Jesus, o Rei da Verdade – Parte 1
“Então, lhe disse Pilatos: Logo, tu és rei? Respondeu Jesus: Tu dizes que sou rei. Eu para isso nasci e para isso vim ao mundo, a fim de dar testemunho da verdade. Todo aquele que é da verdade ouve a minha voz.” (João 18.37)
Já vem chegando a época na qual, por costume, somos levados a lembrar o nascimento do santo menino Jesus, nascido rei dos judeus, contudo eu não me guiarei a Belém, senão ao pé do Monte Calvário; ali aprenderemos dos próprios lábios do Senhor acerca do reino do qual ele é monarca; e desta maneira seremos motivados a valorizar muito mais o alegre evento do seu nascimento.
O apóstolo nos informa que nosso Senhor deu testemunho da boa profissão diante de Pôncio Pilatos. É uma boa profissão quanto à sua forma pois nosso Senhor foi veraz, benigno, prudente, paciente, manso, e ao mesmo tempo firme e valente. Seu espírito não se acovardou diante do poder de Pilatos, nem se exasperou diante de seus olhar de desprezo. Em sua paciência assenhoreava a sua alma estabelecendo o testemunho modelo em favor da verdade, tanto em seu silêncio quanto em sua palavra. Ele também testemunhou a boa profissão em seu conteúdo porque embora tivesse falado pouco, falou o necessário. Reclamou seus direitos à coroa e ao mesmo tempo declarou que o seu reino não era deste mundo e nem seria sustentado pela força. Ele vindicou tanto a espiritualidade quanto a veracidade da sua soberania. Se alguma vez nos encontrarmos em circunstâncias semelhantes, que também sejamos capazes de dar testemunho da boa profissão. Talvez nunca tenhamos que dar testemunho diante de um Nero, como Paulo, porém, se tivermos que fazê-lo, que o Senhor nos ajude e nos dê a força necessária para que nos comportemos como valentes diante do leão. Em nossas famílias ou entre nossos conhecidos no trabalho, talvez tenhamos que enfrentar algum pequeno Nero ou responder a algum insignificante Pilatos, então que demos também testemunho da boa profissão. Oh que tenhamos a graça de permanecer prudentemente calados ou de ser mansamente francos, segundo requeira o caso e em qualquer de ambas circunstâncias que sejamos fiéis à nossa consciência e ao nosso Deus.
Que a face de Jesus, o fiel e verdadeiro testemunho, o príncipe dos reis da terra esteja frequentemente diante de nossos olhos para suportar o primeiro sopro de indecisão e para nos inspirar uma intrépida coragem.
Temos para nossa consideração nas palavras do texto uma parte da boa profissão de nosso Salvador em relação ao seu reino.
I - Observe primeiro que nosso Senhor afirmou ser um rei. Pilatos disse: “Logo tu és rei?” Fazendo a pergunta com uma surpresa burlesca, já que o pobre homem diante dele teria pretensões de realeza. Vocês se surpreendem que Pilatos houvesse se maravilhado grandemente ao descobrir pretensões de realeza associadas a condições tão deploráveis. Nosso Senhor disse “tu dizes que eu sou rei”. A pergunta foi bem insincera, mas a resposta foi completamente solene: “eu sou rei”. Nada foi expressado jamais por nosso Senhor com maior certeza e sinceridade. Agora observe que esta afirmação foi feita sem qualquer ostentação ou com qualquer intenção de tirar proveito para si. Houve outras ocasiões em que caso dissesse “eu sou rei”, teria sido levado nos ombros pelo povo e coroado em meio a aclamações. Seus seguidores fanáticos numa ocasião lhe teriam feito rei de bom grado. E lemos que uma vez vieram a ele tentando fazer-lhe rei. Nessas oportunidades ele falava muito pouco acerca do seu reino, e o que chegava a dizer o expressava em parábolas e explicava somente a seus discípulos, quando se encontrava a sós com eles. O Senhor muito pouco se referia em sua pregação ao que concerne aos seus direitos de nascimento como filho de Davi, em relação à casa real de Judá, pois reunia as honras do mundo e desdenhava as glórias frívolas de um diadema temporal. Aquele que veio em amor para redimir os homens não tinha nenhuma ambição pelas insignificâncias da soberania humana, mas tendo agora sido traído por seu discípulo e acusado por seus compatriotas, e estando nas mãos de um governante injusto e quando não pôde se beneficiar disso, pois lhe traria escárnio em vez de honra, então declara abertamente e responde ao seu interrogador: “tu dizes que eu sou rei”. Observem bem a clareza da declaração de nosso Senhor. Não havia forma de interpretar mal suas palavras “eu sou rei”. Quando chegou o tempo para que a verdade fosse publicada, nosso Senhor não foi remisso em declará-la. A verdade tem momentos oportunos para o discurso e ocasiões nas quais o silêncio é mais conveniente - não devemos lançar nossas pérolas aos porcos – porém quando chega a hora de falar, não devemos duvidar – devemos falar com a voz de uma trombeta emitindo um claro sonido que nenhum homem possa interpretar incorretamente. Assim, embora fosse um prisioneiro condenado à morte, o Senhor declara corajosamente sua realeza sem se importar que Pilatos lhe cobrisse de escárnio em consequência disso. Oh que tenhamos a prudência do Senhor para falar a verdade no momento oportuno, e a coragem do Senhor para pregar a verdade quando chegar o seu momento. Soldados da cruz... aprendam com o seu Capitão.
