Pilatos e Nós, Culpados da Morte do Salvador – Parte 1
Por Charles Haddon Spurgeon
“Então Pilatos, vendo que nada aproveitava, antes o tumulto crescia, tomando água, lavou as mãos diante da multidão, dizendo: Estou inocente do sangue deste justo. Considerai isso. E, respondendo todo o povo, disse: O seu sangue caia sobre nós e sobre nossos filhos.” Mateus 27:24-25
A crucificação de Cristo marcou a altura do pecado cometido por nossa raça. Em Sua morte encontramos todos os pecados da humanidade unidos em uma conspiração execrável. A inveja, o orgulho e o ódio estão lá, juntamente com a ambição, a falsidade, e a blasfêmia, todos ávidos por projetar-se na crueldade, vingança e homicídio. O diabo agitou as iniquidades de todos nós em torno da semente da mulher: todas essas iniquidades circundaram ao Senhor, sim, o rodearam como abelhas. Todas as maldades dos corações humanos de todas as épocas marcaram encontro ao redor da cruz: assim como todos os rios vão para o mar, e como todas as nuvens se descarregam sobre a terra, assim se congregaram todos os crimes do homem para causar a morte do Filho de Deus. Foi como se o inferno tivesse enviado uma convocação, e todas as várias formas de pecado tivessem chegado a tropel – legião pós legião apertaram o passo à batalha. Assim como os abutres se precipitam sobre a carniça, assim correram os bandos de pecados para converter o Senhor em sua presa. E uma vez congregadas as tropas de pecados, consumaram o crime mais atroz que o sol jamais havia presenciado. Mãos iníquas crucificaram e mataram o Salvador do mundo.
Acabamos de cantar dois hinos em que assumimos nossa porção de culpa pela morte de nosso Senhor. Cantamos—
“Oh, os agudos tormentos de extrema dor
Que suportou meu amado Redentor,
Quando chicotes nodosos e grossos espinhos
Dilaceraram Seu corpo sagrado.
Mas em vão acuso
Aos chicotes nodosos e aos grossos espinhos;
Em vão culpo aos soldados romanos,
E aos mais desprezíveis judeus.
Vocês, meus pecados, meus cruéis pecados,
Foram Seus principais carrascos;
Cada um de meus crimes se converteu em um cravo,
E minha incredulidade veio a ser a lança.”
E logo, com o mesmo espírito, cheios de tristeza fizemos uma pergunta, e cantamos uma resposta penitencial—
“Meu Jesus, quem com cuspe vil
Profanou Teu santo rosto?
Oh, quem com um flagelo implacável
Fez brotar Teu precioso sangue?
Fui eu, que tenho sido muito ingrato
Mas, Jesus, tem misericórdia de mim!
Oh, Senhor meu, tem piedade de mim e
Perdoa-me,
Por Tua doce misericórdia! “
Talvez alguns de vocês não compreendam bem o que acabaram de cantar; mas alguns de nós nos declaramos culpados, de maneira sincera e consciente, da morte de nosso Senhor Jesus Cristo. Nós sabemos que Ele não somente sofreu para apagar nossas transgressões, mas também por causa de nossas iniquidades. Isto não é muito claro para muitos de vocês; e não lhes peço que finjam que entenderam. Não podem entender porque têm algo a ver com a morte de Jesus, e por isso não são conduzidos ao arrependimento quando falamos desse tema; certamente imitam o exemplo de Pilatos em nosso texto, quando tomou a água e lavou suas mãos diante da multidão, dizendo:
“Inocente sou do sangue deste justo.”
O propósito do nosso sermão será despertar consciências adormecidas. Sem nos metermos em perguntas metafísicas relativas a se Pilatos teve ou não real participação na ação particular pela qual morreu Jesus, vou mostrar-lhes que de muitas maneiras, os homens cometem na prática um crime semelhante, e assim demonstrarei, que têm disposições similares àqueles antigos assassinos de Cristo. Ainda que repudiem a crucificação, a repetem, se não na forma, no espírito. Ainda que Jesus não esteja aqui em carne e osso, contudo, a causa da santidade e da verdade e de Seu divino Espírito ainda estão em nosso meio. E os homens reagem diante do reino de Cristo, que está estabelecido entre eles, da mesma maneira que os judeus e os romanos agiram contra o Deus encarnado.
