Legado Puritano
Quando a Piedade Tinha o Poder
Textos
O TESTEMUNHO DO ESPÍRITO - Parte 2
Por John Wesley

“O mesmo Espírito dá testemunho com o nosso espírito, de sermos filhos de Deus”.
(Romanos 8.16)

I
1. NINGUÉM há que, admitindo serem as Escrituras e Palavra de Deus, possa ainda duvidar da importância de uma verdade como esta, verdade nelas revelada, não por uma vez somente, não de modo obscuro, não incidentalmente, mas com freqüência e em termos categóricos, solenemente e de propósito deliberado, indicando um dos privilégios peculiares aos filhos de Deus.
2. É de toda necessidade explanar e defender esta verdade, porque os perigos se amontoam à direita, como à esquerda. Se a negarmos, corremos o risco de ver nossa religião degenerar-se em mera formalidade, ou, em outras palavras, termos “a aparência da piedade”, negligenciando, entretanto, senão mesmo negando, “o poder dela”. Se a confessamos, se compreendermos bem o que confessamos,estaremos arriscados a descambar para o deserto do fanatismo. É, pois, de toda necessidade, que os que temem a Deus se guardem desses perigos, mediante o conhecimento bíblico e racional e a concordância prática em essa momentosa verdade.
3. Pode parecer que somente algumas coisas desse gênero sejam necessárias, visto ser pouco o que se tem escrito com clareza sobre o assunto. Na verdade, se aparecem alguns discursos, versando exatamente o pior aspecto da questão, ainda assim o fizeram inteiramente por alto. Não se pode duvidar de que isto se deve, pelo menos em grande medida, á explicação crua,    antiescriturística, irracional, de outros, que “não sabem o que dizem, nem o que afirmam”.
4. Coube mais de perto aos chamados Metodistas o terem compreendido, explanado e defendido esta doutrina, que constitui uma grande parte do testemunho que Deus lhes encarregou de dar a toda a
humanidade. Foi por esta benção peculiar, derramada sobre eles, no pesquisar as Escrituras, — confirmadas estas pelo testemunho da experiência de seus filhos, — que a grande verdade do Evangelho
se restaurou, após ter estado por muitos anos perdida e esquecida.
II
1. Mas que é testemunho do Espírito? A palavra original μαρτυρiα, pode ser traduzida como a testemunha
(como ocorre em vários lugares), ou, de modo menos ambíguo, o testemunho ou o relato: assim é traduzida em nossa versão (1Jo 5.11): “Este é o relato”, o testemunho, a suma do que Deus testifica em todos os escritos inspirados, “que Deus nos deu a vida eterna, e esta vida está em seu Filho”. O que Ele nos testifica é “que somos filhos de Deus”. O imediato resultado deste testemunho são “os frutos do Espírito”, isto é, “amor, alegria, paz, longanimidade, ternura, bondade”: sem estes frutos o testemunho não pode permanecer, sendo inevitavelmente destruído, não só pela prática de qualquer pecado exterior, ou pela omissão de qualquer dever conhecido, mas por dar lugar a algum pecado interior; numa palavra:
por qualquer ofensa feita ao Espírito de Deus.
2. Observei, faz já muitos anos: “É difícil encontrar palavras na linguagem dos homens que expliquem as coisas profundas de Deus. Na verdade, ninguém há que possa adequadamente expressar o que o Espírito de Deus opera em seus filhos. Mas talvez alguém diga (desejando, como pessoa ensinada de Deus, corrigir, abrandar ou reforçar a expressão): pelo testemunho do Espírito quero dizer uma impressão interna da alma pela qual o Espírito de Deus imediata e diretamente testifica a meu espírito que eu sou filho de Deus; que Jesus Cristo me amou e se deu a si mesmo por mim; que todos os meus pecados são apagados e eu, sim, eu, sou reconciliado com Deus”.
3. Depois de se terem passado vinte anos sobre estas considerações, não vejo motivo para retratar-me de qualquer parte delas. Nem posso conceber como qualquer daquelas expressões mereça ser alterada, sob o
pretexto de tornar o conjunto mais inteligível. Só posso acrescentar que, se qualquer dos filhos de Deus quiser apontar quaisquer outras expressões mais claras e mais concordes com a Palavra de Deus,
prontamente deixarei de lado as que formulei.
