Legado Puritano
Quando a Piedade Tinha o Poder
Textos
Regeneração
     A palavra regeneração significa, literalmente, gerar de novo. É  uma palavra adequada para traduzir as duas palavras gregas que foram usadas por Jesus em seu diálogo com Nicodemos, registradas em Jo 3.3,7: genetós (gerar, nascer) e anoten (de novo, do alto).
A doutrina da regeneração se refere portanto ao novo nascimento operado pelo Espírito Santo.
Como já estudamos no assunto da JUSTIFICAÇÃO, a obra da redenção, pela qual Jesus pagou o preço do resgate, pelos nossos pecados, é a base através da qual os que creem no seu nome são justificados por Deus, consistindo  a justificação no livramento da condenação eterna, pela remoção da culpa do pecador, pelo resgate da maldição da lei e da plena aceitação do crente por Deus, por lhe ter sido imputada a justiça de Cristo.
Agora, toda esta libertação e obtenção dos méritos de Cristo, têm da parte de Deus, um propósito supremo em vista: que o crente seja transformado à imagem de Jesus (Rom 8.29). O crente é justificado/salvo para ser  purificado do pecado e para viver em santidade fazendo a vontade de  Deus.
É aqui que entra o trabalho do Espírito Santo.
A justificação foi obtida pela graça, mediante a fé. E do mesmo modo o recebimento da nova natureza, pela regeneração operada pelo Espírito também é pela mesma graça e fé. Na verdade, tanto a justificação quanto a regeneração ocorrem simultânea e instantaneamente, no momento em que o pecador se arrepende e se converte a Cristo. A mesma fé que justificou é assim a mesma fé que regenerou o crente. Deste modo, a regeneração é também pela  graça, mediante a fé, conforme  Jesus afirmou  claramente a  Nicodemos  (Jo 3.14,15,18).
É impossível que alguém seja justificado sem que seja também regenerado. Daí Jesus ter afirmado a Nicodemos a necessidade que ele tinha, como qualquer pessoa, de nascer de novo (regeneração) para poder ver o Reino de Deus. E definiu a fé genuína, que conduz o pecador à salvação, livrando-o da condenação (Jo 3.18), como a fé que não somente justifica,  mas também regenera.
No mesmo diálogo com Nicodemos Jesus afirmou que a vida eterna, que  é obtida através da regeneração, é concedida em razão do amor de Deus  pelos pecadores.
Na regeneração o crente recebe uma nova natureza, pela sua participação na natureza divina (II Pe 1.4), sendo esta também designada na  Bíblia por novo coração, novo homem, nova criatura, dentre outras designações.
Entretanto, a velha natureza ou natureza terrena, apesar de ter recebido a sentença de morte na cruz (Rom 6.6), não é removida do crente, neste mundo, e será mais ativa ou menos, proporcionalmente ao nível de consagração do mesmo a Deus.
O espírito é purificado e fortificado pela graça que flui através da nova natureza recebida na conversão.
O crente tem portanto duas naturezas. Não duas personalidades ou dois espíritos. Seu espírito foi vivificado pelo Espírito Santo e está agora sujeito à influência destas duas naturezas: a terrena e a divina.
A terrena deve ser mortificada continuamente pelo Espírito Santo (Col 3.5; Rom 8.13) para que o crente possa viver em novidade de vida.
A regeneração vem de cima e  é obra divina. Não pode ser produzida pelo homem (Jo 1.12,13; 3.6,7).
O apóstolo Pedro se refere à regeneração do crente como resultante de uma semente incorruptível, a Palavra de Deus (I Pe  1.23,24). Uma  semente incorruptível produz uma vida incorruptível e permanente.  Isto significa que a regeneração dá ao crente vida eterna. A velha natureza morre porque a sua semente é corruptível. Por isso, o filho de Deus em sua nova  natureza não conhecerá a morte espiritual ou eterna, porque Cristo está nele e Ele é a ressurreição e a vida (Lc 20.36; Jo 3.16; 5.24; 6.47,57,58; 8.51; 10.28; 11.26; II Tim 1.10; I Jo 5.13).
O Espírito Santo supre a nova natureza com vida.  Ele concede  graça, graça sobre graça. Jesus afirma que assim como Ele vive, nós viveremos também; e que aquele que nEle crê nunca perecerá. Isto  uma referência à onipotência divina para preservar a nova vida que recebemos pela fé.
O espírito do crente não perecerá eternamente. Ele não estará separado de Deus na eternidade, como ocorrerá com os espíritos daqueles que não têm a Cristo, e que estão condenados à morte eterna.
Quando a Bíblia fala portanto de mortificação da natureza terrena (Col 3.5), não se refere à destruição da alma, mas à sua purificação do pecado, pela destruição das obras da carne pelo Espírito, quando nos  sujeitamos a Deus.