É certo que nem todos os homens são igualmente Seus inimigos empedernidos, pois o Senhor falou de alguns que “maior pecado tem;” e poucos são tão culpados como Judas o traidor, esse filho da perdição; mas não importando a razão, a rejeição a Cristo é um grave pecado, e vocês serão uma grandiosa bênção evangélica se arrependem-se dele à maneira do profeta que disse: “E olharão para mim, a quem traspassaram; e pranteá-lo-ão sobre ele, como quem pranteia pelo filho unigênito; ”
Agora falarei sobre a história da apresentação de nosso Senhor diante de Pilatos, desde o momento em que foi enviado a Herodes até o tempo em que foi entregue aos judeus para que fosse crucificado, e vou tentar expor, mediante esta narração, várias formas na quais os homens matam a Cristo virtualmente, e por tanto, se tornam participantes da antiga transgressão que foi perpetrada em Jerusalém.
I. Primeiro, há alguns indivíduos (e são os que cometem o mais grave pecado) que são MANIFESTOS E DETERMINADOS OPONENTES DO SENHOR JESUS. Estes são homens que estão representados pelos principais sacerdotes e os anciãos do povo judeu, que desde muito tempo pediam o sangue do Salvador, porque não podiam suportar Seus ensinamentos. Nenhuma outra coisa os satisfaria além de sua eliminação da terra, pois Ele era um protesto vivo contra seus perversos atos. Eles o odiavam porque por causa de Sua luz, suas vidas depravadas eram censuradas. Estes foram os verdadeiros assassinos de Cristo, que se gloriavam em sua vergonha e desafiavam o castigo que mereciam, gritando: “O seu sangue caia sobre nós e sobre nossos filhos”.
Todavia temos em nosso meio, pessoas que não podem suportar o ensino de nosso Senhor Jesus. A simples menção de Seu nome excita suas piores paixões; se enfurecem com sua simples menção. Oh, as coisas atrozes que alguns têm dito recentemente sobre o Cristo de Deus. Desconhecem a cautela quando se trata de insultá-lo. Se alguém mais houvesse sido caluniado como ele foi, a sociedade não teria tolerado essas línguas detestáveis. As acusações contra Jeová e Seu Filho pareceriam deliciosas guloseimas para os blasfemos modernos, guloseimas para comer com avidez. Minha carne se estremece quando penso nos duros comentários que os ímpios articulam contra Ele, que no dia de Sua humilhação suportou contra Si uma inarrável oposição dos pecados. Estas calúnias eram visivelmente absurdas e deveriam ter sido descartadas com o maior desprezo, se não fosse pela culpa dos homens; pois mediante estas expressões vemos que veneno de serpente há debaixo de seus lábios; sua boca está cheia de maldição e de amargura.
Não tratam da mesma maneira aos heróis de guerra, aos filósofos da antiguidade, nem sequer aos notórios flagelos da raça humana; a todos estes lhes concedem alguma benevolência, e muitas vezes lhes rendem homenagens questionáveis; mas quando se trata da pessoa e da vida de nosso bendito Senhor, a benevolência e a honestidade são descartadas; a menor intenção de entendê-lo é rejeitada, e Ele e os Seus são alvo de ridículo, de deturpação e de falsidade. Lhes concedem os mais grosseiros epítetos, dão a pior interpretação às Suas palavras, deturpam Suas ações e lhe atribuem motivos que lhe eram completamente estranhos. E esses homens se encontram no nosso meio, reclamando o direito de serem ouvidos.
