Legado Puritano
Quando a Piedade Tinha o Poder
Textos
Uma Defesa da Doutrina da Justificação pela Fé – Parte 1
por Charles Haddon Spurgeon,

“E os que são de Cristo crucificaram a carne com as suas paixões e concupiscências.” Gálatas 5.24

De diversos lugares temos ouvido sérias e intensas objeções, e recentemente, no assunto e conteúdo da pregação dos evangelistas vindos da América que estão trabalhando entre nós. Claro que seus ensinamentos, assim como os nossos, estão abertos para julgamentos honestos e eles, temos certeza, prefeririam um tribunal que evitasse a investigação das coisas mais procuradas. Criticismos sobre nosso estilo de falar, cantar e etc, são tão sem importância que ninguém se importa em respondê-los. “A sabedoria é justificada pelos seus filhos.” É um desperdício de tempo para todos discutir sobre gostos pessoais, porém excelente seria agradar a todos, ou até mesmo sempre adaptar tudo para todas as constituições e condições. Portanto nós podemos deixar esses comentários de lado sem uma preocupação maior.
Mas sobre a questão da Doutrina muito tem sido dito e repetido, além disso, com uma boa dose de humor, nem sempre do melhor tipo. O que tem sido afirmado por uma certa classe de escritores públicos chega a isso: se você analisar essa Doutrina, “não se pode fazer qualquer bem real dizer aos homens que simplesmente por crer em Jesus Cristo, eles serão salvos”. E que isso “pode fazer às pessoas feridas muito graves, se levá-los a imaginar que eles tenham sido submetidos a um processo chamado “conversão” e que agora são “salvos para a vida””. Somos informados por estes senhores, pois deveríamos saber, sendo que falam de forma muito positiva, que a doutrina da “salvação imediata”, mediante a fé em Jesus Cristo, é muito perigosa. Dizem que certamente isso levará à degradação da moralidade pública, pois os homens não buscarão nem investirão nas virtudes práticas quando “somente a fé” é levantada a uma tão elevada posição. Dizem que se for assim, isso seria um erro grave e ai de quem levar os homens a esse erro!
Essa não é a verdade, temos certeza, mas por enquanto vamos examinar o campo de batalha. Por favor, notem que esta não é uma disputa destes senhores contra os nossos amigos D.L.Moody e Ira Sankey sozinhos! É uma disputa entre esses opositores e todos nós que pregamos o Evangelho! Pois, apesar de diferentes, assim como nós, no estilo da pregação, estamos todos prontos para definir o nosso “selo”, que é declarar da maneira mais clara possível que os homens são salvos pela fé em Jesus Cristo e salvos no momento em que creem! Nós todos confessamos e ensinamos que esse é um tipo de conversão – e que quando os homens são convertidos tornam-se em “outros homens”, diferentes do que eram antes – e começa uma nova vida que culminará na glória eterna.
Nós não somos tão covardes para permitir que os nossos amigos fiquem em pé sozinhos na frente da batalha, como se fossem pessoas estranhas com noções exclusivas que outros de nós discordamos. Como é a Salvação pela fé no sangue expiatório que está em causa, eles não pregam nada a mais do que temos pregado todas as nossas vidas! Eles não pregam nada a mais do que o consenso geral da cristandade protestante. Vamos deixar isso conhecido por todos e permitir que os arqueiros atirem em todos nós por igual! Então, além disso, se essa é a objeção, devemos ser como aqueles que se levantam para fazer conhecido que os opositores não se levantam contra nós simplesmente, e contra esses amigos que são mais destacados, mas contra a Fé Protestante, que estes mesmos senhores provavelmente professam para se gloriarem!
