A Cabeça da Igreja – Parte 1
Por Charles Haddon Spurgeon
“Ele é a Cabeça do corpo, da igreja” (Colossenses 1.18)
Para nos mostrar que o título de “Cabeça da Igreja” é para ser considerado na mais alta estima, ele é apresentado aqui vinculado às mais elevadas honras do nosso Senhor Jesus. Simultaneamente, o Filho de Deus é designado “a imagem do Deus invisível”, “o primogênito de toda criatura”, o Criador de toda a existência, e então, “a Cabeça do corpo, da igreja.” Não ousemos, portanto, menosprezar este título, nem hesitemos em afirmar que qualquer atitude leviana em relação a ele seria tão vergonhosa quanto o uso profano de qualquer outro nome do nosso Divino Senhor. Pois se qualquer mortal pressupuser para si esta designação, conceberíamos ser a mesma blasfêmia que aceitar arbitrariamente o ofício mediador – e não deveríamos ficar mais perplexos ao ouvir um homem afirmar ser “o Criador de todas as coisas” do que estamos agora quando um mortal é nomeado “Cabeça da Igreja”.
O que é a Igreja? A palavra significa uma assembleia. A igreja de Jesus Cristo é uma assembleia de homens fiéis, o grupo dos escolhidos de Deus, Seus convocados, toda a comunidade dos Seus verdadeiros seguidores. Onde estiverem os verdadeiros Crentes, aí está uma parte da Igreja. Onde não estiverem estes homens, qualquer que seja a organização em existência, ali não está a Igreja de Jesus Cristo. Esta não é uma corporação de padres, nem de pastores, nem uma associação de não-convertidos – é a reunião daqueles cujos nomes estão escritos nos Céus. Qualquer reunião de homens fiéis é a Igreja.
O conjunto de todas estas assembleias de homens fiéis constitui a única Igreja que Jesus Cristo redimiu com seu mais precioso sangue, e da qual somente Ele é a Cabeça. Uma parte desta Igreja está no Céu, triunfante! Outra parte na terra, militante – mas essas diferenças de lugar não causam nenhuma divisão na unidade verdadeira. Existe somente uma Igreja no céu e na terra. O tempo não causa separação, a Igreja é sempre uma – a dos Apóstolos, a dos Reformadores, a do primeiro século, a dos últimos tempos, e desta Igreja, que se constitui uma só, Jesus Cristo é a única Cabeça.
I. O QUE SIGNIFICA A LIDERANÇA DO SENHOR JESUS SOBRE A IGREJA? Este é o tópico sobre o qual, de maneira rápida, meditaremos primeiro. Entendemos que esta liderança é a representação da Igreja como um corpo. Falamos de soma de cabeças, significando deste modo pessoas – a Cabeça representa todo o corpo. Aprouve a Deus relacionar-se com a humanidade como uma comunidade e seu grande Pacto foi feito com homens num corpo, não com indivíduos separados. Ou seja, na primeira Criação, Deus não lidou tanto com cada pessoa em particular da mesma maneira que o fez com a raça humana como um todo representada em um só homem, o primeiro Adão.
Foi veementemente ordenado que a raça estivesse fortemente ligada a ele, que ficasse de pé se ele ficasse e que caísse se ele caísse. Daí então, meus Irmãos, a Queda, o pecado original, e as amarguras desta vida. Para que houvesse salvação, a qual talvez só foi possível porque não caímos individualmente (pois os demônios, por terem caído individualmente e separadamente, estão reservados sem esperança de misericórdia para o fogo eterno), Deus instituiu uma segunda federação, da qual Jesus Cristo é a Cabeça. O Apóstolo O chama de o segundo Adão. Ele é a Cabeça daquela parte da humanidade que são os Seus escolhidos—Seus redimidos, os quais são conhecidos neste mundo por serem levados a crer Nele e, no final de todas as coisas, serem reunidos no Seu descanso.
Ora, Jesus Cristo coloca-se, em relação à Sua Igreja, na mesma posição que Adão se colocou em relação à sua posteridade. São eleitos Nele, aceitos Nele e protegidos Nele – “Salvos pelo Senhor com salvação eterna.” Como Suas próprias palavras declaram: “Porque eu vivo, vós vivereis.” Nos próximos capítulos desta Epístola, o Apóstolo nos mostra que os santos são enterrados, ressuscitados e vivificados com Jesus. É ainda mais explícito em Romanos 5, onde a liderança de Adão e a de Jesus são comparadas e contrastadas.
