Uma Chamada Séria a Uma Vida Santa e Devota – Cap VIII
Como o uso sábio e piedoso de nossas posses, naturalmente nos trazem grande perfeição em todas as virtudes da vida cristã; representado no caráter de Miranda.
Qualquer piedade regular de qualquer parte da nossa vida, é de grande vantagem, não somente por sua própria conta, como também por isto nos levar a viver por regras, e pensar no governo de nós mesmos.
Um homem de negócios, que tem trazido parte de seus cuidados sob determinadas regras, deve ter o mesmo cuidado em relação às demais coisas.
Então, aquele que trouxer qualquer parte de sua vida sob as regras da religião cristã, pode ser ensinado a estender a mesma ordem e regularidade às demais áreas de sua vida.
Se alguém é tão sábio a ponto de pensar que seu tempo é precioso demais para ser gasto ao acaso, e permitir que ele seja devorado por qualquer coisa que aconteça em seu caminho; se ele fica subjugado por uma certa necessidade observando como todos os dias passam por suas mãos, e obriga a si mesmo a uma certa ordem de tempo no seu negócio e devoções, é difícil de ser imaginado, em quanto tempo tal conduta iria reformar, melhorar e aperfeiçoar todo o curso da sua vida.
Aquele, portanto, que sabe o valor, e colhe a vantagem de uma época bem ordenada, não demorará muito para ser um estranho ao valor de algo mais que seja de algum interesse real para ele.
Uma regra que se relaciona até mesmo à parte menos importante de nossa vida, é de grande benefício para nós, simplesmente porque é uma regra.
Porque, como diz o provérbio, aquele que começou bem, tem feito a metade; então aquele que começou a viver pela regra, tem um longo caminho para percorrer para a perfeição de sua vida.
Por regra, deve aqui ser constantemente entendido, uma regra da religião cristã, observada como um princípio de dever para com Deus.
Porque, se alguém deve se obrigar a ser moderado em suas refeições, apenas no que diz respeito ao seu estômago, ou se abster de beber, apenas para evitar a dor de cabeça, ou ser moderado durante o sono, por ter medo de uma letargia, ele poderia ser exato nessas regras, sem ser tornado em tudo um homem melhor por elas.
Mas quando ele é moderado e regular em qualquer uma dessas coisas, por um sentido de sobriedade cristã e abnegação, para que ele possa ofertar a Deus uma vida mais razoável e santa, então isto é, que a menor regra deste tipo, se torne naturalmente, o início de uma grande piedade.
Porque a menor regra nesses assuntos é de grande benefício, uma vez que nos ensina alguma parte do governo de nós mesmos, uma vez que mantém uma ternura de espírito; apresenta Deus muitas vezes aos nossos pensamentos, e traz um sentimento de religião para as ações ordinárias de nossa vida comum.
Se um homem, quando estivesse na companhia, onde todas pessoas perjuraram, conversaram lascivamente, ou falaram mal do seu próximo, tomasse esta regra para si mesmo, de reprová-las gentilmente, ou, se isso não fosse adequado, então, deixar a companhia tão decentemente quanto pudesse, ele acharia esta pequena regra, como sendo um pouco de fermento escondido em uma grande quantidade de farinha, que iria se espalhar e se estender de todas as formas em sua vida.
Se um outro devesse se obrigar a se abster no Dia do Senhor de muitas coisas inocentes e lícitas, como viajar e discorrer sobre assuntos mundanos, como comércio e assim por diante, se ele devesse dedicar o dia, além do culto público, para uma maior leitura da Palavra, para a devoção, e obras de caridade; embora possa parecer uma coisa pequena, ou uma minúcia desnecessária, exigir de um homem que se abstenha de tais coisas que podem ser feitas sem configurar um pecado, mas quem quiser experimentar o benefício de tão pequena regra, talvez encontre por este meio uma grande alteração feita em seu espírito, e um grande gosto pela piedade se levantando em sua mente, para o qual ele era um completo estranho antes.