4. Entretanto, observa-se que não quero dizer aí que o Espírito Santo testifique à alma por meio de voz exterior; nem que o faça sempre por meio de voz interna, embora algumas vezes isto possa acontecer.
Nem eu suponho que Ele sempre aplique ao coração (embora freqüentemente isto se dê), um ou mais textos da Escritura. Mas o Espírito opera sobre a alma por sua imediata influência, e por uma forte, embora inexplicável, atuação, que apazigua os ventos tempestuosos e as ondas revoltas, fazendo aí reinar doce bonança: o coração como que repousa nos braços de Jesus e o pecador claramente sente que Deus está reconciliando, que todas as suas “iniquidades estão perdoadas e seus pecados cobertos”.
5. Agora, qual o ponto controvertido em tudo isso? Não é certamente, quanto a haver um testemunho ou prova do Espírito; nem sobre o fato de o Espírito testificar com o nosso espírito que somos filhos de Deus. Ninguém pode negar isto sem contradizer categoricamente as Escrituras e acusar de mentira o Deus da Verdade. Assim, pois, que haja um testemunho do Espírito, é fato reconhecido por todos os grupos.
6. Também não se põe em dúvida haja um testemunho indireto, ou prova de que somos filhos de Deus.
Isto é aproximadamente, senão exatamente, o mesmo que o testemunho de uma boa consciência para com Deus e resulta de raciocínio ou reflexão sobre o que sentimos em nossas próprias almas. Estritamente
falando, é uma conclusão tirada, parte da Palavra de Deus e parte de nossa própria experiência. A Palavra de Deus diz que todo o homem que produz os frutos do Espírito é filho de Deus: a experiência, ou
consciência íntima, diz-me que eu tenho os frutos do Espírito; daí racionalmente concluo: “Logo sou filho de Deus”. Isto é reconhecido por todos, não sendo, pois, matéria de controvérsia.
7. Não podemos asseverar que haja real testemunho do Espírito sem os frutos do mesmo Espírito.
Asseveramos, ao contrário, que os frutos do Espírito decorrem imediatamente desse testemunho, nem sempre, na verdade, em medida igual, quando o testemunho é inicialmente dado, e, muito menos, depois.
Nem a alegria, nem a paz, é da mesma intensidade; não: nem o amor; como nem o próprio testemunho possui sempre a mesma força e é igualmente claro.
8. Mas o ponto em debate é sobre se existe qualquer testemunho direto do Espírito; sobre se há outro testemunho do Espírito além daquele que se ergue da consciência dos frutos produzidos.
III
1. Eu creio que existe o testemunho direto, porque este é o claro e natural ensino do texto: “O próprio Espírito testifica com nosso espírito que somos filhos de Deus”. É manifesto que aí se mencionam duas
testemunhas que, juntas, testificam a mesma coisa: o Espírito de Deus e nosso próprio espírito. O se admirando de que possa alguém duvidar disto, já que o significado transparece da própria face das palavras. Ora, “o testemunho de nosso próprio espírito – diz o bispo – é um, que é a consciência de nossa própria sinceridade”, ou, para expressar a mesma coisa um pouco mais claramente, a consciência dos frutos do Espírito. Quando nosso espírito é cônscio disto – de amor, alegria, paz, longanimidade, ternura, bondade, -e ele facilmente infere de tais premissas que somos filhos de Deus.
2. É verdade que aquele grande homem supõe que o outro testemunho seja “a consciência de nossas boas obras”. Este, afirma ele, é o testemunho do Espírito de Deus. Mas isto já está incluído no testemunho de nosso próprio espírito, ou seja, na sinceridade, ainda de acordo com o sentido vulgar da palavra. Assim diz o apóstolo: “Nosso regozijo é este: o testemunho de nossa consciência, que em simplicidade e piedade, sinceramente temos tido nossa conversação no mundo”: nesta frase a sinceridade, é claro, se refere as nossas palavras e ações, pelo menos no tocante às nossas disposições íntimas. Este não é outro
testemunho, mas o mesmo já foi mencionado antes, sendo a consciência de nossas boas obras somente um ramo da consciência de nossa sinceridade. Conseqüentemente, ainda há somente um testemunho. Se, pois, o texto fala de dois testemunhos, um destes não é a nossa consciência de nossas boas obras, nem a consciência de nossa sinceridade, ambos manifestamente contidos no testemunho do nosso espírito.