Nosso Senhor é Cabeça no sentido espiritual, explicado em Colossenses 2.19: “a cabeça, da qual todo o corpo, suprido e bem vinculado por suas juntas e ligamentos, cresce o crescimento que procede de Deus.” A Cabeça é indispensável para a vida do corpo: é a base da vida mental, o templo da alma. E assim Jesus Cristo é a Cabeça que a todos vivifica. “Ele é a nossa vida.” “ Nele estava a vida, e a vida era a luz dos homens.” A vida de cada membro do corpo espiritual depende da vida da Cabeça espiritual. Todo filho vivente obtém sua vida espiritual através de Jesus Cristo. Nenhum membro verdadeiro da Igreja tem vida em si mesmo. “Porque morrestes, e a vossa vida está oculta juntamente com Cristo, em Deus.” Separação de Cristo significa morte do espírito: “Se alguém não permanecer em mim, será lançado fora, à semelhança do ramo, e secará.”
A Cabeça, espiritualmente, não é simplesmente a fonte da vida e a base dos sentimentos, mas é o trono do governo supremo. É o cérebro que envia o decreto de levantar a mão ou a ordem para que esta se coloque de lado. O homem caminha, fala, dorme ou se levanta de acordo com o ditame daquele algo real e misterioso que se encontra dentro da cabeça. Deste modo, na verdadeira Igreja de Deus, Jesus Cristo é a grande Cabeça direcionadora. As únicas ordens obrigatórias se originam. A Ele os verdadeiros religiosos rendem alegres homenagens. Seus membros se deleitam em fazer a vontade da sua Cabeça.
Todo o corpo da Igreja, motivado por Sua vida e cheio do Seu Espírito, o mais prontamente reconhece Sua primazia sobre todas as coisas. Os Cristãos são perfeitamente governados por Jesus na medida em que estão, em verdade, unidos a Ele, e é somente por causa da velha natureza que habita na separação de Cristo que os Crentes praticam ofensas e transgressões. Jesus os governa como a Cabeça governa todos os membros do corpo, até o limite da sua espiritualidade. A Cabeça é também a glória do corpo. Ali habita a principal maravilha da humanidade. A imagem Divina é mais bem vista no semblante – a face é que caracteriza a glória do homem.
O homem mantém sua cabeça erguida – seu semblante não está voltado para a terra – irradia inteligência intensamente. É a evidência de uma mente imortal. A beleza escolhe o semblante como seu lugar favorito. Majestade e ternura, sabedoria e amor, coragem e compaixão aí exibem seus emblemas – todas as Graças escolhem a cabeça como seu lugar favorito de habitação. Neste sentido, nosso Senhor é sabiamente saudado como a “Cabeça”. Ele é mais justo que os filhos do homem – a Graça Divina está derramada nos Seus lábios. Toda a beleza da Igreja está centralizada em Jesus Cristo. O que seria Sua Igreja sem Ele? Uma carcaça, um cadáver medonho desprovido de toda sua glória por estar separado da sua Cabeça.
O que foram todos os homens bons, grandes e excelentes que já viveram sem Cristo? Muitas cifras sobre uma mesa – eles não valem nada até que o seu Senhor, como a grande Unidade, é colocado diante deles para dar-lhes poder e valor! Assim, efetivamente, formam uma grande soma - mas sem Ele, são menos do que nada e pura vaidade! A Igreja de Deus seria indecorosa se não agisse com graça diante de toda a beleza que Jesus partilha com ela! Sua cabeça é como o ouro mais puro! Seu Semblante é como o Líbano, excelente como os cedros! É o principal entre 10.000 e totalmente desejável – glorioso é aquele corpo do qual Ele é a coroa e a excelência! A Igreja pode ser corretamente chamada de a mais formosa entre as mulheres quando sua Cabeça deste modo sobrepuja todas as belezas da terra e dos Céus!
Outra imagem usada para descrever a Liderança de Cristo sobre a Igreja é a conjugal. Assim como o Senhor formou Eva da costela de Adão, também formou a Igreja do lado de Cristo Jesus, e ela pertence e Ele assim como Eva pertencia a Adão – a Igreja é formada de Sua carne e de Seus ossos. Uma união misteriosa foi estabelecida entre Cristo e ela, união esta constantemente comparada à instituição do casamento: “Porque o marido é a Cabeça da mulher, como também Cristo é a Cabeça da igreja: sendo ele próprio o salvador do corpo.” Jesus é o Noivo e Sua Igreja é a Sua Noiva. São desposados, um com o outro. Estão comprometidos para sempre nos vínculos do amor e possuem a mesma expectativa sagrada, esperando o dia do casamento, quando será alcançado o propósito eterno de Deus e o desejo do Redentor.
