Pilatos e Nós, Culpados da Morte do Salvador – Parte 2
Por Charles Haddon Spurgeon
II. Espero que não haja muitas pessoas aqui a quem se aplique esta primeira parte do sermão; vamos prosseguir com o segundo ponto. A consciência de Pilatos o remordia e desejava ansiosamente não condenar Jesus à morte. Contudo, não via como podia evitar isso, em vista de que os judeus o ameaçaram com acusá-lo de falta de lealdade a César, e esse César era a sombra do tirano Tibério, que era implacável em sua fúria. Depois de enviar seu prisioneiro a Herodes, descobre que não tem escape por essa via, portanto se aferra a uma segunda esperança. Diz à multidão que a tradição da festa requer que se solte um prisioneiro, o que eles quisessem. Pilatos espera que escolham a Jesus de Nazaré. Na verdade era uma esperança vã! Por casualidade havia outro Jesus na prisão nesse momento, digamos, Jesus Barrabás, que era um assassino, e além do mais, era culpado tanto de sedição como de roubo. Pilatos reúne os dois, e deixa que os judeus elejam. Seria um quadro impressionante se fosse assim na realidade, como sugere um autor da Vida de Cristo, que Pilatos efetivamente enfrentou os dois indivíduos diante da multidão. Vejam ali o assassino de rosto moreno e feroz, de olhar ameaçador, com todas as marcas de fúria e de ódio em sua cara, o homem surpreendido em flagrante, acostumado ao sangue, um bandido cuja específica profissão era a contenda! Ali está como um lobo, e junto a ele é colocado o manso Cordeiro de Deus. Olhem Seu rosto e verão tudo o que é bom, terno, benevolente e heróico. As encarnações do ódio e do amor estão diante deles; e Pilatos deixa que multidão decida. Sem duvidar por nenhum momento, eles gritam: “Este não, mas Barrabás. E Barrabás era ladrão.” O assassino é libertado, e Jesus, o inocente, fica para morrer.
Nisto terei que incriminar a uma segunda classe de homens: NO QUE SE RELACIONA À SUA ELEIÇÃO. Muitos de nós, pela graça divina, elegemos a Jesus para que seja nosso Salvador, Rei, e Senhor. É a base da nossa esperança eterna, e o manancial de nosso gozo presente: elegemos a Cristo para que seja o guia e o líder de nossas vidas, e não nos envergonhamos da eleição. Foi feita deliberada e solenemente, e a renovamos dia após dia—
“O alto céu que ouviu o juramento solene,
Esse voto é renovado diariamente ,
Até que nos inclinemos na última hora de vida
E abençoemos na morte um laço tão amado. “
Temo que alguns de vocês não elegeram a Cristo; mas, o que vocês têm eleito? Permitam-me mencionar dois ou três objetos da eleição humana, dignos de identificar-se com o Barrabás dos tempos antigos. Muitos têm eleito a concupiscência para que seja seu deleite: não pintarei este monstro repugnante; não tenho as cores para fazê-lo. É uma coisa asquerosa e bestial: a face da modéstia se ruboriza diante da simples menção. Contudo, pelos prazeres desenfreados, Cristo é descartado. Pela mulher estranha muitos homens desperdiçaram suas almas, e elegeram a infâmia em lugar da glória. Desculpo pela metade aos judeus que escolheram Barrabás, quando vejo um homem obedecendo às concupiscências da carne em lugar de obedecer a Cristo; contudo, provavelmente estou dirigindo-me a indivíduos que se entregam secretamente a suas paixões mais baixas, e, portanto não se animam a converterem-se em cristãos decididos. Eles sabem que não podem ser seguidores de Cristo e ainda assim se entregarem à lascívia e à fornicação, portanto, por este vil desenfreio, não se aferram a Jesus.
Frequentemente me encontro com pessoas que elegeram outro Barrabás em lugar de Jesus. Tomando emprestado um termo do paganismo, o chamarei de Baco. A bebida é o demônio que escraviza a milhões. É um vício que degrada aos homens, que deforma a imagem de Deus neles. Na realidade insultamos as bestas quando dizemos que um bêbado afunda ao nível das bestas, pois o gado nunca chega tão baixo como o bêbado. Ai, conheci homens, ai, e mulheres também, que tem escutado o Evangelho, e em certa medida tem sentido seu poder, e contudo, por este pecado tem vendido suas almas e tem renunciado a seu Salvador. Nenhum bêbado tem a vida eterna morando nele; e, falando claramente, há cristãos que professam a fé, que merecem ser designados como bêbados. Digo que preferem o demônio da bebida ao santo Senhor Jesus. Vocês condenam aos judeus por eleger a Barrabás: onde encontrarão um advogado que os defenda quando elegem a bebedeira? Se foi pecaminoso que eles elegessem a um assassino, que será para vocês que elejam a este vício maldito, que assassina a centenas de milhares de pessoas? Oh, este vício nacional nosso, o vício que converte esta nação em um refrão e um provérbio entre as nações da terra! Que direi dele? E o colocarão como rival de meu Senhor? Oh, é uma vergonha, uma cruel vergonha que à bebedeira se dê preferência sobre Aquele que nos amou e se entregou por nós!