A afirmação de realeza por parte de nosso Senhor deve ter soado como algo muito estranho no ouvido de Pilatos. Jesus indubitavelmente estava muito angustiado, triste, debilitado, em sua aparência externa. Ele havia passado a primeira parte da noite no jardim do Getsêmani em meio de uma agonia. Cerca da meia noite ele havia sido levado a Anás e a Caifás, e deste a Herodes. Nem sequer lhe havia sido permitido descansar ao despontar o dia, de tal forma que em puro cansaço, se veria muito distante de parecer com um rei. Pilatos em seu coração, desprezava os judeus como tais, porém tinha diante de si um pobre judeu, perseguido pelos de sua própria gente, desvalido e sem amigos, que tinha a ilusão de falar de um reino vinculado a ele; contudo a terra jamais viu a um rei mais verdadeiro, ninguém da linhagem de faraó, da família de Ninrode, ou da raça dos cézares era tão intrinsecamente imperial em si mesmo como Jesus o era. Reconhecido muito merecidamente como Rei em virtude de sua linhagem, suas obras e seu caráter superior. O olho carnal não podia ver isto, porém para o olho espiritual era mais claro do que a luz do meio dia. Até este dia, em sua aparência externa, o puro cristianismo é igualmente um objeto sem atrativo, que mostra em sua superfície poucos sinais de realeza. Cresce sem aparência e formosura, que quando os homens o veem não encontram uma beleza desejável para eles. É certo que há todavia um cristianismo nominal que é aceito e aprovado pelos homens, porém o evangelho puro é desprezado e rejeitado. O Cristo real, hoje é desconhecido e irreconhecível entre os homens da mesma maneira como foi em sua própria nação há dois mil anos.
A doutrina evangélica verdadeira está em baixa. A vida santa é censurada; e a preocupação espiritual é escarnecida. “O que?” Eles perguntam. “Você chama de verdade régia a esta doutrina evangélica? Quem crê nela em nossos dias? A ciência a tem refutado. Não há nada grandioso nela. Os velhos poderão achar consolo nela, e todos aqueles que não têm suficiente capacidade para pensar livremente. Seu reino tem terminado e não retornará jamais.”
Quanto a viver separados do mundo, classificam isto de puritanismo ou algo pior. Cristo em doutrina, Cristo em espírito, Cristo na vida, nestas áreas o mundo não pode suportá-lo como rei.