Tendo sido regenerados, somos um só espírito com Cristo (I Cor 6.17; 10.16,17), isto significa que o nosso espírito está ligado ao Senhor,  sem que a nossa personalidade seja anulada, de forma que quando o nosso espírito está purificado do pecado, isto se deve ao fato de estar prevalecendo em nós o poder e a influência da natureza divina. Mas isto  não ocorrerá  sem que o busquemos, sem que nos esforcemos para fazer a vontade de Deus e estar em Sua presença.
Quando deixamos de nos consagrar a Deus, para que o Espírito Santo nos santifique, quem haverá de prevalecer será a natureza terrena, e  em vez  do fruto do Espírito, o que se verá em nós serão as obras da carne (Gl 5.16-25).
O apóstolo Paulo se refere à inclinação da  carne (natureza  terrena) como sendo inimizade contra Deus (Rom 8.7a) que não está sujeita à lei  de Deus e nem mesmo pode estar (Rom 8.7b). A natureza terrena não somente está incapacitada para fazer a vontade de Deus, mas está sobretudo em estado de permanente inimizade contra Deus. A palavra usada  é um substantivo  (inimizade) indicando assim um estado, uma condição, uma natureza, e não um adjetivo (inimiga) que indicaria uma simples qualidade, e não a condição total do ser.
O pecado corrompeu a natureza de todos os homens, e estes estão inclinados por sua própria natureza a fazer o mal, de maneira que a carne sempre luta contra o Espírito, e esta contaminação da natureza terrena  permanece ainda naqueles que têm sido regenerados, porque a concupiscência da  carne não se sujeita à lei de Deus.
A glória tem passado para sempre da natureza terrena. Esta é a  sua própria condenação. É loucamente orgulhosa. O coração é inteiramente  corrupto. Por isso a natureza terrena deve ser repudiada, e devemos atentar para a nova  natureza recebida na regeneração, porque a velha jamais poderá ser melhorada. Está irremediavelmente corrompida.
É certo que ainda há mesmo no pior dos pecadores, resquícios da imagem e semelhança original com que o homem foi criado por Deus. Podemos ver alguns traços de bondade, de justiça, de amor e de outras virtudes, mas estão contaminadas pelo pecado. O grande edifício da natureza humana ruiu por terra quando Adão pecou e é em ruínas que tal natureza é encontrada em quaisquer dos seus descendentes. Há uma ou outra coluna rachada, mas ainda de pé, aqui, e ali, mas no meio dos destroços e do pó da destruição causada pelo pecado. A salvação consiste na remoção destes destroços para a construção de uma nova vida, por meio de uma nova natureza que não pode ser destruída, como a primeira.  
Sem o novo nascimento não poderíamos portanto viver  em conformidade com a vontade de Deus. O novo nascimento é uma transformação radical: por meio dele recebemos a nova natureza que nos faz amar o que aborrecíamos, e aborrecer o que amávamos contra a vontade de Deus.  A regeneração faz diferentes  nossos costumes, nossos pensamentos e nossas palavras (II Cor 5.17).
Alguns dizem que o pecado reina na carne do homem, em seu corpo físico, mas não no seu espírito, que segundo eles é perfeito e não pode pecar. Isto não é verdadeiro porque o espírito do homem também está sujeito ao pecado, daí a exortação de I Tes 5.23 e II Cor 7.1. Devemos lembrar dos poderes do espírito, e dentre estes a imaginação, o pensamento e a vontade, que estão contaminados pelo pecado. Quem não peca é a nova natureza, pois que é divina. Como já comentamos anteriormente, é a sua ação sobre o espírito do homem que mortifica a velha natureza e purifica o espírito do pecado, e imprime nele as virtudes de Cristo, no trabalho progressivo da santificação.
Não há nenhuma desobediência na nova natureza. Não há  nela qualquer mancha do pecado. Ela nunca erra, morre ou transgride. Porque  ela é como Deus, santa, pura, perfeita e separada do pecado. A nova natureza está destinada a nos amadurecer na perfeita imagem de Deus.
É por isso que o trabalho do Espírito em relação à velha natureza é de mortificação, baseado no fato de ter sido a mesma crucificada com  Cristo.
Ela não pode portanto ser reformada, porque não pode ser melhorada. Temos o testemunho dos muitos que têm tentado tal cousa e têm  fracassado. Alguns procuram refrear sua  natureza, mas não o conseguem. É como se o leopardo tentasse se livrar de suas manchas.
Ainda que alguém conseguisse reformar a velha natureza, esta não seria a obra que Deus exige. Ele não quer reformas, mas renovação. Ele não deseja um coração melhorado, mas um coração novo (Ez 36.26,27; Lc 9.23).
