Membros de Cristo – Parte 1
"Porque somos membros do seu corpo, da sua carne e dos seus ossos." Efésios 5.30
Ontem, quando eu tive a dolorosa tarefa de falar no funeral de nosso querido amigo, o Sr. William Olney, falei sobre o texto que eu vou usá-lo novamente agora. O estou retomando porque eu realmente não preguei sobre esse texto, senão que apenas trouxe à memória de vocês uma expressão favorita dele que eu ouvi muitas vezes de seus lábios em oração. Ele frequentemente falou de sermos um com Cristo numa união viva, amorosa, duradoura, três palavras que, além de serem uma aliteração são muito descritivas da natureza de nossa união com Cristo. Essas três palavras, vocês se lembrarão, foi o título do meu sermão na presença dessa congregação notável que encheu este lugar para honrar a memória do nosso irmão, cuja maior ambição era honrar seu Senhor, a quem ele serviu tão fielmente.
Paulo aqui se refere unicamente aos verdadeiros crentes, homens que receberam a vida pela graça divina e são feitos vivos para Deus. Desses afirma, não por ficção, nem por exagero poético, senão por um fato indiscutível: "Nós somos membros do seu corpo, da sua carne e dos seus ossos." Que há uma real união entre Cristo e o Seu povo não é uma ficção, nem o sonho de uma imaginação febril. O pecado nos separou de Deus, e para desfazer o que o pecado tem produzido, Cristo nos une a si mesmo numa união real maior do que qualquer outra união no mundo.
Esta união é muito próxima e muito amorosa e completa. Estamos tão perto de Cristo, que não poderíamos chegar mais perto, porque nós somos um com Ele. Somos tão amados por Cristo que já não podemos ser mais amados. Considere quão íntimo e terno é o vínculo, quando é certo que Cristo nos amou e se entregou por nós. É uma união mais íntima do que qualquer outra que possa existir entre os homens. "Ninguém tem maior amor do que este, de dar alguém a sua vida pelos seus amigos." Éramos seus inimigos quando Cristo morreu para nos salvar e um com Ele, que dEle obtivemos a nossa vida, e nEle está escondida essa mesma vida. É, portanto, uma união muito amada e muito próxima, que Cristo tem estabelecido entre Ele e Seus remidos; e esta união não poderia ser mais completa do que é.
É também uma união extremamente maravilhosa. Quanto mais vocês pensarem nela, mais surpreendidos ficarão, e serão possuídos de um santo temor diante dessa maravilha da graça. Kent disse muito bem:
" Oh sagrada união, firme e forte,
Como é grande a graça, quão doce a canção ,
Que vermes da terra possam ser
Um com a Divindade Encarnada!"
Porém, é assim. Até mesmo a encarnação de Cristo não é mais maravilhosa do que a sua união viva com o Seu povo. É algo que devemos considerar frequentemente; é a maravilha dos céus; é a mais importante das coisas que "os anjos anseiam observar". Talvez eles não possam ver muito sobre a superfície desta verdade, mas quanto mais se dedicarem à sua contemplação, e na medida em que, em sua meditação receberem a ajuda do Espírito Santo, poderão ver mais neste maravilhoso mar de vidro misturado com fogo. A minha alma se alegra com a doutrina de que Cristo e Seu povo são eternamente um.
Esta é uma doutrina muito consoladora. Quem a entende tem um oceano de música em sua alma. Quem realmente pode entendê-la e alimentar-se dela, se sentará muitas vezes em lugares celestiais com o seu Senhor, e terá uma antecipação do dia, quando estiver com Ele e for semelhante a Ele. Mesmo agora, uma vez que somos um com Ele, não há distância entre nós, estamos mais perto dele do que poderíamos estar de qualquer outra coisa. A própria idéia de união nos faz esquecer toda distância: verdadeiramente, a distância é aniquilada completamente. O amor nos une tão intimamente com Cristo, que ele se torna mais para nós do que nosso próprio ser, e embora não o vejamos, contudo, pela fé, nos regozijamos com alegria indizível e cheia de glória.
Aliás, posso dizer que esta doutrina é muito prática. Não é apenas um torrão de açúcar para sua boca; é uma luz para o seu caminho, pois "Aquele que diz que permanece nele, esse deve andar como ele andou." Devemos cuidar para que o amor que rodeava os pés de Cristo, esteja sempre brilhando em nosso caminho. Devemos tentar fazer o bem, seguindo os passos de nosso Senhor. Seria desmentir esta doutrina se vivêssemos em pecado; pois, se formos um com Ele, então devemos estar no mundo como ele estava; e cheio do Seu Espírito, devemos buscar reproduzir a Sua vida diante do mundo.