Seria fácil demonstrar, em muitos outros casos, como poucos e pequenos assuntos são os primeiros passos, e começos naturais de grande perfeição .
Mas as duas coisas, que mais do que todas as demais, devem estar sob uma regra rígida, e que são as maiores bênçãos tanto para nós mesmos quanto para outros, quando são usadas corretamente, são o tempo, e o nosso dinheiro. Esses talentos são meios contínuos e oportunidades de fazer o bem.
Aquele que é piedosamente estrito, e exato na gestão prudente de qualquer um destes, não pode ignorar por longo tempo o uso correto do outro. E aquele que está feliz no cuidado religioso de ambos, já subiu vários degraus na escada da perfeição cristã.
Miranda (a irmã de Flávia) é tanto uma cristã sóbria e razoável; quanto uma boa administradora do seu tempo e dinheiro, que era seu primeiro pensamento, como poderia melhor cumprir tudo o que Deus exigia dela no uso deles, e como ela poderia fazer um melhor e mais feliz uso desta vida curta. Ela depende da verdade que nosso bendito Senhor tem dito, que há apenas uma coisa necessária e, portanto, fez dela o trabalho continuo de toda a sua vida. Ela tem apenas uma razão para fazer, ou não fazer, gostar ou não gostar de nada, e isto é, a vontade de Deus. Miranda pensa muito bem, para evitar ser chamada pelo mundo de dama refinada, ela renunciou ao mundo para seguir a Cristo no exercício de humildade, caridade, devoção, e afeição santa, e é nisto que ela deseja ser refinada.
Enquanto ela estava debaixo de sua mãe, ela foi forçada a viver em cerimônias, a se deitar tarde da noite, para estar na loucura de cada moda, e sempre fazer visitas vãs, e ir à igreja com trajes caros e chamativos, a dançar em locais públicos, onde almofadinhas poderiam admirar a delicadeza de suas formas e a beleza de seus movimentos.
A lembrança desse modo de vida, faz com que ela tenha um cuidado extremado em se despojar de tudo isto, por um comportamento contrário.
Miranda não divide seu dever entre Deus, seu próximo, e ela mesma, mas ela considera tudo como devido a Deus, e assim faz tudo em seu nome e por causa dele. Isso faz ela considerar o seu dinheiro como um dom de Deus, que é para ser usado como tudo o mais deve ser, que pertence a Deus, para a sábia e razoável finalidade de uma vida cristã e santa. Portanto, seu dinheiro é dividido entre si mesma, e várias outras pessoas pobres, e ela tem apenas dele a sua parte de alívio. Ela acha que é a própria insensatez se saciar com coisas supérfluas, gastos inúteis, para si mesma, como para outras pessoas que agem da mesma forma.
Se as necessidades de um homem pobre são uma razão pela qual ela não deve gastar o seu dinheiro à toa, certamente as necessidades dos pobres, a excelência da caridade, que é recebida como sendo feita ao próprio Cristo, é uma muito maior razão por que ninguém deve gastar o seu dinheiro com vaidades. Porque, se agir assim, desperdiça aquilo para o qual é procurado um uso mais nobre, e que o próprio Cristo está pronto para receber de suas mãos.
Miranda usa vestes baratas, mas que traz sempre rigorosamente limpas e arrumadas.
Tudo nela reflete a pureza de sua alma, e ela está sempre limpa, porque ela é sempre pura por dentro.
Todas as manhãs são iniciadas com suas orações, ela se alegra no início de cada dia, porque começa todas as suas regras piedosas de uma vida santa, que lhe trazem o fresco prazer de repeti-las.
Ela parece ser como um anjo da guarda para aqueles que habitam com ela, com suas vigílias e orações abençoa o local onde ela habita, e fazendo intercessão junto a Deus por aqueles que estão dormindo.