3. Qual é, então, o outro testemunho? Isto poderia ser facilmente aprendido, se o próprio texto não fosse
suficientemente claro, do versículo precedente: “Temos recebido, não o espírito de escravidão, mas o Espírito de adoção, pelo qual clamamos: Abba, Pai!” E segue: “O próprio Espírito testifica com nosso
espírito que somos filhos de Deus”.
4. Mais além esta verdade é explanada no texto paralelo (Gl 4.6): “Porque somos filhos, Deus enviou o Espírito de seu Filho a nossos corações, exclamando: Abba Pai!” Não é isto alguma coisa imediata e direta, em vez de ser resultado de reflexão ou argumentação? O Espírito não clama: “Abba, Pai!” em nossos corações, no momento em que nos é dado, antecedentemente a qualquer reflexão sobre nossa sinceridade, a qualquer raciocínio sobre não importa que fato? E não é este o claro, natural sentido das
palavras, sentido que ocorre ao espírito de qualquer pessoa, tão logo as ouça? Todos esses textos, em seu sentido mais intuitivo, descrevem, pois, o testemunho direto do Espírito.
5. Que o testemunho do Espírito de Deus deva anteceder, pela própria natureza das coisas, ao testemunho de nosso próprio espírito, ressalta desta simples consideração: devemos ser santos de coração e de vida
antes que possamos ser cônscios de que o somos. Mas devemos amar a Deus antes de sermos santos, visto ser esse amos a raiz de toda a santidade. Não podemos amara a Deus ata que conheçamos que Ele nos ama: “Amamo-lo porque ele primeiro nos amou”. Não podemos conhecer seu amor para conosco, até que seu Espírito o testifique a nosso espírito. Enquanto isto não acontecer, não podemos crer; não podemos dizer: “A vida que eu agora vivo, vivo-a pela fé no Filho de Deus, que me amou e deu-se a si mesmo por mim”.
“Então, somente então, sentimos nosso interesse em seu sangue,
E exclamamos, com indizível alegria:
Tu és meu Senhor, meu Deus!”
Portanto, desde que o testemunho de seu Espírito deve preceder ao amor de Deus e a toda a santidade, deve preceder, conseqüentemente, à nossa consciência deste fato.
6. Neste ponto intervém, confirmando a doutrina bíblica, a experiência dos filhos de Deus, experiência esta não de dois ou três, nem de uns poucos, mas de tão grande multidão que ninguém pode contar. A doutrina em apreço tem sido confirmada, tanto nesta como em todas as eras, por uma “nuvem de testemunhas”, vivas e mortas. É confirmada por tua experiência e pela minha. O mesmo Espírito; testificando a meu espírito que sou filho de Deus, dá-me evidência disto; e eu imediatamente clamo: “Abba, Pai!” E isto faço (e tu o fazes), antes de refletir sobre os frutos do Espírito, ou de estar cônscio desses frutos. Deste testemunho recebido é que decorrem o amor, a alegria, a paz e todos os frutos do Espírito. Primeiro, ouço:
“Teus pecados são perdoados! Estás aceito!
Ouço – e o céu se abre em meu coração”.