Estes pensamentos podem nos servir como uma introdução para uma consideração mais completa deste grande assunto; começarei dizendo que, na Sagrada Escritura, a união entre Cristo e Seu povo é explicada de várias maneiras. Então eu vou tentar mostrar que a metáfora do nosso texto está cheia de significado; e, em terceiro lugar, lhes demonstrarei que a doutrina da nossa união com Cristo tem suas lições práticas. Ao deleitar os nossos corações com a verdade gloriosa de que "somos membros do seu corpo, da sua carne e dos seus ossos", tenhamos a determinação de viver como aqueles que estão assim unidos ao Senhor da vida!
I. Nosso primeiro pensamento é que esta UNIÃO É EXPLICADA DE VÁRIAS MANEIRAS. Este fato bendito está acima do nosso mais elevado pensamento: não nos surpreende então, que a linguagem não consiga descrevê-lo de forma adequada! Símile após símile é usado. Eu somente vou mencionar quatro deles.
A união entre Cristo e o crente é descrita como a união do fundamento (alicerce) e a pedra. "Achegando-nos a ele, pedra viva, rejeitada, na verdade pelos homens, mas para Deus, escolhida e preciosa, vós também, como pedras vivas, sois edificados como casa espiritual". Estamos sobre Ele da mesma forma que a pedra repousa sobre o alicerce. Bem podemos cantar:
"Toda a minha esperança em Ti está posta,
Toda a minha ajuda de Ti a tenho!"
Em sua dependência, a pedra é uma com o alicerce. No momento da nossa necessidade, mais nos apertamos a Cristo; quanto mais os nossos corações estejam aflitos, mais lançamos toda a nossa ansiedade sobre Ele. É a pedra que adere à fundação (alicerce). É possível que o vento leve uma pedra leve. Mas nos agarramos a Ele em todo o tempo, confiando inteiramente nEle, assim como a pedra repousa sobre a rocha que está embaixo. A pedra não suporta o seu próprio peso: somente descansa ali onde é colocada. Então nós descansamos em Cristo. Ele é o fundamento e descansamos nEle
Além disso, a pedra adere ao alicerce, formando uma unidade. No decurso do tempo, a pedra fica muito mais ligada à fundação. Quando a massa é colocada no início, e está úmida, vocês poderiam agitar a pedra. Mas logo que a massa se seca, a pedra fica colada ao cimento, e se mantém firme. Nas velhas muralhas romanas, você não poderia remover uma pedra, porque o cimento que une uma pedra a outra, é tão forte quanto a própria pedra, e, de fato, o que nos une a Cristo é mais forte do que nós. Podemos ser quebrados, mas o vínculo de amor que nos sustenta em Cristo como um poderoso cimento, nosso fundamento, nunca pode ser quebrado. Na verdade, nós nos tornamos um com Ele, como já muitas vezes tenho visto pedras nas paredes de um antigo castelo se tornarem uma com a outra. Você não pode separá-las, elas estavam formando uma única peça com a parede, e teria sido necessário destruir a parede antes que pudessem separar as pedras uma das outras. Da mesma forma, nós, pela graça de Deus, temos nos tornado um com Cristo, experimental e indissoluvelmente. O passar dos anos nos tem ligado a ele ainda mais fortemente.
Além disso, na sua concepção, a pedra é uma com o fundamento. Quando o arquiteto colocou a pedra estava seguindo seu plano. Ele projetou a fundação e pensou sobre cada item, e a pedra é essencial para a parede, assim como a fundação é essencial para a pedra. Da mesma forma, somos um com Cristo no plano de Deus. Dizemos com reverência que o propósito de Deus inclui não apenas Cristo, mas toda a companhia dos seus eleitos, e sem o seu povo escolhido, o projeto do Senhor nunca poderia ser realizado.
Ele está construindo um templo para o seu louvor; porém um templo não pode ser apenas uma fundação. Cada pedra na parede é necessária; no propósito divino, é necessário que uma pessoa seja uma pedra viva, e é preciso que outra seja outra pedra viva. Os mais fracos e mais humildes do povo do Senhor são tão necessários como os mais nobres e mais formosos, mas certamente nenhum dos membros é digno de louvor enquanto não tiver sido incorporada à parede.
