês mais do que de alguém que se afirme líder mundial da igreja! Somos igualmente contrários aos dois – toda liderança humana deve fracassar! Para a nossa bem-amada rainha toda a honra e reverência como uma das melhores governantes em assuntos civis. Mas nos assuntos espirituais na Igreja de Cristo ela não tem poder de decisão – o que ela pode ter na Igreja da Inglaterra é uma outra questão. Não faz diferença se é mulher ou homem – se é príncipe ou padre – não aceitaremos czar, imperador, rainha, papa, sacerdote, pastor, serafim ou anjo para reinar na Igreja de Jesus Cristo!
A Igreja não possui governador legal ou Senhor supremo, exceto o próprio Jesus Cristo. Nosso Senhor, ao que me parece, aborda esta questão de maneira tão direta na palavra de Deus a ponto de me surpreender que homens que acreditam na Bíblia pensem que o Estado possa estar na liderança da Igreja! O partido da Igreja Estatal colocou a Bíblia com uma coroa e um cetro em seus anúncios! É sugestivo que a Bíblia esteja fechada – pois se ingleses fossem lê-la alguma vez, seria fatal para a causa de agora – visto que uma das Verdades de Deus que leriam seria esta: “Meu reino não é deste mundo.” E escutariam Cristo dizer: “Dai pois a César o que é de César” – ou seja, prestem toda a obediência civil à autoridade civil, “mas a Deus o que é de Deus.”
Deixe o Senhor governar no reino da mente e do espírito, e César no reino do governo civil! Permita que o Estado faça seu trabalho e nunca interfira com a Igreja! E permita que a Igreja faça o seu e nunca interfira no Estado, e nem sofra interferência dele! Os dois reinos são separados e distintos. Longas linhas de demarcação sempre são traçadas entre os poderes espirituais e temporais ao longo de todo o Novo Testamento – e o dano ocorre quando os homens não as enxergam.
Cristo é a Cabeça da Igreja, e não ninguém que represente o Estado. Irmãos, pensem só por um minuto sobre os danos que esta doutrina da liderança do Estado tem causado. Existiu um tempo em que os homens dificilmente poderiam ser diáconos sem tomar o Sacramento na Igreja Estabelecida. Oh, as múltiplas hipocrisias que foram perpetradas todos os dias por homens destituídos da graça, os quais vieram a se qualificar para o ministério adotando símbolos da nossa fé sagrada quando não conheciam Cristo! Estes fatos são mais ou menos inevitáveis ao sistema. Pense de novo em quais perseguições surgiram como resultado deste erro. Não se pode colocar um grupo religioso em posição de ascendência, senão cai em perseguição – todos eles têm perseguido, em contrapartida, quando assim tentados.
Não há o que escolher entre um e outro, exceto, como às vezes digo, os Batistas nunca perseguiram porque nunca tiveram a oportunidade. Mas não insistirei nem mesmo nisto. É parte da natureza humana fazer o mal quando a artilharia civil está pronta para esmagar a consciência, e portanto Cristo removeu a tentação do caminho e a colocou fora do alcance do Seu povo, se estes se mantiverem atentos às suas regras no que se refere as armas carnais. Ele lhes afirma que suas armas de batalha não são carnais, mas espirituais, e, por isso, poderosas em Deus para destruir fortalezas. Que humilhação para a Igreja de Cristo o pensamento de possuir qualquer outra Cabeça diferente dele!
Ah, Irmãos e irmãs, se o monarca fosse a pessoa mais santa e devota que já viveu, ficaria extremamente preocupado por ele se recebesse, em algum sentido, a designação de Cabeça da Igreja! Como tal pessoa oraria? Como poderia um pobre pecador – e tal como o melhor homem ainda o é – achegar-se diante de Cristo, orar a Ele e dizer: “Senhor, sabe que sou a Cabeça da Sua Igreja?” Parece-me ser um clamor detestável, uma blasfêmia horrível! Não tocaria neste título por prêmio nenhum, nem com a ponta do meu dedo se tivesse esperança de ser salvo! Não ousaria expor meu amigo, nem mesmo meu inimigo, ao terrível risco que correria adotando um título como este!
Não julgo ninguém, Deus me proíbe de fazê-lo! Mas se visse neste mundo um homem absolutamente perfeito, cheio de luz e do conhecimento Divino, e este me perguntasse: “Devo adotar este título?” Eu me ajoelharia e diria: “Por amor a Deus, por amor à sua alma, não toque nisto, porque como poderia, com sua iluminação, e conhecimento e amor por Cristo, tirar Dele um dos Seus mais sublimes nomes”? Mas o que devo dizer quando o monarca é o oposto? E tais casos tem ocorrido. Não preciso levá-lo muito atrás na história. O nome Jorge IV não possui nenhum cheiro de santidade notável – e o mesmo pode ser dito de Carlos II – nunca ouvi historiadores se referirem a ele como eminente em piedade.
Mesmo assim estes homens foram cabeças da Igreja! Estremeço ao ser obrigado a relembrar um fato tão deplorável. Homens, cujo caráter não deve ser lembrado sem corar as bochechas foram cabeças da Igreja de Jesus Cristo! Deus tenha misericórdia desta terra por ter decaído a este ponto, porque não tenho conhecimento de países pagãos que tenham blasfemado contra Deus mais do que nós ao permitirmos corruptores cruéis levarem sobre si o título de “Cabeça da Igreja de Cristo”! Não, meus Irmãos, isto não pode ser tolerado em nenhuma Igreja com a qual tenhamos comunhão! Repudiamos esta situação! Sacudimos a abominação da mesma maneira que Paulo sacudiu a víbora que se agarrou à sua mão no fogo!