A Fé Protestante, em resumo, reside nesta mesma Justificação pela Fé que eles atacam. Foi a descoberta de que homens são salvos pela fé em Jesus Cristo, que primeiro despertou Lutero. Esse foi o raio de luz que desceu sobre o seu coração negro e pelo poder dessa luz o trouxe para a liberdade do Evangelho! Este é o martelo pelo qual o papado foi quebrado em tempos antigos e esta é a espada com que ele ainda está a ser ferido – a real “Espada do Senhor e de Gideão“. Jesus é o Salvador Todo-Suficiente e “Quem crê nele não é condenado” [Jo 3.18]. Lutero a usou, de fato, para dizer – e nós o apoiamos – que esta questão da Justificação pela Fé é o artigo pelo qual a Igreja deve ficar em pé ou cair!
Então, a chamada “Igreja”, que não possui esta Doutrina não é uma Igreja de Cristo! E é uma Igreja de Cristo se a detém, apesar de muitos outros erros nos quais ela pode ter caído. A batalha encontra-se realmente entre a doutrina papista do mérito e a doutrina protestante da Graça! E nenhum homem que se autodenomina um Protestante pode logicamente disputar essa questão contra nós e os nossos amigos. Vamos ir um pouco além do que isso. A oposição não é contra os senhores Moody e Sankey, mas contra todos os ministros evangélicos! Não é contra eles apenas, mas contra o nosso Protestantismo comum! E ainda mais – é contra a inspirada Palavra de Deus – pois se este livro ensina alguma coisa sobre o céu, certamente ensina que os homens são salvos pela fé em nosso Senhor Jesus!
Leia a Epístola aos Gálatas e seu julgamento pode ser até perverso, mas você não pode, por qualquer tipo de interpretação de palavras, negar a doutrina da Justificação pela Fé da Epístola. Ela foi escrita com o propósito de afirmar essa Verdade de Deus plenamente e defendê-la totalmente. Nem se pode livrar dessa Doutrina durante todo o Novo Testamento. Você certamente a encontrará não apenas “temperando” todas as Epístolas, mas positivamente saturando-as! E, você tomando capítulo por capítulo, você pode “espremer” delas, como foi feito com o velo de lã de Gideão [Juízes 6.38], esta verdade única – que a justificação diante de Deus é pela fé e não por obras da Lei. Assim, a oposição é contra a Bíblia – e deixem que aqueles que atiram seus enganos, compreendam que lutam contra o Espírito Eterno de Deus e contra o testemunho que Ele tem depositado pelos seus profetas e apóstolos! Negue a Inspiração e você não terá chão para pisar. Mas enquanto você acreditar na Bíblia você deve acreditar na Justificação pela Fé.
Mas agora vamos examinar este assunto de frente. É verdade, ou não, que as pessoas que creem em Jesus Cristo, tornam-se piores do que eram antes? Não estamos atrasados para responder ao inquérito e estamos em um ponto de observação que nos fornece dados abundantes para passarmos por cima. Afirmamos solenemente que os homens que creem em Jesus tornam-se mais puros, mais santos e melhores. Ao mesmo tempo, confesso que houve uma boa dose de conversa imprudente e enganadora, às vezes, por ignorantes defensores da Livre Graça. Temo, aliás, que muitas pessoas pensam que acreditam em Jesus Cristo, mas não fazem nada com relação à isso. Nós não defendemos declarações libertinas, ou negamos a existência de seguidores de mente fraca. Mas nós pedimos para sermos ouvidos e considerados.
Algumas pessoas dizem: “Você diz à essas pessoas que elas serão salvas após elas acreditarem em Cristo.” Exatamente isso. “Mas, por favor, me diga o que você quer dizer por ser salvo, senhor?” Eu direi, com grande prazer. Não queremos dizer que essas pessoas vão para o céu quando morrerem, independentemente do seu caráter. Mas, quando dizemos que, se eles acreditarem em Jesus serão salvos, queremos dizer que eles serão salvos de viver como eles viviam – salvos de serem o que são agora – salvos da libertinagem, da desonestidade, da embriaguez, do egoísmo e qualquer outro pecado que eles podem ter vivido. A coisa pode ser facilmente posta à prova! Se puder ser mostrado que aqueles que creram no Senhor Jesus foram salvos de viver em pecado, nenhum homem racional deveria levantar qualquer objeção à pregação de tal Salvação!