O Cristo louvado com hinos nas catedrais, o Cristo personificado em prelados altaneiros, o Cristo rodeado pelos que pertencem às casas reais, este sim, é aceitável, porém o Cristo que deve ser honestamente obedecido, seguido e adorado em simplicidade, sem pompas ou liturgias deslumbrantes, a esse Cristo não lhe permitirão que reine sobre eles. Poucas pessoas hoje em dia estarão ao lado da verdade pela qual deram a vida os seus antepassados. O dia do compromisso de seguir a Jesus em meio da vergonha e da maledicência, tem passado. Contudo ainda que os homens venham a nós para nos perguntar: “acaso chamam seu evangelho de divino? Vocês são tão ingênuos para crerem que sua religião vem de Deus e que submeterá o mundo?” Nós respondemos corajosamente? “Sim. Assim como debaixo da roupa do camponês e do rosto pálido do filho de Maria podemos discernir o Maravilhoso, Conselheiro, Deus forte, Pai eterno, assim também sob a simples forma de um evangelho desprezado, percebemos nele os régios delineamentos da verdade divina. A nós não nos importa a roupa ou a morada externa da verdade, nós a amamos por si mesma. Para nós os palácios de mármore e as colunas de alabastro não têm importância. Valorizamos muito mais a manjedoura e a cruz. Estamos satisfeitos de que Cristo reine onde queira reinar. E esse lugar não é em meio dos grandes da terra, nem entre os sábios e poderosos, senão entre o vil do mundo e o que não é, pois é a estes Deus tem elegido desde o princípio para que sejam seus.
Devemos acrescentar que a declaração de nosso Senhor de ser rei, será um dia reconhecida por toda a humanidade, porque quando disse a Pilatos “tu dizes que eu sou rei” profetizou a confissão futura de todos os homens. Alguns que têm sido ensinados por sua graça se regozijam nesta vida como o seu rei todo desejável. Bendito seja Deus que o Senhor Jesus poderia olhar nos olhos de muitos de nós, e nos dizer: “tu dizes que eu sou rei”, e nós lhe responderíamos “o afirmamos alegremente”. Porém chegará o dia quando ele se assentará em seu grande trono branco e então quando as multidões tremerem diante da sua temível majestade, pessoas inclusive como Pilatos e Herodes e os principais sacerdotes, reconhecerão que ele é rei. Então a cada um de seus aferrados e convencidos inimigos lhes dirá: “Agora oh desprezador, tu dizes que eu sou rei.” Pois diante dele se dobrará todo joelho e toda língua confessará que ele é o Senhor.
Recordemos neste ponto que quando nosso Senhor disse a Pilatos “tu dizes que eu sou rei”, ele não estava se referindo ao seu domínio divino. Pilatos não estava pensando nisto, nem nosso Senhor se referiu a isto. Contudo, não se esqueçam que como divino ele é Rei dos reis e Senhor dos senhores. Não esqueçamos nunca que ainda que tenha morrido em fraqueza como homem, ele vive eternamente e governa como Deus. E tampouco creio que se refira à sua soberania mediadora que possui sobre a terra em relação a seu povo, pois ao Senhor, todo o poder lhe é dado sobre o céu e a terra, e o Pai lhe tem dado poder sobre toda a carne para que dê vida eterna a todos os que lhe foram dados.
Pilatos não estava aludindo a isto em primeiro lugar, nem nosso Senhor tampouco, ele estava se referindo a este governo que pessoalmente exerce nas mentes dos fiéis através da verdade. Vocês recordam do dito de Napoleão: “eu tenho fundado um império mediante a força, o qual tem se desvanecido”. Jesus Cristo estabeleceu o seu reino em amor que permanece até este dia, e permanecerá para sempre. Esse é o reino ao qual a Palavra do Senhor se refere, o reino da verdade, espiritual, no qual Jesus reina como Senhor no coração daqueles que são da verdade. Ele afirmava ser um rei e a verdade que revelou e da qual ele era a personificação é portanto o cetro do seu império. Ele governa pela força da verdade sobre os corações que sentem o poder da justiça e da verdade, e que portanto, se submetem voluntariamente ao seu Guia, creem em sua Palavra e são governados pela Sua vontade. Cristo reclama soberania entre os homens como senhor espiritual. Ele é rei das mentes daqueles que o amam, dos que confiam nele e lhe obedecem, porque veem nele a verdade que suas almas desejam ardorosamente. Outros reis governam nossos corpos, Cristo porém, governa nossas almas. Aqueles governam por força, e ele pelos atrativos da justiça. A daqueles reis é em grande medida uma realeza fictícia, porém a sua é verdadeira e encontra a sua força na verdade.
Texto de Charles Haddon Spurgeon, em domínio público, traduzido pelo Pr Silvio Dutra.
Charles Haddon Spurgeon
Enviado por Silvio Dutra Alves em 20/02/2014