7. Mas isto é confirmado, não apenas pela experiência dos filhos de Deus, - milhares dos quais podem dizer que jamais souberam que estavam na graça de Deus, até que isto lhes fosse testificado pelo Espírito,
- mas por todos os que estão convencidos de pecado, sentindo a ira de Deus pesando sobre si. Estes não se sentem satisfeitos com coisa alguma, a não ser com o testemunho direto do Espírito, de que “Deus é misericordioso para com sua injustiça, e não mais se lembra de seus pecados e iniquidades”. Dizei a qualquer destes: “Sabes que és filho de Deus, refletindo sobre o que Ele operou em ti, em teu amor, em tua alegria, em tua paz?” – ele imediatamente responderá: “Por tudo isso conheço que sou filho do diabo; minha mente carnal é inimizade contra Deus. Não tenho alegria no Espírito Santo; minha alma está triste até a morte. Não tenho paz; meu coração é um mar tormentoso. Sou todo trovões e tempestades”. E de que modo podem essas almas ser possivelmente confortadas, senão por um testemunho divino (não de que sejam homens bons, sinceros ou conformados com a Escritura em coração e vida), mas de que Deus justifica o ímpio? – o ímpio que, até o momento em que é justificado, é todo impiedade, falto de toda verdadeira santidade; o ímpio, “que não trabalha”, que nada faz que seja verdadeiramente bom, até que seja cônscio de que é aceito, não por quaisquer “obras de justiça que tenha feito”, mas por mero e livre favor de Deus; exclusiva e totalmente pelo que o Filho de Deus fez e sofreu por ele? E poderia ser de outro modo, se “o homem é justificado pela fé, sem as obras da lei?” Se assim é, de que bondade interior ou exterior pode ele ser cônscio, antes de sua justificação? Demais, o fato de nada termos com que pagar, isto é, de estarmos certos de que “não há em nós nenhum bem”, nem bondade interna ou externa, não é essencial e indispensavelmente necessário, antes que possamos ser “justificados livremente através da redenção que há em Cristo Jesus”? Foi jamais justificado alguém, desde sua entrada no mundo, ou pode jamais qualquer homem ser justificado antes de chegar a este ponto: “Desisto de qualquer desculpa; Senhor, estou perdido; mas tu morreste”?
8. Todo homem, pois, que nega a existência de tal testemunho, nega, com efeito, a justificação pela fé. Segue-se que nem ele jamais experimentou o testemunho, nem foi nunca justificado, ou que esqueceu,
como diz S. Pedro, τοu χαθαρισμοu τwν παλαι αυτου αμαρτιwν, a purificação de seus primitivos pecados, a experiência que ele próprio teve então, a maneira pela qual Deus operou em sua própria alma, quando seus primitivos pecados foram perdoados.
9. A experiência dos filhos do século nisto confirma e dos filhos de Deus. Muitos deles têm desejo de agradar a Deus: alguns fazem sacrifícios para agradar-lhe; mas toda a gente não reputa ser o maior absurdo falar em conhecer que seus pecados são perdoados? Qual deles pretende semelhante coisa? E muitos são, todavia, cônscios de sua própria sinceridade. Muitos indubitavelmente têm, em certa medida, o testemunho do próprio espírito, a consciência de sua própria retidão. Isto não lhes dá, entretanto, consciência de que estão perdoados, nem conhecimento de que são filhos de Deus. Quanto mais sinceros sejam, mais inquietos geralmente se mostram, por lhes faltar o conhecimento de sua condição; e isto
plenamente mostra que tal conhecimento não pode ser obtido, de modo satisfatório, pelo simples testemunho de nosso próprio espírito, sem o direito testemunho de Deus no tocante a sermos seus filhos.
IV
Objeções em abundância se levantam contra isto, sendo bom que consideremos as principais.
1. Objeta-se, primeiro, que: “A experiência não é suficiente para provar uma doutrina que não se funda nas Escrituras”. Indubitavelmente isto é verdade e uma importante verdade; mas não afeta a presente
questão, porque já foi demonstrado que a doutrina em apreço se funda nas Escrituras; assim, a experiência intervém simplesmente para as confirmar.
2. “Mas – alienados, visionários e fanáticos de toda espécie, imaginaram ter experimentado esse testemunho”. De fato, assim é; e talvez não poucos dentre eles o imaginam, ainda que transitoriamente; mas, se isto tem acontecido, nada prova que outros não o tenham realmente recebido ou experimentado, como o fato de um louco imaginar-se rei não prova a inexistência de reis de verdade.
“Muitos, que até se batiam fortemente por esse testemunho, inteiramente desacreditaram a Bíblia”.