Salvação do pecado é uma coisa que todo moralista deveria recomendar e não censurar – e essa é a salvação que nós pregamos. Receio que alguns imaginam que eles só têm que acreditar em alguma coisa ou outra, e eles vão para o céu quando morrer. E que eles têm apenas de sentir uma certa emoção singular e está tudo certo com eles. Agora, se algum de vocês tem caído nesse erro, que Deus, em Sua misericórdia, tire-o daí, pois não é todo tipo de fé que salva, mas somente a fé dos eleitos de Deus. Não é qualquer tipo de emoção que muda o coração, mas a obra do Espírito Santo.
É de pequena importância ir para uma sala de inquérito e dizer “eu creio”. Semelhantemente, uma confissão não prova nada! Pode ser falsa. E tudo vai ser provado por isso – se você verdadeiramente acreditou em Jesus Cristo, você vai se tornar, a partir daquele momento, um homem diferente do que você era. Haverá uma mudança em seu coração e alma, na sua conduta e sua conversa. E, vendo que você mudou dessa maneira, aqueles que foram honestos opositores deixarão rapidamente as suas acusações, pois eles estarão na condição de quem viu o homem que foi curado com Pedro e João e, portanto, não podia dizer nada contra eles.
O mundo exige fatos e é isso que estamos fornecendo! É inútil gritar nosso remédio com palavras – devemos apontar para a cura. Sua mudança de vida será o argumento mais grandioso do Evangelho, se essa vida é para mostrar o significado do meu texto – “E os que são de Cristo crucificaram a carne com as suas paixões e concupiscências.” Vamos discutir este texto de forma apologética, na esperança de derrotar o preconceito, se Deus permitir.

I - Observe, em primeiro lugar, que O RECEBER JESUS CRISTO PELA FÉ É, EM SÍ, UMA CONFISSÃO QUE TEMOS CRUCIFICADO A CARNE COM SUAS PAIXÕES E CONCUPISCÊNCIAS. Se a fé é como uma confissão, porque dizer que não está relacionado com uma vida santa? Deixe-me mostrar que esse é o caso. Fé é a aceitação de Jesus Cristo. Em que aspecto? Bem, principalmente como um Substituto. Ele é o Filho de Deus e eu sou um culpado pecador. Eu mereço morrer – o Filho de Deus fica no meu lugar e sofre por mim. E quando eu creio nele eu O aceito permanentemente.
Crer em Jesus era de uma forma muito bonita estabelecida na velha cerimônia da Lei, quando a pessoa trazia um sacrifício, colocava as mãos sobre a cabeça do novilho ou cordeiro e assim aceitava que a vítima ficasse em seu lugar, de modo que o sofrimento da vítima deveria ser seus sofrimentos. Agora, nossa fé aceita a Jesus Cristo como permanente em nosso lugar. O núcleo e coluna da confiança da fé reside no seguinte:
“Ele carregou, o que eu nunca poderia suportar,
A Ira do Seu Justo Pai”.
Cristo para mim, Cristo em meu lugar. Agora, tente captar o seguinte pensamento. Quando você crê, você aceita Cristo estando em seu lugar e professa que o que Ele fez, Ele fez por você – E o que Cristo fez em cima daquele madeiro? Ele foi crucificado e morto. Acompanhe o pensamento e perceba bem que pela fé você se considera como morto com Ele – crucificado com Ele.
Você realmente não compreendeu o que significa “fé”, a menos que você tenha entendido isso. Com Ele você sofreu a Ira de Deus, pois Ele sofreu em seu lugar. Você está agora nEle – crucificado com Ele, morto com Ele, sepultado com Ele, ressuscitado com Ele e glorificado com Ele – porque Ele representa você e sua fé aceitou a representação. Você vê, então, que você fez, no momento em que você acreditou em Cristo, uma declaração de que você está, a partir daquele momento, morto para o pecado? Quem pode dizer que o nosso Evangelho ensina os homens a viver em pecado, quando a fé que é essencial para a Salvação envolve uma confissão de morte a ele? A conversão começa com o concordar em ser considerado morto com Cristo para o pecado – não temos nós, aqui, a pedra fundamental da santidade?