A mesma repreensão é apropriada para algo que tem sido tolerado em muitas Igrejas, ou seja, a liderança de grandes mestres religiosos. Estes, às vezes, enquanto ainda vivos, tem sido praticamente considerados seus supremos árbitros. A vontade deles era lei, sem considerar a Bíblia. Seu decreto permaneceu, sem considerar a Escritura.  Tudo isto era perverso! Algumas Igrejas nos dias de hoje reverenciam de modo extremo nomes de homens mortos. Os Pais – não deveriam ser, de alguma maneira, tão notáveis quanto os Apóstolos? Temo que os nomes de John Wesley, João Calvino e outros não raro ocupam o lugar que pertence a Jesus Cristo. Que cada Igreja Cristã declare agora que não segue homens, mas obedece somente ao seu Senhor.
Percebam vocês, irmãos e irmãs, a verdade que revelei de certa forma, e com veemência, refere-se igualmente à própria Igreja, pois esta não é a sua própria Cabeça - Ela não tem direito de agir baseada no próprio julgamento, à parte dos estatutos do seu Rei! Ela deve recorrer à Bíblia—todo o necessário está contido neste livro. Não tem o direito de fazer uso do seu próprio julgamento, desconsiderando seu Mestre. Deve ir a Ele. É uma serva cujo Senhor é supremo. O poder da Igreja é duplo. É um poder para testemunhar ao mundo a revelação de Cristo. É posta como testemunha e deve agir como tal. Também, possui um poder ministerial através do qual cumpre a vontade e as ordens de Cristo como sua serva e ministra.
Certo número de servos se reúnem no auditório — possuem uma ordem para fazer tal trabalho — e também ordens de como realizá-lo. Então fazem considerações entre si quanto aos pormenores – como podem melhor observar as regras do Mestre e cumprir Sua ordem. Estão agindo perfeitamente. Mas suponha que comecem a considerar se os alvos propostos pelo Senhor eram bons, ou se as regras dadas por Ele não deveriam ser alteradas! Se tornariam imediatamente revoltosos e correndo o risco de exoneração. Então, uma Igreja reunida para considerar como aplicar a vontade do Mestre e como fazer valer Suas leis age de modo correto.
Mas uma Igreja reunida para criar novas leis ou governar de acordo com o próprio julgamento e opinião – pensando que esta decisão terá peso – cometeu um erro e se colocou em uma posição ilusória. A única doutrina a qual busquei apresentar é esta: que Aquele, e somente Aquele, que é o comprador e salvador da Igreja é quem deve governá-la.

V. Porém, se assim é, QUAL É A LIÇÃO ENSINADA A CADA UM AQUI? Não os leva a perguntar, “Se toda a Igreja deve assim render obediência a Cristo, e a ninguém mais, eu estou agindo de modo conforme? Professo ser cristão, mas sou eu daquele tipo parcial que segue aquilo que foi ensinado no início, e então reconhece as regras dos pais e mães em lugar das de Cristo? Tenho trazido o que confesso ser a Verdade de Deus à luz das Escrituras? Já gastei 15 minutos avaliando minhas preciosas opiniões?” Temo a enorme massa de cristãos que nunca agiu assim; mas tem sugado sua religião como o leite da sua mãe e nada mais.
De novo, se sou um Cristão, eu tenho o hábito de julgar meus atos baseado nos meus próprios caprichos e desejos, ou os julgo baseado nos Estatutos do Rei? Muitos dizem que isto ou aquilo os desagrada – como se fosse importante! Quais são suas preferências e antipatias? Você é um servo limitado a entregar sua vontade ao Senhor! Se Cristo lhe dá uma ordem que você pensa ser difícil porque não combina com seu amor à comodidade – meus Irmãos e Irmãs, não irão vocês, como servos do Senhor, colocar de lado seus caprichos e se esforçarem para segui-Lo? Oh, esta é uma vida abençoada para se viver – não ser mais servo do homem nem de si mesmo – mas ir ao Senhor todos os dias em oração e dizer: “Senhor, o que eu não sei, ensina-me.”
Então poderá rir da ira de Satanás e enfrentar o desdém do mundo, porque o Senhor nunca irá abandonar os que se apegam a Ele! Se um homem ama os testemunhos e mandamentos do Todo-Poderoso, Deus será sua armadura, seu escudo e sua torre forte. Mas se ele se esquiva para suas próprias suposições, sua queda será certa! Que o Senhor guarde a Igreja neste assunto, e seu dia de vitória logo chegará. Que Cristo seja sua única Cabeça e que seu triunfo se aproxime! Posso enxergar o romper da manhã – naquela direção estão os primeiros raios de luz no céu – o Senhor está vindo porque a Igreja começa a reconhecê-lo – e então seus dias de alegria começarão e seus dias de lamentação nunca mais existirão.

Adaptado pelo Pr Silvio Dutra
Charles Haddon Spurgeon
Enviado por Silvio Dutra Alves em 12/11/2013
Comentários
Site do Escritor criado por Recanto das Letras