Talvez; isto, porém, não constitui conseqüência necessária: milhares pleiteiam o testemunho, professando, ao mesmo tempo, o mais alto respeito à Bíblia.
“Sim, mas muitos têm-se fatalmente enganado por meio dela, e passam por cima de toda convicção”.
Apesar disto, uma doutrina bíblica não é ruim, porque os homens dela abusem para sua própria perdição.
3. “Mas, tenho para mim, como verdade indubitável, que dos frutos do Espírito são o testemunho do Espírito”. Isto não é indubitável: milhares há que duvidam, ou francamente negam: com esta ressalva,
deixe-se passar a objeção. “Se este testemunho é suficiente, não há necessidade de outro. Ele é suficiente, exceto em um dos dois casos seguintes: 1) ausência total de frutos do Espírito. É este o caso, quando o
testemunho direto é primeiro dado. 2) O não percebê-lo. Contender a respeito dele é, neste caso, contender acerca de estar na graça de Deus e não o saber.” É verdade; não saber, por outro meio, nesse tempo, a não ser pelo testemunho que é dado para aquele fim. É por isto que nos batemos: batemo-nos para que o testemunho direto brilhe com intensidade, mesmo quando o testemunho indireto esteja sob as nuvens.
4. Objeta-se, em segundo lugar, que: “O escopo do testemunho em debate é provar que a profissão que fazemos é genuína. Mas o testemunho não prova isto”. Respondo: Provar a genuinidade da profissão não constitui o desígnio do testemunho. Este antecede a qualquer profissão que façamos, exceto a de sermos pecadores perdidos, arruinados, culpados, desesperados. Seu desígnio é assegurar aqueles a quem é dado que eles são filhos de Deus; que eles são “justificados livremente por sua graça, através da redenção que há em Cristo Jesus”. E isto não pressupõe que seus primitivos pensamentos, palavras e atos fossem conformes à regra da Escritura: pressupõe exatamente o contrário, isto é, que eles são sobretudo pecadores, pecadores no coração e na vida. Fora de outro modo, e Deus deveria justificar o piedoso; e suas próprias obras lhes seriam reputadas como justiça. Não posso deixar de temer que a hipótese de sermos justificados pelas obras não sirva de raiz a todas essas objeções, porque, quem cordialmente crê em Deus imputa a todos que são justificados a justiça sem as obras, não encontrará dificuldade em
reconhecer o testemunho de seu Espírito, precedendo aos frutos desse mesmo Espírito.
5. Objeta-se, em terceiro lugar: “um evangelista diz: Vosso Pai celestial dará o Espírito aqueles que lho pedirem. Outro evangelista dá à mesma coisa o nome de boas dádivas, abundantemente demonstrando
com isto que o meio de o Espírito dar testemunho é conceder boas dádivas”. Nada, absolutamente, há aí de dar testemunho, seja em um, seja em outro texto. Assim, até que esta observação seja melhor
fundamentada, deixo-a ficar como está.
6. Objeta-se, em quarto lugar, que: “A Escritura diz: A árvore é conhecida por seus frutos. Experimenta todas as coisas. Prova os espíritos. Examina-te a ti mesmo”. Isto é muito certo. Por isso, prove todo homem que crê ter “o testemunho em si mesmo”, se esse testemunho é de Deus; em caso contrário, não é.
Porque certamente que a “árvore é conhecida por seus frutos”: pelos frutos provamos se ela é ou não “de Deus”.
“Mas, o livro de Deus nunca se refere ao testemunho direto”. Não isolado; não como um único testemunho; mas relacionado com o outro; dando um testemunho conjunto; testificando com nosso espírito que somos filhos de Deus. E quem é capaz de provar que ele não seja assim mencionado no próprio versículo que nos serve de texto? “Examina-te a ti mesmo” se estás na fé; prova-te a ti mesmo.
Não sabes por ti mesmo que Jesus Cristo está em ti? É claro que os homens não sabem isto nem por testemunho direto, nem por testemunho remoto. Como se há de provar que eles não o conheçam, primeiro, pela consciência íntima, e, depois, pelo amor, alegria e paz?