Suas devoções têm tido alguns intervalos, e Deus ouviu várias de suas orações particulares, antes que a luz da manhã penetrasse o quarto de sua irmã. Miranda não sabe o que é ter um dia maçante, ao retornar de suas horas de oração, e seus exercícios religiosos.
Quando você a vê no trabalho, você vê a mesma sabedoria que governa todas as suas outras ações, ela ou está fazendo algo que é necessário para si, ou necessário para outros, que necessitam ser assistidos. É difícil encontrar uma família pobre no bairro, que não tenha recebido uma coisa ou outra do trabalho de suas mãos. Sua mente sábia e piedosa nem quer a diversão, nem pode suportar a loucura de trabalho ocioso e impertinente. Ela não pode admitir nenhuma loucura como esta durante o dia, porque ela deve responder por todas as suas ações durante a noite. Quando não há sabedoria para ser observada no emprego de suas mãos, quando não há nenhum trabalho útil ou de caridade para ser feito, Miranda não trabalhará mais. Em sua mesa, ela vive estritamente por esta regra da santa Escritura, quer comais, quer bebais, ou façais qualquer outra coisa, fazei tudo para a glória de Deus. Isso faz ela começar e terminar cada refeição, como ela começa e termina cada dia, com atos de devoção.
As Sagradas Escrituras, especialmente do Novo Testamento, são a o seu estudo diário; estas ela lê com uma atenção vigilante, constantemente lançando um olhar sobre si mesma, e provando-se, por cada doutrina da Palavra. Quando ela tem o Novo Testamento em sua mão, ela se considera aos pés de nosso Salvador e seus apóstolos, e faz tudo o que ela aprende deles, faz as leis da sua vida. Ela recebe suas palavras sagradas com o máximo de atenção e reverência, como se ela visse as suas pessoas e sabendo que elas lhes vieram do céu, com o propósito de ensinar-lhe o caminho que conduz a ele.
Ela pensa que examinar a si mesma todos os dias pela doutrinas da Escritura, é o único caminho possível para estar pronta para seu julgamento no último dia.
Ela está, por vezes, temerosa em gastar muito dinheiro com a compra de livros, porque ela não vacila em comprar livros práticos, especialmente os que ensinam como entrar no coração mesmo da religião, e que descrevem a santidade interior da vida cristã. Mas de todos os escritos humanos, a vida de pessoas piedosas e de santos eminentes, são o seu maior prazer. Nestes ela procura como num tesouro escondido, na esperança de encontrar algum segredo de uma vida santa, algum grau incomum de piedade, que ela possa fazer sua própria.
Por estes meios Miranda tem sua cabeça e seu coração abastecidos com todos os princípios de sabedoria e santidade, ela é tão cheia do assunto principal da vida, que ela acha difícil conversar sobre qualquer outro assunto, e se você está em sua companhia, quando ela acha adequado falar, você será feito melhor e mais sábio.
Relacionar a sua caridade, seria descrever a história de cada dia durante vinte anos; por tanto tempo tem gasto todo o seu dinheiro dessa forma. Ela sustentou quase vinte comerciantes pobres que tinham falhado em seus negócios, e salvou a muitos da falência.
Ela educou várias crianças pobres, que foram apanhadas nas ruas, e as colocou numa condição de trabalharem num emprego honesto.
Assim que qualquer trabalhador fique confinado em casa por causa de doença, ela lhe envia, até que ele se recupere, o dobro do valor de seu salário, para que possa sustentar sua família, como de costume, e para fornecer as coisas convenientes para o tratamento da sua doença.
Não há nada no caráter de Miranda para ser mais admirado, que este temperamento. Porque esta ternura de afeto para com os pecadores mais necessitados, é a mais alta instância de uma alma santa e semelhante a Deus.