“Bem, bem,” dirá alguém, “eu não caio nesse pecado.” Não, meu amigo, mas o que é que você escolhe em vez de Cristo? Pois, se não o senta no trono do seu coração, está elegendo algo mais. Por acaso não quer ser cristão porque quer escapar dos problemas e quer ser feliz e estar tranquilo desfrutando da vida? Não elege nenhum caminho em particular que seja ostensivamente vicioso. Prefere ser um pecador moderado e cuidar-se, e ser comedido em todo o pensamento e ansiedade sobre a morte, o céu e inferno. Pensa que por ter uma vida livre de preocupações é mais feliz que se te submetesses a Jesus. Está vivendo sob uma falsa premissa; mas uma coisa é clara: o “eu” é seu deus, e essa é uma deidade tão abjeta como qualquer outra. O idólatra que adora a um deus de ouro ou de prata, de pedra ou barro, não é tão degradado como o homem que adora a si mesmo. A adoração do ego é, em verdade, uma baixeza terrível. Quando eu sou o meu próprio deus, ou meu estômago é meu deus, pode haver um abismo mais profundo? Se vivo somente para desfrutar a vida de forma tranquila, e não me importa Deus, o Cristo, ou as coisas celestiais, que eleição estou fazendo. Pense nisso e envergonhe-se. Oh, vou repetir, em muitas eleições que os homens fazem enquanto ao objetivo de suas vidas, pecam precisamente como pecaram os que descartaram a Cristo e elegeram a Barrabás. Não digo mais. Que o Espírito Santo os faça compreender esta verdade que tristemente os condena.
III. Em terceiro lugar, Pilatos, vendo que não poda liberar a seu prisioneiro assim, o entrega nas mãos dos soldados que, imediatamente, começam a divertir-se com Ele e O tratam como objeto de escárnio. As palavras são cruéis, e são suficientes para provocar as lágrimas de todos os que as leem: “Pilatos, pois, tomou então a Jesus, e o açoitou. E os soldados, tecendo uma coroa de espinhos, lha puseram sobre a cabeça, e lhe vestiram roupa de púrpura.” “Eu sou inocente disso,” clama um de meus leitores. Que! Realmente tem certeza que é livre do PECADO DE DESPREZO E DE CAUSAR DOR A JESUS? Escute um momento. Quando esteve tão ocupado com os assuntos do mundo que não pudeste pensar nEle; quando esteve tão ávido de ser rico que ridicularizou as verdadeiras riquezas, não se dá conta que estava tecendo uma coroa de espinhos para colocar em Sua cabeça? Sua loucura ao desprezar sua própria alma, o fere dolorosamente. Causa-lhe pena, e não pode suportar ver que os espinhos deste mundo sejam a colheita que semeies e recolhas. Se não tivesse um coração tão amoroso e tanta ternura de espírito não importaria, mas esta crueldade para contigo mesmo é crueldade para com Ele, e virtualmente quando estiveste cheio de cuidados e ansiedades relativos ao mundo, e não tiveste cuidado e interesse sobre Ele, ou no relativo a tua própria alma, tu colocaste uma coroa de espinhos sobre Sua cabeça. Por acaso isto não é nada?
Permita-me perguntar-te: quando chegou na igreja em um domingo, como sempre o faz, e pretendeu adorá-Lo, ainda que não o ame, se dá conta do que há feito? Tu zombaste Dele quando tua adoração foi fingida e desta maneira o vestiste com um manto de púrpura. Pois esse manto de púrpura significava que o faziam rei nominal, um rei que não era de verdade, mas um simples espetáculo. Tua religião de domingo, que foi esquecida durante a semana, foi uma haste de cana, uma insígnia impotente, um simples engano. Divertiu-se e o insultou até mesmo com seus hinos e com suas orações, pois sua religião é uma pretensão, não tem coração; entregaste uma adoração que não era adoração, uma confissão que não era confissão, e uma oração que não era oração. Não é mesmo? Peço-lhes que sejam honestos com vocês mesmos. Por acaso não é assim? E logo durante a semana inteira, não preferiram qualquer pessoa em lugar de Jesus? Não preferiram qualquer livro em lugar da Bíblia? Não preferiram qualquer exercício à oração? Não preferiram qualquer diversão à comunhão com Ele? Os objetivos políticos os incitaram, mas não a glória do Senhor nem a expansão de Seu reino. Isto não é desprezar a Jesus? Não é zombar dEle?
Por acaso muitos de vocês não estão cansados do Senhor? Cansados do domingo? Cansados dos sermões sobre Jesus? Cansados do sangue da expiação? Cansados de louvar o Redentor? O que é isto senão desprezo por Ele?
Demasiadas pessoas zombam inclusive acerca das coisas mais sagradas: se não zombaram pessoalmente de Jesus, ridiculizaram Seu povo por causa Dele, e se divertiram às custas do Evangelho. Alguns fazem da religião um espantalho, e a piedade é tratada como um refrão, os escrúpulos de consciência são desprezados como coisas absurdas e fora de moda, e a devoção a Cristo é rebaixada até que se pareça com a loucura. Sabemos que é assim, inclusive entre os que ouvem o Evangelho, e creem no exterior. Há um desprezo pela vida e o poder do Evangelho: conhecem e honram seu nome, mas não valorizam a realidade da piedade vital. Algumas vezes suas consciências trovejam com força dentro deles, e então se veem forçados a desejar aquilo que outras vezes desdenharam. Menosprezam o sangue de Jesus, mas fingem ser participantes de Seu poder que perdoa.
Temo que nenhum de nós se atreverá a lavar as mãos por isto, como um pecado de nossa natureza caída. Houve um tempo quando muitos de nós que amamos a Jesus agora, e poderíamos beijar cada uma de Suas feridas, tínhamos uma opinião tão ruim a respeito Dele, que para nós qualquer coisa era melhor que Ele. A história de Seus sofrimentos era aborrecida como um conto banal; e no relativo a entregarmo-nos a Ele, o considerávamos uma expressão fanática ou um sonho cheio de entusiasmo. Bendito Salvador, Tu nos perdoaste: perdoa a outros que estão fazendo o mesmo.
Charles Haddon Spurgeon
Enviado por Silvio Dutra Alves em 15/11/2013