Legado Puritano
Quando a Piedade Tinha o Poder
Textos
Uma Chamada Séria a Uma Vida Santa e Devota – Cap VII
Como o uso imprudente de um estado corrompe todas as disposições da mente e enche o coração com paixões pobres e ridículas ao longo de todo o curso da vida, como representado no caráter de Flávia.

Já foi observado que um prudente e religioso cuidado deve ser usado, na forma de gastar o nosso dinheiro ou propriedade, porque a maneira de gastar nossas posses é uma grande parte da nossa vida comum, e é muito o negócio de cada dia, que, conforme sejamos sábios ou imprudentes, a este respeito, todo o curso de nossas vidas, será ou muito sábio, ou muito cheio de insensatez.
Pessoas que são afetadas de forma positiva com a religião, que recebem instruções de piedade com prazer e satisfação, muitas vezes se maravilham como pode ocorrer, que elas não façam maiores  progressos nessa Religião que eles tanto admiram.
Agora, a razão disso é esta, é porque a religião vive apenas em sua cabeça, mas algo mais tem a posse de seus corações áridos, portanto, eles continuam ano após ano como meros admiradores da piedade, sem nunca chegarem à realidade e perfeição de seus preceitos .
Se for perguntado, por que a religião não obtém a posse de seus corações, a razão é esta: não é porque eles vivam em grosseiros pecados, ou intemperanças, porque seu respeito à religião lhes preserva de tais desordens. Mas é porque seus corações estão constantemente empenhados,  equivocados, e mantidos em um estado errado, pelo uso indiscreto de coisas que são lícitas de serem usadas.
O uso e desfrute de suas posses é lícito, e portanto, nunca entra em suas cabeças, imaginarem qualquer grande perigo nisto. Eles nunca refletem, que existe um uso vão e imprudente de suas posses, que, apesar de não destruir como os pecados grosseiros, todavia desordenam o coração, e o conduzem a sensualidade, mornidão, orgulho e vaidade, como também o torna incapaz de receber a vida e o espírito da piedade.
Porque nossas almas podem receber uma mágoa infinita, e serem achadas incapazes de todas as virtudes, apenas pelo uso de coisas inocentes e lícitas.
O que é mais inocente do que o descanso e ainda o que é mais perigoso, do que a preguiça e ociosidade? O que é mais lícito do que comer e beber, e no entanto o que é mais destrutivo de toda a virtude, o que mais estimula todos os vícios de sensualidade e indulgência?
Quão legítimo e louvável é o cuidado de uma família? E no entanto, quão certamente são muitas pessoas tornadas incapazes de toda virtude, por um temperamento mundano e solícito?
Agora, é por falta de exatidão religiosa no uso destas coisas inocentes e lícitas, que a religião não pode tomar posse de nossos corações. E é no gerenciamento correto e prudente de nós mesmos, quanto a essas coisas, que todas as artes de uma vida santa consistem principalmente.
Pecados grosseiros são claramente vistos, e facilmente evitados por pessoas que professam religião. Mas o uso indiscreto e perigoso de coisas lícitas e inocentes, uma vez que não choque e ofenda nossas consciências, por isso é difícil fazer as pessoas de todo sensíveis ao perigo disto.
Um cavalheiro que gasta todo o seu dinheiro em esportes, e uma mulher que coloca todo o seu dinheiro em cima de si mesma,  dificilmente podem ser convencidos que o espírito da religião não pode subsistir em tal modo de vida.
Estas pessoas , como tem sido observado, podem viver livres de intemperanças, podem ser amigos da Religião cristã, até o ponto de louvá-la e falar bem dela, e admirá-la em sua imaginação; mas não podem governar seus corações, e ser o espírito de suas ações, até que mudem seu modo de vida, e deixem a Religião dar as leis para o uso e os gastos de suas posses.
Porque uma mulher que ama as vestes de forma abusiva, que não poupa custos para se adornar, não parará nisto; porque esta disposição atrai milhares de outras loucuras juntamente com ela, e tornará todo o curso de sua vida, seu negócio, sua conversa, suas esperanças, seus medos, seus gostos, seus prazeres, e lazeres, se adequarem a isso.
Flávia e Miranda são duas irmãs solteiras, que dispõem, respectivamente, de duzentas libras anuais. Elas sepultaram os seus pais, há vinte anos atrás, e desde então gastam as suas posses como lhes agrada.
Flávia tem surpreendido todos os seus amigos, pela sua excelente gestão, na forma moderada como usa o dinheiro. Várias senhoras que têm o dobro de suas posses, não são capazes de serem sempre tão gentis e constantes em todos os lugares de prazer e despesa. Ela tem tudo o que está na moda, e está em todo lugar onde haja qualquer entretenimento. Flávia é muito ortodoxa, ela fala calorosamente contra os hereges e cismáticos, está geralmente na igreja, certa vez elogiou um sermão que era contra o orgulho e a vaidade no vestir. Se alguém pedir a Flávia para fazer alguma coisa em caridade, se ela gosta da pessoa que fez a proposta, ela contribui. Mas passado algum tempo, ao ouvir um outro sermão sobre a necessidade de caridade, ela acha que a pregação foi boa, que é um assunto muito apropriado, mas ela nada aplicou a si mesma, porque se lembrou de quando deu esmolas algum tempo atrás, e se arrependeu depois porque poderia ter poupado o dinheiro.