7. “Mas, o testemunho que procede da mudança interna e externa é constantemente mencionado na Bíblia.” Assim é, e nós constantemente nos referimos a ele para confirmar o testemunho do Espírito.
“Demais, todos os característicos que apresentas, e pelos quais as operações do Espírito de Deus se distinguem do engano, referem-se à mudança operada em nós e sobre nós”. Isto é, do mesmo modo,
indubitavelmente verdadeiro.
8. Objeta-se em quinto lugar, que “o testemunho direto do Espírito nos livra dos maiores erros. É digna de confiança a testemunha, em cujo testemunho não se possa fiar? que é forçada a apoiar-se em alguma outra coisa para provar o que afirma?” Respondo: para garantir-nos de tal engano, Deus nos dá duas testemunhas de que somos seus filhos. Isto elas testificam conjuntamente. Assim, pois, “não separe o
homem o que Deus juntou”. E uma vez que estão juntas, não podemos ser enganados; pode-se confiar em seu testemunho. Elas merecem confiança no mais alto grau e de nada precisam para comprovar o que asseveram.
“O testemunho direto somente assevera, mas não prova coisa alguma”. “Por duas testemunhas toda palavra será estabelecida”. E quando o Espírito testifica com nosso espírito, como Deus intenta fazê-lo,
então isto prova plenamente que somos filhos de Deus.
9. Objeta-se, em sexto lugar: “Tu admites que a mudança operada é um testemunho suficiente, menos nos casos de severas provações, tais como as de nosso Salvador sobre a cruz; mas nenhum de nós pode ser provado dessa maneira”. Mas tu e eu podemos ser provados de tal modo, o mesmo acontecendo a muitos outros filhos de Deus, que nos seja impossível manter nossa filial confiança em Deus, a não ser que intervenha o direto testemunho de seu Espírito.
10. Objeta-se, finalmente, que “os maiores apologistas do testemunho direto são, muitos dentre eles, os mais orgulhosos e descaridosos dos homens”. Talvez que alguns dos mais ferventes apologistas sejam
orgulhosos e descaridosos; mas dentre os mais firmes apologistas, muitos são eminentemente mansos e humildes de coração, e são, na verdade, também em todos os outros pontos, “Verdadeiros seguidores de seu terno Senhor”. As precedentes objeções são as mais consideráveis que eu tenho ouvido, e creio que elas contêm a substância da acusação. Presumo, todavia, que qualquer pessoa que serena e imparcialmente considere essas objeções e as respectivas respostas, facilmente verá que elas não destroem e nem sequer abalam a evidência daquela grande verdade, que o Espírito de Deus, tanto direta como indiretamente, testifica que somos filhos de Deus.
1. Resumindo:
O testemunho do Espírito é uma impressão interior feita sobre a alma dos crentes, pela qual o Espírito de Deus diretamente testifica seu espírito que eles são filhos de Deus. Não é objeto de controvérsia a existência do testemunho do Espírito, mas sobre se há ou não um testemunho direto e sobre se há outro testemunho além do que se ergue da consciência dos frutos do Espírito. Cremos que existe o testemunho direto, porque esta é a mais natural interpretação do texto, ilustrado tento pelas palavras precedentes como pela passagem paralela na Epístola aos Gálatas; porque, segundo a própria natureza das coisas, o testemunho deve preceder os frutos que dele decorrem; e porque a clara significação da Palavra de Deus é confirmada pela experiência de inumeráveis filhos seus; sim, e pela experiência de todos os que estão convencidos de pecado, que não podem descansar enquanto não tem o testemunho direto, e mesmo dos filhos do século, que, não tendo o testemunho em suas próprias almas, declaram que ninguém pode saber que seus pecados estejam perdoados.