Quem elegeu a Cristo, elegeu todo o Seu povo; Ele ordenou que fossem construídos em conjunto, e nele "todo o edifício, bem ajustado, cresce para templo santo no Senhor." Ah, eu gosto de pensar que cada um de nós, independentemente de quão insignificantes sejamos, somos tijolos ou pedras nesse grandioso templo de graça todo-poderosa! Talvez alguns membros estejam colocados onde todos possam vê-los. Outros podem estar embutidos na parede, onde ninguém pode nos ver; mas quem se importa? Se estamos na parede, tudo bem. Onde quer que estejamos colocados estamos unidos a Cristo; e, portanto, ninguém tem precedência sobre os demais, porque todos nós estamos igualmente construídos sobre um fundamento, Jesus Cristo nosso Senhor, em quem nós crescemos diariamente, cada vez mais próximos a Ele na experiência, e apegando-nos cada vez mais firmemente a Ele através da fé.
O segundo aspecto que é usado pelas Escrituras para representar a nossa união com Cristo é a videira e os ramos. "Eu sou a videira, vós sois os ramos", é a palavra de Cristo aos seus discípulos. O símile (comparação) anterior do fundamento e da pedra, não sugere qualquer ideia de vida. Por esta razão, quando o apóstolo o usou, teve que falar de Cristo como uma pedra viva, e também de nós, como pedras vivas. É uma figura um pouco estranha, e contudo é estritamente verdadeira; pois vocês e eu, não temos mais vida espiritual em nós do que as pedras, exceto quando um milagre nos dá vida; e então, apesar de vivermos, somos como pedras aparentemente inertes e sem vida, mas realmente temos sido revividos por uma obra sobrenatural, e temos sido feitos pedras vivas. Porém, a figura não parece harmônica.
No entanto, este segundo símile nos comunica a ideia da vida, pois uma videira não é videira se está morta, e seus ramos não são verdadeiros ramos, a menos que estejam vivos. Há uma união viva entre Cristo e Seu povo, e eu espero poder apelar para a experiência de muitos dos meus leitores, que sabem que há uma união viva entre eles e Cristo. Bem-aventurado é o homem que pode dizer: "Eu já não vivo, mas Cristo vive em mim, e a vida que vivo agora na carne, eu a vivo na fé do Filho de Deus, que me amou e se entregou por mim."
A união é algo mais do que uma união de vida: é uma união de vida dependente. O ramo está ligado de tal modo ao caule que ele recebe toda a sua seiva dele, não poderia viver a menos que os sucos de vida fluam do tronco até ele. E assim é a nossa vida. Cristo derrama seu sangue de vida em nós. Perpetuamente, enquanto que Ele exista, estará fluindo para o Seu povo. Na verdade, quando suas feridas foram abertas, Ele sangrou vida em nós, e quando o seu coração foi aberto, ele mudou os nossos corações e lhes deu vida, embora tivessem sido antes corações de pedra. Somos de tal maneira um com Cristo, que a princípio recebemos nossa vida dEle, e nós a continuamos recebendo dEle a cada momento.
Como consequência da vida de Cristo em nós, crescemos. O crescimento do ramo é realmente o crescimento da videira. É porque o caule cresce que o crescimento é transmitido ao ramo. Como Cristo derrama Sua força de vida em nós, nos faz crescer, para o louvor da glória de Sua graça.
Produzir fruto é o objetivo final de nossa união com Cristo. Nós somos um com Ele para que possamos dar frutos para o Seu louvor. Queridos amigos, estamos realmente fazendo isso? Acaso estamos satisfeitos com uma união nominal com Cristo, embora não produzamos frutos para Sua honra? Deveríamos estar muito angustiados quando somos estéreis e infrutíferos. Devemos lembrar que o grande Agricultor tem uma faca afiada, e está escrito: "Todo ramo em mim que não dá fruto, o tira." Oh, que nenhum dos meus leitores possa estar em Cristo, de um modo falso, senão que todos estejam nEle numa união tão verdadeira e vital, que nos conduza a dar frutos para o Seu louvor; pois então, embora sejamos podados, nunca seremos cortados da videira!
A terceira metáfora da qual se serve o Salvador em relação a esta união, é o marido e a esposa. "Porque o marido é a cabeça da mulher, como também Cristo é a cabeça da igreja." Aqui encontramos uma união, não somente de vida, mas também de amor. Vale ressaltar que as duas palavras, "vida" e "amor" sejam tão semelhantes entre si. Nas coisas espirituais, as duas coisas não somente são semelhantes, senão que são exatamente as mesmas. O amor é a vida e a vida é sempre enviada em primeiro lugar, e enviada principalmente em forma de amor.
