Legado Puritano
Quando a Piedade Tinha o Poder
Textos
A Cabeça da Igreja – Parte 2
Por Charles Haddon Spurgeon

“Ele é a Cabeça do corpo, da igreja” (Colossenses 1.18)

II. Portanto, iremos agora, em segundo lugar, olhar um pouco para esta Liderança de Jesus Cristo num sentido régio, no que se refere às SUAS IMPLICAÇÕES. Desde que Cristo é a Cabeça do Seu corpo, a Igreja, somente Ele pode determinar doutrinas para ela. Nada deve ser aceito como Divinamente garantido, exceto se vier com Seu selo. Meus irmãos, não significa nada para o servo fiel de Jesus Cristo que certo dogma surja com a marca dos tempos antigos para torná-lo venerável. O cristão, como uma pessoa sensata, respeita a antiguidade, mas como servo leal ao seu Rei não se curva perante estes de maneira a permitir que governem em Sião ao invés do Cristo vivo!
Uma multidão de bons homens pode ajuntar-se, e, em seu julgamento, propor um dogma e declará-lo essencial e indubitável. E podem ainda ameaçar com grandes perigos àqueles que não acatam seu veredicto! Mas se o dogma não foi autorizado muito antes de decidirem – se não estiver escrito na Bíblia – a determinação do versado conselho se reduz a nada! Todos os padres e doutores e teólogos protestantes e confessores juntos não podem adicionar uma palavra à fé uma vez transmitida aos santos! Sim, aventuro-me a afirmar que nem o consentimento unânime de todos os santos no Céu e na terra seria suficiente para vincular uma única doutrina à consciência, a menos que Jesus assim tenha determinado!
Em vão dizem os homens: “A Igreja primitiva agiu assim” – a Igreja primitiva não tem supremacia sobre nós! Não existe propósito em citar Orígenes ou Agostinho! Cite os Apóstolos Inspirados e a doutrina está estabelecida, mas não ao contrário! Na Igreja de Cristo nunca é suficiente dizer: “Assim pensa Martinho Lutero.” Quem foi Martinho Lutero? Um servo de Jesus Cristo e nada mais! Não é suficiente afirmar: “Assim ensina João Calvino”, porque quem é João Calvino? Derramou ele seu sangue por você, ou é ele o seu mestre? Sua opinião deve ser respeitada como a de um conservo, mas em nenhum aspecto como a de um doutor ou mestre impositivo na Igreja – porque somente Jesus é Mestre, e nenhum homem na face da terra deve ser chamado assim!
Suponha que eu tenha recebido uma Verdade de Deus pelo próprio homem que foi o instrumento de minha conversão. Estou limitado, em sinceridade e afeto, a ter-lhe todo o respeito devido à relação existente entre nós. Devo, no entanto, tomar cuidado para que isto não caia em idolatria, e eu mesmo me torne nada mais do que um recebedor da Verdade de Deus como palavra do homem, ao invés de aceitá-la como a Palavra de Deus.
Devo, portanto, da forma mais honesta e não menos atenciosa, testar toda a Verdade de Deus que tenho recebido – seja do meu pai ou mãe ou ministro ou de alguns grandes homens do passado cujos nomes aprendi a respeitar – buscando toda a iluminação de cima para conduzir-me corretamente.
Na Igreja de Deus só é considerada doutrina o que está ensinado nas Escrituras. Para os Cristãos não significa nada afirmar que certas doutrinas são ensinadas em livros de oração comum, de conferências sobre disciplina ou de teologia sistemática. Não é importante que tanto o Presbitério, ou o Episcopado ou a Independência tenham deixado suas marcas sobre certa forma de ensino. A autoridade não é nada mais que um estalar de dedos, a menos que a Verdade, deste modo sugerida, produza segurança com base no testemunho do próprio Jesus Cristo, que é a Cabeça do Seu corpo, a Igreja!
Então, visto que Ele é a Cabeça, só Ele pode legislar no tocante à Igreja. Em um Estado, se um grupo de pessoas declarasse fazer leis para a região, seriam ridicularizados. E se, por um momento, tentassem impingir seus próprios costumes e regulamentações a despeito das leis do país, ficariam passíveis de punições. Ora, a Igreja de Deus não tem nenhum poder para fazer leis para si mesma, posto que não é sua própria Cabeça – e ninguém tem nenhum direito de fazê-lo para ela, pois somente Cristo é o seu Cabeça. Cristo sozinho é o Legislador da Igreja e nenhum costume ou regulamentação na Igreja Cristã possui significado, a menos que em seu espírito haja, no mínimo, a mente de Jesus para sustentar e dar respaldo.