Miranda nunca tem falta de compaixão, mesmo aos mendigos comuns; especialmente para aqueles que estão velhos ou doentes, ou cheios de feridas ou com falta de membros. Ela ouve suas queixas com ternura, dá-lhes uma prova de sua bondade, e nunca os rejeita com palavras duras, ou reprovação, por temer acrescentar aflição aos seus semelhantes.
Pode ser, diz Miranda, que muitas vezes posso dar àqueles que não merecem, ou que vão fazer um mau uso das minhas esmolas. Mas o que fazer? Não é este o próprio método da bondade divina? Será que Deus não faz nascer o seu sol sobre maus e bons, justos e injustos? Não é este o bem que é recomendado a nós na Escritura, que, o imitando, possamos ser chamados filhos de nosso Pai que está nos céus, que faz chover sobre os justos e sobre os injustos? E hei de reter um pouco de dinheiro, ou comida, de meu semelhante, por temer que não seja bom o suficiente para recebê-lo de mim? Eu imploro a Deus para lidar comigo, de acordo com o meu mérito, senão segundo a sua própria grande bondade, e devo ser tão absurdo, a ponto de reter a minha caridade de um pobre irmão, porque ele não pode, talvez, merecer?
Além disso, onde tem a Escritura feito do mérito a regra ou medida da caridade? Pelo contrário, a Escritura diz: Se teu inimigo tiver fome, dá-lhe de comer, se tiver sede, dá-lhe de beber.
Talvez você diga que , desta forma incentivamos as pessoas a serem mendigos. Mas a mesma objeção impensada pode ser feita contra todos os tipos de instituições de caridade, por poderem incentivar as pessoas a dependerem delas. O mesmo pode ser dito contra o perdoar nossos inimigos, pois pode incentivar as pessoas a nos ferirem. O mesmo pode ser dito até mesmo contra a bondade de Deus, por derramar suas bênçãos sobre maus e bons, sobre justos e injustos, a serem encorajados em seus maus caminhos. O mesmo pode ser dito contra vestir o nu, ou administrar medicamentos aos doentes, para que não se encoraje as pessoas a serem negligentes e descuidadas com a sua saúde. Mas quando o amor de Deus habita em você, quando dilatou o seu coração, e o encheu com entranhas de misericórdia e compaixão, você não fará mais objeções como estas.
Se, como nosso Salvador nos assegurou, é mais abençoado dar do que receber, devemos olhar para aqueles que pedem esmolas, como amigos e benfeitores, que nos vêm fazer um bem maior do que eles possam receber de nós, que vêm para exaltar nossa virtude, para ser testemunha da nossa caridade, para ser monumento de nosso amor, para ser nosso defensor junto a Deus, para nos colocar no lugar de Cristo, quando aparecer para nós no dia do julgamento, e para nos ajudar a uma bem-aventurança maior do que aquela que as nossas esmolas possam conceder a eles.
Este é o espírito, e essa é a vida da devota Miranda; e se ela viver mais dez anos, ela terá gasto entre cinquenta e cem libras em caridade, pois o que ela permite a si mesma, pode razoavelmente ser contado entre suas esmolas.
Quando ela morrer, ela brilhará entre os apóstolos e santos, e mártires; ela estará entre os primeiros servos de Deus, e será gloriosa entre aqueles que lutaram o bom combate, e completaram a carreira com alegria.
Tradução e adaptação feitas pelo Pr Silvio Dutra, do oitavo capitulo do livro de William Law, em domínio público, intitulado Uma Chamada Séria a Uma Vida Santa e Devota. William Law, foi professor e mentor por vários anos de John e Charles Wesley, George Whitefield – principais atores do grande avivamento do século XVIII, que se espalhou por todo o mundo - Henry Venn, Thomas Scott e Thomas Adam, entre outros, que foram profundamente afetados por sua vida consagrada a Deus, e sobretudo pelo conteúdo deste livro.
William Law
Enviado por Silvio Dutra Alves em 25/12/2013