Jesus reina em Sua Igreja como o marido exerce a liderança em seu lar, de nenhuma maneira (quando o relacionamento é conduzido de modo correto) despótica ou pedante, mas um governo edificado na lei da natureza e endossado pelo consentimento do amor. Não como um tirano, obrigando e constrangendo Sua noiva submissa contra a vontade dela, mas como um marido amado, recebendo obediência voluntária do coração da sua amada, sendo em todas as coisas tão admirado e apreciado como para obter uma indisputável primazia! Esta liderança conjugal é ilustrada pela Palavra de Deus na antiga profecia: “Ela me chamará: Meu marido e já não me chamará: Meu Baal.” Baal e Marido significam senhor, porém diferem no significado. Um é um simples governante, e o outro um marido amado.
No reino de Cristo não existe despotismo! Seu cetro não é feito de ferro. Ele não governa com golpes, ofensas e ameaças, mas seu cetro é de prata e Sua regra é o amor. As únicas correntes usadas por Ele são as da Sua Graça constrangedora. Seu domínio é espiritual e se estende sobre corações dispostos que se deleitam em se curvar diante dele e prestar a honra que é devida ao Seu nome. Acredito que estes são os sentidos em que a palavra “liderança” é usada. No entanto resta outro, e todos os anteriores qualificam este último, no qual pretendo concentrar-me por mais um tempo. Cristo é a Cabeça da Sua Igreja como é Rei em Sião. No centro da Igreja de Deus o governo supremo é investido na pessoa de Cristo. “Porque um só é vosso Mestre, e vós todos sois irmãos.”
A Igreja é o Reino de Deus entre os homens. É puramente espiritual – abrangendo somente homens espirituais – e existindo somente para objetivos espirituais. E quem é o seu Rei? Ninguém exceto Jesus! Em verdade podemos dizer como eles disseram dos antigos que proclamaram o Reinado do Crucificado: “Há outro rei, Jesus.” A Ele as assembleias dos santos prestam toda a majestosa honra e diante do Seu Trono toda a Igreja se curva, saudando-o como Mestre e Senhor. Não prestamos reverência espiritual a nenhum outro. Somente Cristo é Rei sobre o monte Sião, ali posto por decreto eterno, mantido nesta posição por poder infinito e designado para ficar no Trono até que os seus inimigos sejam postos por estrado dos seus pés.
Quem dera houvesse em mim eloquência para que pudesse dar um testemunho digno dos direitos à coroa do rei Jesus Cristo em Sua Igreja! Não conheço nenhum assunto sobre o qual seja mais necessário insistir nestes tempos agitados. Deixe Jesus ser reconhecido como a única Cabeça da Igreja e a saída para o atual debate político que incita nossa nação será clara o suficiente. A falta de conhecimento da Verdade de Deus cega muitos! Faz com que laborem de todo o coração por uma causa má, pensando que o estão fazendo para Deus. Conhecer esta Verdade significa ter a posse de uma responsabilidade muito importante com a qual não devemos brincar.
Mártires derramaram seu sangue por Ela! Urzes da Escócia foram manchadas em 10.000 lugares, e suas águas foram tingidas de rubro em defesa desta importante doutrina. Que não nos refreemos da coragem inabalável para declarar, uma vez mais, que reis e governantes e parlamentos não possuem jurisdição legal sobre a Igreja de Jesus Cristo, que não convém ao melhor dos monarcas reivindicar estas prerrogativas reais as quais Deus deu ao Seu Filho unigênito. Somente Jesus é a Cabeça do Seu reino espiritual, a Igreja!
E todos os outros que entram nos seus limites para exercer poder são usurpadores e Anticristos, não devendo, em nenhum momento, ser respeitados pela Igreja do Deus vivo quanto à sua autoridade usurpadora! Algumas Igrejas não aprenderam esta lição, e estão dominadas como cachorros por seus senhores. Ajoelham-se aos pés do Estado para comer as migalhas que caem da mesa de Mamon! E se forem algemadas e espancadas pelas autoridades, será por merecimento – e eu quase oraria para que o chicote as atingisse ainda com mais peso até que aprendessem a apreciar a liberdade e estivessem dispostas a remover a coleira do Estado e serem libertadas da dominação humana!
Se perderem um pouco de riqueza ganharão o ouro genuíno do favor de Deus e o poder permanente do Seu Espírito, que não podem esperar receber enquanto forem traidores do Rei Jesus e não reconhecerem a única e exclusiva Liderança do Emanuel sobre a Igreja.
Charles Haddon Spurgeon
Enviado por Silvio Dutra Alves em 12/11/2013