Quanto às pessoas pobres, ela admitirá não ter nenhuma queixa da parte deles; ela é muito positiva que eles são todos falsos e mentirosos; e nada dirá para aliviá-los, e, portanto, deve ser um pecado encorajá-los em seus maus caminhos.
Você pensaria que Flávia tinha uma consciência terna no mundo, se você visse, quão escrupulosa e apreensivo ela é da culpa e perigo de errar.
Ela compra todos os livros sobre inteligência e temperamento, e fez um coleção cara de todos os nossos poetas ingleses. Porque ela diz, que não se pode ter um verdadeiro gosto por qualquer um deles, sem estar muito familiarizado com todos eles. Às vezes, ela lê um livro sobre Piedade, se for curto, ou muito elogiado por estilo e linguagem.
Flávia é muito ociosa, e ainda gosta muito de um fino trabalho, que a faz frequentemente se sentar  para trabalhar na cama até meio-dia, de modo que eu não preciso lhe dizer, que as suas manhãs de devoções nem sempre são corretamente executadas.
Flávia seria um milagre da Piedade, se assim fosse, mas não é tão cuidadosa de sua alma, quanto ela é de seu corpo. O surgimento de uma espinha em seu rosto, a picada de um mosquito, fará com que ela se mantenha em seu quarto dois ou três dias. Ela é tão ansiosa quanto à sua saúde, que ela nunca acha que está bem o suficiente, de modo que faz gastos excessivos com toda a sorte de medicamentos preventivos.
Se você visitar Flávia no domingo, você sempre a encontrará em boa companhia, você saberá o que está ocorrendo no mundo, ouvirá a última sátira, saberá quais são as peças de teatro da semana, qual é a canção mais refinada na ópera, e quais são os jogos que se encontram na moda.
Flávia pensa que são ateus os que jogam cartas no domingo, mas ela lhe dirá com minúcia sobre todos os jogos, que cartas ela segurou e como as jogou, e a história de tudo o que aconteceu no jogo, tão logo ela venha da Igreja.
Eu não afirmarei que é impossível que Flávia seja salva, mas, muito pode ser dito, que ela não tem fundamentos das Escrituras para pensar que está no caminho da salvação.
Porque toda a sua vida está em oposição direta a todos as disposições e práticas, que o Evangelho faz necessárias para a salvação.
Se você estivesse lhe ouvindo dizer, que ela tinha vivido toda a sua vida como Ana, a profetisa, que não se afastava do templo,  servindo a Deus em jejuns e orações, noite e dia, você olharia para ela como sendo muito extravagante, e ainda esta não seria uma extravagância maior, do que ela dizer que ela tem se esforçado por entrar pela porta estreita, ou fazer qualquer doutrina do Evangelho, a regra de sua vida.
Ela pode muito bem dizer, que ela viveu com o nosso Salvador, quando ele esteve sobre a terra, como ela tem vivido na imitação dele, ou que fez seu cuidado viver qualquer parte de tais disposições, como ele tem requerido de todos aqueles que são seus discípulos. Ela pode verdadeiramente dizer, que tem a cada dia lavado os pés dos santos, como ela tem vivido na humildade e pobreza de espírito cristão. Ela tem tanta razão para pensar, que ela tem sido uma sentinela em um exército, assim como ela tem vivido em vigilância e abnegação. E pode dizer que ela vivia com o trabalho de suas mãos, ao qual ela tinha dado toda a diligência para fazer a sua vocação e eleição.
E aqui isto pode ser bem observado, que a pobreza, a irreligião, a insensatez e a vaidade de toda esta vida de Flávia, é tudo devido à forma de utilizar suas posses. É isto o que tem formado seu espírito, que deu vida a cada disposição ociosa, que apoiou toda paixão insignificante, e que a privou de todos os pensamentos de uma vida prudente, útil e devota.
Quando seus pais morreram, ela não tinha pensado nas suas duzentas libras anuais, mas que não tinha tanto dinheiro para fazer o que ela faria com tal quantia, para gastar consigo mesma, e comprar os prazeres e gratificações de todas as suas paixões.
Ela poderia ter sido humilde, séria, devota, uma amante de bons livros, um admiradora da oração, remindo o seu tempo, sendo diligente em boas obras, cheia de caridade e do amor de Deus, mas o uso imprudente de suas posses forçou todo tipo de disposições contrárias sobre ela.
Agora, porém o espírito insignificante irregular desse personagem pertence, eu espero, senão a poucas pessoas, mas muitos podem aprender algumas instruções aqui, e talvez veja algo de seu próprio espírito nisto.
Se desejarmos portanto, fazer um progresso real na Religião cristã, devemos não somente abominar pecados graves e notórios, mas temos que regular as partes inocentes e lícitas do nosso  comportamento, e colocar as ações mais comuns e permitidas da vida, sob as regras da discrição e da piedade.

Tradução e adaptação feitas pelo Pr Silvio Dutra, do sétimo capitulo do livro de William Law, em domínio público, intitulado Uma Chamada Séria a Uma Vida Santa e Devota. William Law, foi professor e mentor por vários anos de John e Charles Wesley, George Whitefield – principais atores do grande avivamento do século XVIII, que se espalhou por todo o mundo - Henry Venn, Thomas Scott e Thomas Adam, entre outros, que foram profundamente afetados por sua vida consagrada a Deus, e sobretudo pelo conteúdo deste livro.
William Law
Enviado por Silvio Dutra Alves em 25/12/2013
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