Com o verdadeiro marido, sua esposa é ele mesmo. A Escritura diz : "Quem ama a sua esposa ama a si mesmo", e eu acho que eu creio que Cristo considera que, quando Ele ama a Sua igreja ama a si mesmo. Seu cuidado por nós é agora o Seu cuidado de si mesmo. Posto que nos tem tomado para que estejamos em eterna união matrimonial com Ele, nos considera como Ele mesmo, e cuida de nós como cuida de Si mesmo. "Porque somos membros do seu corpo, da sua carne e dos seus ossos". Nenhum homem em sã consciência irá ferir a sua própria carne. "Porque ninguém jamais odiou a própria carne, senão que a nutre e sustenta, como também Cristo faz com a igreja." Assim, Cristo cuida do seu povo, porque o considera vinculado a Si mesmo por esses laços que o fazem ser como Ele mesmo. Assim somos sustentados como a menina dos seus olhos.
Lembrem-se que em cada família a esposa é a mãe dos filhos, e assim é a igreja de Cristo. Ele quer que todos nós geremos uma semente espiritual santa. Se permanecermos nEle, nós poderemos espalhar a nossa fé, e trazer outros para a igreja. Cada crente deve ter este propósito diante dele como a alegria de sua vida; pois assim Cristo "verá a sua posteridade, prolongará os seus dias, e a vontade de Jeová prosperará na sua mão."
A esposa, também, é quem cuida da casa. Ela cuida dos assuntos domésticos de seu marido. E assim o Senhor Jesus Cristo quer que seu povo cuide de Seus interesses, e de tudo o que Lhe pertence, porque Ele nos tem dado essas coisas, como o marido confia o seu tesouro para a esposa. Ele nos tem deixado como guardiões de tudo o que ele tem. Num certo sentido, somos os mordomos de Sua casa, mas em outro sentido mais íntimo estamos unidos a ele pelos laços matrimoniais que jamais podem ser dissolvidos. É um assunto muito doce, mas eu não posso demorar-me muito nele. Permitam que seus próprios pensamentos se tornem fragrantes com esse aroma. Independentemente de quão íntimo possa ser a união do marido e da esposa, a união entre o crente e Cristo é ainda mais íntima. Oh, que a compreendêssemos cada dia mais!
"Oh, Jesus! Sê para mim
Uma realidade viva e brilhante;
Mais presente para a ávida visão da fé,
Do que qualquer outro objeto externo visto.
Mais amado, mais intimamente próximo,
Que o mais doce laço terrenal!"
Todo o imaginário humano é incapaz de explicar a união entre Cristo e Seu povo; porém a comparação em nosso texto é agora a cabeça e os membros. O apóstolo diz de Cristo que "somos membros do seu corpo, seu sangue e ossos." Cristo é a Cabeça e nós somos membros do seu corpo. Quão maravilhosa é essa união! Na primeira metáfora, a do fundamento e a pedra, tínhamos a ideia do apoio; na segunda, a da videira e os ramos, a ideia de vida;, a união entre marido e mulher nos deu a ideia de amor; e agora aqui temos a sugestão de identidade. Há duas vidas no marido e na mulher, mas há apenas uma vida para a cabeça e o corpo, e, neste sentido, esta metáfora revela a verdadeira relação de Cristo com o Seu povo, mais claramente do que qualquer outra.
Existe uma ligação maravilhosa entre a cabeça e os membros do corpo. É uma união de vida, e uma união do corpo que sempre continua. O marido pode ter que viajar para longe de sua esposa, mas isso nunca pode acontecer que a cabeça viaje longe do corpo. Se eu chegasse a ouvir de algum homem cuja cabeça foi cortada de seu corpo 300 milímetros, ou pelo menos meia polegada, eu diria que esse homem estava morto. Deve haver uma união perpétua entre a cabeça e os membros, caso contrário, ocorre a morte, e, fixem bem, a morte, não somente do corpo, mas da cabeça. Quando são divididos, morrem. Quão glorioso é este pensamento quando aplicado ao Senhor e Seu povo redimido! Sua união é para sempre. Eles morreriam se fossem separados dEle, mas Ele deixaria de ser, se perdesse seus membros, porque, de alguma forma ou outra, estão tão unidos, que Ele não estará sem eles; não pode ficar sem eles, porque isso significaria que a Cabeça da igreja foi separada dos membros do Seu corpo místico. É por isso que cantamos:
"E isso eu descubro, nós dois estamos tão unidos,
Que Ele não estaria na glória, deixando-me para trás."
Charles Haddon Spurgeon
Enviado por Silvio Dutra Alves em 22/02/2014