Em todos os tempos sempre houve incrédulos e escarnecedores de Jesus; Mas em nossa época a humanidade usa uma linguagem mais imunda que usualmente. Antes, a incredulidade era filosófica e precavida, e encontramos grandes nomes em suas listas; mas agora seus advogados mais vociferadores, são fanfarrões à maneira de Tom Paine, homens que parecem deleitar-se ferindo os sentimentos das pessoas piedosas e esmagando qualquer coisa sagrada debaixo de seus pés. Estes são os verdadeiros seguidores dos homens cujas bocas rugiam “Crucifica-o, crucifica-o!” Não podem suportar que Jesus seja recordado e muito menos reverenciado. Eles argumentam ser “liberais”, e ter um coração aberto para todas as religiões; mas seu desprezo pela fé em Jesus, que desconhece qualquer mitigação, é manifestado em toda ocasião possível, evidenciando que o espírito de perseguição arde dentro deles. É inútil que estes indivíduos digam que não crucificariam a Cristo, pois o crucificam até onde seu poder os permite, por seus comentários blasfemos contra Ele.
Certo número deles concentra seu ataque contra a autoridade real e o poder reinante do Senhor Jesus. Exclamam contra Ele porque se atribui uma soberania universal. Eles não objetam tanto o cristianismo como um dos vários credos; mas não querem saber nada dele quando reclama ser o credo supremo. O Senado romano estava disposto a incorporar Jesus ao Panteão, em meio de outros deuses, mas quando se deram conta que o Cristo exigia uma adoração exclusiva, lhe negaram um lugar no círculo de adoração. Como o Evangelho afirma ser verdadeiro, e julga que os outros sistemas são falsos, de imediato provoca a oposição da escola liberal. Há homens hoje em nosso meio que dizem: “sim, há algo bom no cristianismo como também o há no budismo.” Ultimamente as pessoas têm se acarinhado maravilhosamente com este precioso budismo; qualquer ídolo seria aceitável para os homens contanto que lhes permitisse desfazer-se do Deus vivo. Não gostam de um Cristo que deve ser tudo ou nada para eles. Quando Ele diz que exterminará totalmente com os ídolos, e que quebrantará a Seus inimigos com vara de ferro, lhe viram as costas, pois são claramente inimigos de Jesus Cristo se Ele é entronizado como Senhor de tudo.
E temos a outros indivíduos de um molde mais brando que, apesar disso se agregam a este grupo, pois sua oposição é a Deidade de Cristo. Estes de fato afirmam: “Nós temo suma lei, e segundo nossa lei deve morrer, porque se fez a Si mesmo Filho de Deus.” Se indignam diante das doutrinas que os cristãos pregam sobre seu Deus e Salvador. Eles, quando muito, aceitarão que Cristo é o melhor dos homens, é o mais nobre dos profetas, é quase semelhante à Deidade, possivelmente um delegado de Deus, mas não se moverão de lá. Não lhes parece que “Todos honrem ao Filho como honram ao Pai”. Se Jesus é pregado como “Deus verdadeiro do Deus verdadeiro”, de imediato os escutamos gritando: “Fora, fora!” Quando proclamamos a Jesus como Rei sobre Sião, o santo monte de Deus, e dizemos dele “Teu trono, oh Deus, é eterno e para sempre,” eles se recusam a inclinar-se diante de Sua majestade divina. Na medida de suas possibilidades, destroem a divindade de Cristo e o reduzem a um simples ser humano. Como podem essas pessoas culpar aos judeus e aos romanos? Aqueles causaram a morte de Sua humanidade, mas estes quiseram destruir Sua Deidade. Por acaso sua culpa não é igualmente grave? Eu acuso a todos os que negam a Deidade de nosso Senhor, de serem seus assassinos, na medida do possível; pois eles atacam a Sua natureza mais nobre acometendo Seu poder divino e Sua Deidade. Que o Espírito de Deus nos acompanhe aqui para convencê-los de seu erro e os conduza a adorar a Jesus, que é exaltado pela destra de Deus.