Observe, também, que se ele seguir os mandamentos de Cristo, o primeiro passo que um cristão tem a dar depois que ele aceitou a posição tomada pelo Senhor Jesus, é outra confissão mais pública do que o primeira, ou seja, o seu batismo. Pela fé, ele aceitou a Cristo como morto no lugar dele, e ele se refere a si mesmo como estando morrido em Cristo. Agora, cada homem morto deve ser enterrado, mais cedo ou mais tarde. E assim, quando vamos para a frente e confessamos a Cristo, somos “sepultados com ele pelo batismo na morte; para que, como Cristo foi ressuscitado dentre os mortos, pela glória do Pai, assim andemos nós também em novidade de vida.” [Rm 6.4]
Todavia o Batismo não significa nada além de uma cerimônia, não tendo nenhum poder ou eficácia em si mesmo, mas como um sinal e um símbolo que nos ensina que verdadeiros crentes estão mortos e sepultados com Cristo. Então você vê as duas maneiras pelas quais, segundo o Evangelho, nós realmente e declaradamente nos entregamos a Cristo, que são a fé e o Batismo. “Quem crer e for batizado será salvo” [Marcos 16.16]. Agora, a essência da fé é aceitar a Cristo como me representando na Sua morte. E a essência do batismo é ser enterrado com Cristo, porque eu estou morto com Ele. Assim, nos primeiros passos da religião cristã, em seu primeiro ato interno e em seu primeiro símbolo externo, você entende que os crentes devem, de agora em diante, ser separados do pecado e purificados na vida.
Aquele que realmente acredita e sabe o que é ser sepultado realmente com Cristo, começou – na verdade, ele já tem, em certo sentido, efetuado completamente – o que o texto descreve como a crucificação da carne com as suas paixões e concupiscências. Porque, caros amigos, nunca devemos esquecer que o grande objetivo pelo o qual nos lançamos em Cristo é a morte do pecado! Se houver alguém no meio de nós que acreditou em Cristo somente para que possa escapar da agonia do Inferno – Oh, Irmãos e Irmãs, mvocê tem uma idéia muito pobre do que Jesus Cristo veio fazer no mundo! Ele é proclamado como um Salvador que “salvará o seu povo dos seus pecados” [Mateus 1.21]. Este é o alvo de sua missão! É verdade, Ele vem para dar o perdão, mas Ele nunca dá o perdão, sem dar arrependimento junto!
Ele vem para justificar, mas ele não justifica sem também santificar. Ele veio para nos libertar, não somente de ti, oh morte! Nem somente de ti, oh inferno! Mas de você, oh Pecado, a mãe da Morte, o progenitor do inferno! O Redentor passa o machado na raiz de todo o mal matando o pecado e, portanto, tanto quanto estamos preocupados, Ele põe um fim a morte e o inferno! Glória a Deus por isso! Agora, parece-me que se o início da fé cristã é tão manifestamente ligado com a morte para o pecado, eles fazem-nos uma grave injustiça ao supor que na pregação da fé em Jesus Cristo nós ignoramos os valores morais ou as virtudes, ou que nós desprezamos o pecado e os vícios! Nós não fazemos isso, mas nós proclamamos o único método pelo qual o mal moral pode ser condenado à morte e varrido! A recepção de Cristo é uma confissão da crucificação da carne com as suas paixões e concupiscências – o que mais pode propor o moralista mais puro? Que mais poderia ele reconhecer por ele mesmo?
Charles Haddon Spurgeon
Enviado por Silvio Dutra Alves em 21/11/2013
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