O homem não é regenerado mediante seus próprios esforços. Poderá  reformar-se em muitos aspectos. Livrar-se de muitos vícios, mas não há quem possa nascer em Deus pelo próprio poder. Por mais que lute, não conseguirá.
E mesmo que o conseguisse não iria para o céu, porque teria violado uma das condições para tal, a saber, a de nascer do Espírito Santo.
Não há regeneração sem santificação. E não  pode existir  verdadeira santificação onde não houve regeneração.
O Espírito Santo desperta, convence, ilumina, limpa, guia,  preserva, consola, confirma, aperfeiçoa e usa os crentes. Nunca damos um passo em direção ao céu sem o Espírito Santo e nem conduzimos outros no caminho do céu sem Ele.
O novo nascimento do Espírito é a vida do crente e da igreja. Se o Espírito Santo  é apagado, a morte reina, e a igreja é um sepulcro. Daí a ordenança bíblica para não se apagar o Espírito (I Tes 5.19), mas encher-se dEle (Ef  5.18).
Um crente autêntico é aquele que nasceu de novo do Espírito Santo. O mesmo Espírito que o regenerou é o mesmo Espírito que haverá de infundir no crente a necessidade da busca da santificação, porque a santidade é a essência  mesma da natureza de Deus, e por conseguinte, da nova natureza que recebemos no novo nascimento. As cousas de Deus ninguém as conhece, senão o Espírito de Deus (I Cor 2.11b). Só podemos conhecer e viver o que Deus nos deu gratuitamente, mediante as palavras ensinadas pelo Espírito Santo (I Cor 2.12,13). É por isso que há crentes espirituais e crentes carnais. Estes últimos vivem pela influência da natureza terrena (carne) e não da nova natureza, e o domínio das obras da carne (ciúmes, contendas etc) sobre suas vidas prova que apesar de terem sido regenerados, vivem como pessoas carnais, e não espirituais, conforme lhes conviria viverem, por terem sido justificados e feitos novas criaturas em Cristo  (I Cor 3.1-3).    
Daí a importância da ministração da Palavra de  Deus pela  sua pregação e ensino, por parte daqueles que o Espírito tem levantado para liderar a igreja, com vistas  à edificação dos crentes  e seu  aperfeiçoamento espiritual (Ef 4.11,12), e também a necessidade de todos se  aplicarem no corpo de Cristo à oração, à adoração e à prática das boas obras. Pois estes são, dentre outros, meios pelos quais somos fortalecidos com poder, mediante o Espírito Santo, no homem interior (Ef 3.16), sendo transformados de glória em glória, na própria imagem do Senhor (II Cor 3.18).

                 Ilustrações do que é a natureza terrena:

. Lc 6.7,8 -  ardilosa.
. Lc 6.46 -  naturalmente inclinada à desobediência.
. Lc 9.40,41 -  incrédula.
. Lc 9.46-48 - procura suplantar os seus semelhantes.
. Lc 9.54-56 -  vingativa.
. Lc 12.1 - está sujeita à hipocrisia.
. Lc 12.15 -  avarenta (desejo de ter mais do que necessita).
. Lc 12.22, 29 -  ansiosa e inquieta.
. Lc 15.29,30 -  invejosa.
. Lc 17.3,4 - não  inclinada a perdoar.
. Lc 18.1 - não dada à oração, especialmente à oração perseverante.
. Lc 18.9-12 -  orgulhosa e julga ter méritos diante de Deus.
. Lc 22.45,46 -  negligente e insensível.
. Lc 22.61 -  covarde.
. Jo 2.23-25 - busca o que é da sua conveniência hipocritamente.
. Jo 6.26 -  interesseira.
. Jo 7.7 - está inclinada naturalmente para as más obras.
. Gl 2.11-14 -  preconceituosa e dissimulada.

Estes poucos exemplos não são suficientes para demonstrar que nada devemos dispor para a carne (natureza terrena), mas sim viver  em novidade  de vida, revestidos de Jesus, segundo a nova natureza ? (Rom 13.14)
Por isso o apóstolo Paulo declara abertamente: "Porque eu  sei que  em mim, isto é, na minha carne, não habita bem nenhum. Pois o querer  o bem está em mim; não porém o efetuá-lo." (Rom 7.18). Somente o poder da graça de Jesus pode libertar o próprio crente desta escravidão que a natureza terrena lhe impõe de não ser capaz de realizar o bem mesmo quando deseja praticá-lo (Rom 8.25).    
Daí Jesus afirmar: "Importa-vos nascer de novo." (Jo 3.7b). E o Espírito Santo acrescentar pela boca de Paulo, a única forma de se vencer a  carne, depois der ter sido regenerado: " Andai no Espírito e jamais satisfareis a concupiscência da carne." (Gl 5.16).
Silvio Dutra Alves
Enviado por Silvio Dutra Alves em 19/12/2013
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