Uma e outra coisa têm sido consideradas certas na Igreja, e, portanto, foram estabelecidas e normatizadas – a tradição dos pais estipulou certos costumes. E então?  Ora – se podemos ver claramente que o costume e a norma não estão de acordo com a essência da Sagrada Escritura e do Espírito Santo, uma e outra coisa não tem valor para nós!  Mas e se o costume é apoiado por todos os homens bons de todas as épocas? Declaro que nada importa se o Senhor não ensinou! Nossa consciência não deve ser prisioneira! Se uma lei fosse respaldada por 50.000 vezes o número de todos os santos, não teria nenhuma autoridade sobre a consciência mesmo do mais fraco dos cristãos se não fosse estabelecida pelo nosso próprio Rei! E a violação de tal mandamento humano não seria pecado, mas poderia, de fato, tornar-se uma carga para permitir que os homens enxergassem que não são servos dos homens, mas de Jesus Cristo o Senhor!
Nos assuntos espirituais é de extrema importância deixar claro este fato – que a não conformidade só é pecaminosa quando se recusa a obedecer à vontade de Cristo – e a conformidade é, em si mesma, um grande pecado quando obedece uma norma que não provém da ordenação do Senhor! Quando nos reunimos nas Assembleias da Igreja, não podemos elaborar leis para o reino do Senhor! Nem ousemos tentar! Aquelas regras necessárias, na medida em que são feitas para cumprir as ordens do nosso Senhor – como reunir-se para adorar e proclamar o Evangelho – são recomendáveis por serem práticas indispensáveis à obediência das Suas mais elevadas leis. Mas mesmo estes pormenores são intoleráveis se violam, de maneira clara, o espírito e a mente de Jesus Cristo.
Ele nos deu orientações espirituais ao invés de instruções legais e liturgias restritivas! E nos deixou livres para seguir as direções do Seu próprio Espírito libertador. Porém, se criamos uma regra considerando-a muito sábia – mas é contrária ao Espírito do nosso Senhor – ela será perversa em si mesma e não deverá ser tolerada! Neste caso, a Igreja colocou limites nos direito da sua Cabeça, e agiu incorretamente. Em efeito, arrancou o cetro da Sua mão e gerou uma divisão. A criação de leis na Igreja terminou naquele dia em que a maldição foi pronunciada sobre o único que deve tirar ou adicionar à Palavra de Deus! Cristo e somente Cristo é o legislador da Sua Igreja—ninguém mais além Dele!
Mas vou um pouco mais longe e arrisco-me a dizer que Jesus não é só o Legislador da Igreja, deixando-nos Seus Estatutos, suficientes para guiar-nos em todos os dilemas, mas também é o Administrador vivo da Igreja. É verdade, Ele não está aqui, mas como monarcas que administram através de tenentes, assim o Senhor Jesus administra através do seu eterno Espírito, o qual habita no coração do seu povo. Não devemos pensar em Cristo como alguém que está morto e enterrado. Se estivesse aqui na terra, creio que somente Ele reivindicaria ser a Cabeça da Igreja, ninguém mais. Sua presença intimidaria todos os impostores de imediato – e embora não esteja aqui em Pessoa, mesmo assim não está morto!
Ele vive! Está sentado no Trono preparado para Ele à direita do Pai! Está aqui em Espírito! Veja! “E eis que eu estou convosco todos os dias, até a consumação dos séculos.” E o que deve pensar a verdadeira Cabeça da Igreja quando vê outro colocado em Seu Trono e, de maneira herética, designado por Seu título? O que a Cabeça vivente que se move no meio da Igreja deve sentir com respeito a uma invasão tão blasfematória como esta? Ele, o Espírito Santo, é o Vice-Gerente de Cristo, o Representante do Filho do Homem ausente!
E como este Espírito administra as Leis de Deus? Minha resposta é: através do Seu povo, pois o Espírito Santo habita nos verdadeiros crentes! E quando se reunirem como servos do Senhor e humildemente clamarem por Sua orientação, podem esperar recebê-la. E se abrirem o Livro de Estatutos e observarem suas normas claras no tocante a que rumo tomar, podem ficar bem seguros de que suas ações terão a aprovação do seu Senhor! Se, primeiramente, procurarem pela instrução no Livro da Lei do seu Senhor e depois buscarem entendê-la através do Espírito Santo – embora sejam várias mentes – serão conduzidos como um só homem a escolher seu caminho, o qual será segundo a mente de Cristo.
Agindo com humildade e obediência – baseados não em sua autoridade, mas na de Cristo, que ainda reina na Igreja através do Seu Espírito – os crentes de fato testemunharão que Cristo é até hoje a Única Cabeça da Sua Igreja no que se refere à verdadeira administração e também à legislação. A autoridade exclusiva de Jesus Cristo deve ser mantida rigorosamente em todos os aspectos; no entanto, as Igrejas tendem a ser guiadas por coisas diversas. Alguns nos guiam pelos resultados. Temos escutado uma discussão sobre a questão se devemos ou não continuar com a obra missionária, posto que há tão poucos convertidos. Como esta pergunta pode jamais ser levantada enquanto as ordens do Mestre funcionam assim: “Ide por todo o mundo, pregai o evangelho a toda criatura”?