2. E enquanto se objeta que a experiência não é bastante para provar uma doutrina sem fundamento nas Escrituras; - que loucos e fanáticos de toda espécie imaginaram possuir tal testemunho; - que se o desígnio daquele testemunho é provar ser genuína nossa profissão, tal desígnio não corresponde a seus objetivos; - que a Escritura diz: “A árvore é conhecida por seus frutos”, “Examina-te a ti mesmo”, “Prova-te a ti mesmo”, e, no entanto, o testemunho direto nunca se menciona em todo o Livro de Deus; - que ele nos não garante contra os maiores erros; e, finalmente, que a mudança operada em nós é um testemunho suficiente, exceto em provações tais como só as sofreu Cristo, - respondemos: 1) A experiência é suficiente para confirmar uma doutrina baseada nas Escrituras. 2) Embora muitos fantasiem experiências que não possuem, isto não prejudica a veracidade da real experiência. 3) O desígnio do testemunho em questão é assegurar-nos que somos filhos de Deus; este objetivo ele o realiza. 4) O verdadeiro testemunho do Espírito é conhecido por seus frutos: “amor, paz, alegria”; não, em verdade, precedendo ao testemunho, mas seguindo-o. 5) Não se pode provar que ao testemunho, tanto direto como indireto, não se refira a passagem que diz: “Não sabeis por vós mesmos, que Jesus Cristo está em vós?” 6) O Espírito Santo, testificando com nosso espírito, garante-nos de todo o erro. E, finalmente todos nós estamos sujeitos a provações, nas quais o testemunho de nosso próprio espírito não é suficiente; nas quais nada menos do que o testemunho direto do Espírito de Deus pode assegurar-nos que somos seus filhos.
3. De tudo isso podem-se tirar duas inferências: a primeira é a seguinte: que ninguém tenha a presunção de descansar em qualquer suposto testemunho do Espírito, separado dos frutos que dele decorrem. Se o
Espírito de Deus realmente testifica que somos filhos de Deus, a conseqüência imediata serão os frutos do Espírito, ou seja, “amor, alegria, paz, longanimidade, ternura, bondade, fidelidade, mansidão,
temperança”. E conquanto esses frutos possam ocultar-se por um pouco, em tempos de forte tentação, de modo que não e mostrem à pessoa tentada enquanto Satanás está joeirando-a como trigo, ainda a parte substancial dos frutos permanece, mesmo debaixo da nuvem mais espessa. É verdade que a alegria no
Espírito Santo pode ser retirada, à hora da provação; a alma pode estar “em tristeza mortal” enquanto decorre a “hora do poder das trevas”; mas, em geral, ela será enfim restaurada com acréscimo, de modo
que se regozije “com alegria indizível e cheia de glória”.
4. A segunda inferência é: que ninguém descanse em pretensos frutos do Espírito, sem o testemunho.
Pode haver antegozo de alegria, de paz, de amor, e não ilusório, mas provindo realmente de Deus, muito tempo antes de termos o testemunho em nós mesmos, antes que o Espírito de Deus testifique como o
nosso espírito que temos “redenção no sangue de Jesus e perdão dos pecados”. Sim, pode haver certa longanimidade, ternura, fidelidade, mansidão, temperança (não uma sombra delas, mas em grau
apreciável, pela graça preventiva de Deus), antes de “sermos aceitos no Amado” e, conseqüentemente, antes de termos testemunho de nossa aceitação. Não é, contudo, aconselhável que se descanse nisso; se o
fizermos, nossa alma estará em perigo. Se formos sábios, clamaremos continuamente a Deus, até que seu Espírito clama em nossos corações: “Abba, Pai!”. Este é o privilégio de todos os filhos de Deus – e sem
ele jamais poderemos alcançar uma paz estável, nem evitar perplexidade e temores. Mas quando uma vez temos recebido o Espírito de adoção, essa “paz que excede a toda compreensão” e que exclui toda dúvida
angustiosa e todo receio, “guardará nossos corações e mentes em Cristo Jesus”.
E quando se produzirem os frutos genuínos desse testemunho, em toda santidade interior e exterior, indubitavelmente a vontade daquele que nos chamou será dar-nos sempre aquilo que já uma vez nos foi dado, de modo que não haverá necessidade de sermos jamais privados do testemunho do Espírito de Deus ou de nosso próprio espírito, da consciência de que andemos em toda a justiça e em verdadeira santidade.
Jown Wesley
Enviado por Silvio Dutra Alves em 23/02/2014
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