Devo apresentar mui claramente a acusação em nome de Deus e da verdade. Os opositores declarados de Cristo, se estivessem vivos nos dias de Sua carne, teriam desejado que lhe tirassem a vida, pois, no que a eles concerne, Ele está morto para eles em Seu verdadeiro caráter, ou estão fazendo o mais que possam segundo sua própria consciência e influenciando na consciência de outros, para varrê-lo da existência. Se eles disseram que não haviam matado literalmente a Jesus na cruz, eu digo que o estão fazendo morrer de uma maneira que o rebaixe ainda mais, ou seja, a destruição de toda Sua influência na mente dos homens. Desprezando Sua expiação pelo meio do qual Ele reconcilia aos homens com Deus, voltando os corações dos homens contra Ele e influenciando-os para que rejeitem Sua salvação, estes homens fazem todo o possível para roubar-lhe a alegria que estava posta diante Dele, pelo qual sofreu a cruz, menosprezando o opróbrio. Por acaso isto não é nada? Matem-me se querem, pois eu viverei quando estiver morto pelas palavras que falei: mas consideraria um crime pior, que vocês tirassem das mentes dos homens tudo o que ensinei, e que jogassem fora todo o bem que procurei fazer. E se isto é assim com um simples mortal, muito mais o é tratando-se de Jesus: tirar Sua vida sobre uma cruz, é comparativamente menor que quando se declara: “não seremos influenciados por Ele, nem cremos nEle como Salvador e Deus, e na medida de nosso poder, vamos impedir que outros creiam nEle.”
Que propósito tão execrável para a vida de um homem, quão horrível fama para ser buscada por alguém: querer erradicar o Evangelho de Jesus. Terrível será o castigo deste pecado. Oh, opositor de Jesus, em lugar de ser menos culpado que os judeus do tempo de nosso Senhor, você é inclusive mais culpado. Você não está tirando a vida dEle de uma forma, mas a está tirando de outra, e o crime é com o mesmo espírito. Meu Senhor é cravado em uma cruz mística por suas cruéis palavras; vejo diante dos meus olhos um Calvário onde o Senhor Jesus é crucificado outra vez, e é exposto à vergonha pública pelos infiéis sarcasmos e céticas insinuações; O vejo escarnecido e reduzido a nada por aqueles que negam Sua Deidade e recusam-se a crer em Seu sacrifício. Basta disso!
Que a consciência esteja presente aqui, e que o Espírito de Deus esteja presente também, para que os homens não se atrevam a lavar-se as mãos em inocência, se foram antagonistas públicos de Jesus e se todavia ainda o são. Oh, que se voltassem para Ele, e se convertessem em Seus discípulos. Suas formosuras são tais que podem cativar a qualquer coração honesto: Seu ensino é tão ternamente razoável, tão cheio de doçura de luz, que é surpreendente que os homens não o recebam com alegria. Sua cruz é única: um Ser sofrendo que entrega Seu sangue, carregando com ofensas que não eram Suas, para que Seus próprios inimigos vivam! O conceito é tão estranho que nunca teria podido originar-se na mente egoísta de homem caído. Por sua própria reação, ele mesmo dá testemunho disto. Ai daqueles que lutam contra esta verdade, pois lhes custará muito caro. O que cair sobre esta pedra será quebrantado; e sobre quem ela cair, a esmiuçará. Olhem o que aconteceu ao povo judeu: eles mesmos foram crucificados por Tito em tão grande número que já não encontravam lenha suficiente para sua execução[3]. Jerusalém destruída é a consequência de Jesus crucificado. Tenham cuidado, vocês que lutam contra Ele, pois o Pai onipotente participará na rixa, e todas as forças da criação e da providência estarão debaixo de Suas ordens, para travar combate a favor da verdade e da justiça. O Nazareno triunfou e triunfará até o fim, quando ponha todos Seus inimigos debaixo de Seus pés. Oh, vocês que O odeiam, sejam sábios oportunamente, e ponham fim a esta luta sem esperanças, na que vocês lutam principalmente contra suas próprias almas.
Charles Haddon Spurgeon
Enviado por Silvio Dutra Alves em 15/11/2013