Articulado pela boca de Jesus, nosso Governador, aquele comando permanece válido, e os resultados das missões não podem ter efeito sobre as mentes leais de maneira alguma no que se refere ao seu prosseguimento! Se daqui a 10.000 anos nenhuma alma fosse convertida a Deus através de missões estrangeiras – se neste tempo ainda restasse a Igreja de Cristo, seria sua obrigação, com vigor crescente, impulsionar seus filhos ao campo de missões porque sua obrigação não é medida pelo resultado, mas pela majestosa autoridade de Cristo!
Assim que, igualmente, a Igreja não deve ser regulada pelos tempos. Alguns nos dizem que esta era exige um tipo de pregação diferente daquela de cem anos atrás, e que doutrinas consideradas adequadas há 200 anos, nos tempos dos Puritanos, não o são mais. Dizem-nos que o ministro deve manter-se atualizado – este é um período de reflexão e filosofia e o pregador deve, portanto, filosofar e produzir seu próprio pensamento ao invés de “mera declamação”- a qual é o nome culto para o claro anúncio do Evangelho de Jesus Cristo! Mas, Senhores, não é assim! Nosso Rei é o mesmo e as doutrinas que Ele nos deu não foram mudadas por Sua autoridade, nem as regras que Ele estabeleceu foram revogadas por Sua proclamação!
Ele é o mesmo ontem, hoje e para sempre! Deixe que os tempos sejam polidos ou rudes.  Que se tornem filosóficos ou se afundem no barbarismo – nossa obrigação ainda é a mesma, em solene lealdade a Jesus Cristo, “porque nada me propus saber entre vós, senão a Jesus Cristo, e este crucificado.” Mas as descobertas da ciência, nos dizem, têm afetado materialmente a fé, e por isso devemos mudar nossos estilos de acordo com as mudanças da filosofia. Não, não deve ser assim! Esta é uma pedra de tropeço e uma rocha de escândalo que deve ser quebrada contra aquele que tropeça. Ainda temos o mesmo Rei, as mesmas leis e o mesmo ensinamento da Palavra – e devemos passar este ensinamento da mesma maneira e no mesmo espírito!
Semper idem deve ser nosso lema—sempre o mesmo, sempre perto de Jesus e glorificando-O – porque Ele, e não os tempos, nem a filosofia e nem a sagacidade do homem deve governar e administrar a Igreja de Deus! Se fizermos isto, se alguma Igreja fizer isto – em outras palavras, tirar sua Verdade dos lábios de Jesus, viver de acordo com Sua Palavra e avançar em Seu nome – esta Igreja não pode, em nenhuma possibilidade, falhar, porque o fracasso de tal Igreja seria o fracasso da própria autoridade do Mestre!  Irmãos e irmãs, Ele nos afirmou que se guardássemos os Seus mandamentos, permaneceríamos no Seu amor!
Ele estará sempre conosco, até a consumação dos tempos! E deu à Sua Igreja Seu Santo Espírito de acordo com a plenitude daquelas palavras que pronunciou quando soprou em Seus Apóstolos: “Aqueles a quem perdoardes os pecados lhes são perdoados; e aqueles a quem os retiverdes lhes são retidos.” Então, uma Igreja atuando por Cristo, proclamando os julgamentos de Deus sobre o pecado com Sua autoridade, encontrará estes julgamentos cumpridos. E ao se abrir as câmaras da casa do tesouro da misericórdia de Deus àqueles que buscam Jesus Cristo pela fé, estes tesouros serão dados livremente de acordo com o anúncio da Igreja, o qual foi feito em nome do seu Mestre.
Vá em nome dela própria, e ela fracassa! Vá em nome do Senhor, e ela vence! Leve com ela o Seu livro de instruções, ande em obediência aos Seus Estatutos, fique livre do senhorio dos homens – e a história da Igreja será escrita em algumas linhas como estas: “Formosa como a lua, brilhante como o sol, terrível como um exército com bandeiras.” Receio que, através destas palavras, tenha exposto de maneira não tão clara minha crença sobre o que as Escrituras ensinam a respeito da liderança de Cristo, ou seja, que Ele é o único mestre da doutrina, o único fazedor de leis espirituais. Que Ele é o Administrador vivo das leis do Seu próprio reino espiritual, e, por isso, a Igreja não deve possuir nenhuma autoridade diferente da de Cristo – e quando possuímos esta autoridade, a obedecemos – sem acalentar nenhum medo concernente ao resultado.
Charles Haddon Spurgeon
Enviado por Silvio Dutra Alves em 12/11/2013
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