Legado Puritano
Quando a Piedade Tinha o Poder
Textos
Empecilhos à Santidade
Por Joel Beek

EGOCENTRISMO

A nossa atitude para com o pecado e a própria vida tende a ser egocêntrica e não teocêntrica. Frequentemente, estamos mais preocupados com as consequências do pecado ou com a vitória sobre ele do que com a maneira como nossos pecados entristecem a Deus. Para cultivarmos a santidade, temos de odiar o pecado do modo como Deus o odeia. Aqueles que amam a Deus abominam o pecado (Pv 8.36). Temos de cultivar uma atitude que reputa o pecado como algo cometido principalmente contra Deus (SI 51.4).

Opiniões distorcidas sobre o pecado resultam em opiniões distorcidas sobre a santidade. "Pontos de vistas errados sobre a santidade têm a sua origem em pontos de vistas errados sobre a corrupção humana", afirmou J. C. Ryle. "Se um homem não compreende a perigosa natureza da enfermidade de sua alma, você não deve se admirar quando ele se satisfaz com remédios falsos ou imperfeitos." O cultivo da santidade exige a rejeição da soberba da vida e da concupiscência da carne. Também exige que oremos: "Dá-me olhos puros, para que glorifique o teu nome" (Saltério, 236, estrofe 2).

Erramos quando não vivemos conscientemente com nossas prioridades centradas na Palavra, na vontade e na glória de Deus. Nas palavras do teólogo escocês John Brown: "A santidade não consiste em especulações místicas, fervores entusiastas ou austeridades pessoais. A santidade consiste em pensar como Deus pensa e querer o que Ele quer.

NEGLIGENCIAR O ESFORÇO

Nosso progresso é obstruído quando entendemos erroneamente o viver pela fé (Gál 2.20), no sentido de que nenhum esforço por santificação é exigido de nós. Às vezes, somos até inclinados a considerar pecaminoso ou "carnal" o esforço humano. Nas seguintes palavras, J. C. Ryle nos oferece um corretivo:

É sábio proclamar, de maneira franca, grotesca e inadequada, que a santidade de um convertido acontece somente pela fé, e não por esforço pessoal? Isso está de acordo com o ensino da Palavra de Deus? Duvido. Nenhum crente bem instruído negará que a fé em Cristo é a raiz de toda a santidade. Contudo, as Escrituras ensinam, com certeza, que, para seguir a santidade, o crente precisa de trabalho e empenho pessoal, bem como de fé.

Somos responsáveis por santidade. Se não somos santos, de quem é a culpa, se não de nós mesmos? Conforme aconselha Ralph Erskine, precisamos implementar a atitude de "lutar ou lutar" em relação às tentações pecaminosas. Às vezes, precisamos apenas atentar à exortação clara do apóstolo Pedro: "Amados, exorto-vos, como peregrinos e forasteiros que sois, a vos absterdes das paixões carnais, que fazem guerra contra a alma" (1 Pe 2.11). Abster-se — frequentemente, precisamos fazer apenas isso.
Se você já se despojou do velho homem e se revestiu do novo (Ef 4.22-32), viva de acordo com isso (Cl 3.9-10). Mortifique os seus membros (ou seja, hábitos impuros) e siga as coisas do alto (Cl 3.1-5) — não como uma forma de legalismo, e sim como uma repercussão da bênção de Deus (Cl 2.9-23).5 Faça uma aliança com seus olhos, pés e mãos, para abandonar a iniquidade (Jo 3.1). Considere o outro caminho e ande nele. Jogue fora a ira descontrolada, a fofoca e a amargura. Mortifique o pecado (Rm 8.13) pelo sangue de Cristo. "Exercite a sua fé em Cristo para mortificar o pecado", escreveu John Owen, "e você... viverá para contemplar as concupiscências mortas aos seus pés".


DEPENDÊNCIA DE SEUS PRÓPRIOS ESFORÇOS

Por outro lado, erramos miseravelmente quando nos orgulhamos de nossa santidade e achamos que nossos esforços podem, de algum modo, produzir santidade, sem a fé. Do começo ao fim, a santidade é obra de Deus e de sua livre graça (Catecismo de Westminster, cap. 3). Como Richard Sibbes sustentava: "Pela graça, somos o que somos na justificação e fazemos o que fazemos na santificação". A santidade não é uma obra realizada, em parte, por Deus e, em parte, por nós. A santidade produzida por nosso próprio coração não está em harmonia com o coração de Deus. Todos os frutos da vida cristã em nós são resultado da obra de Deus em e por nós. "Assim, pois, amados meus, como sempre obedecestes, não só na minha presença, porém, muito mais agora, na minha ausência, desenvolvei a vossa salvação com temor e tremor; porque Deus é quem efetua em vós tanto o querer como o realizar, segundo a sua boa vontade" (Fp 2.12-13).

"Os regenerados têm uma natureza espiritual que os capacita para o viver santo; de outro modo, não haveria qualquer diferença entre eles e os não-regenerados", escreveu A. W. Pink. No entanto, falando do modo restrito, a auto-santificação não existe. "Fazemos boas obras, mas não para obtermos mérito por meio delas (pois que mérito poderíamos ter?); antes, somos devedores a Deus pelas boas obras que fazemos, e não Ele a nós" (Confissão Belga de Fé, Artigo 24). Conforme Calvino explicou: "A santidade não é um mérito pelo qual atingimos a comunhão com Deus, e sim um dom de Cristo que nos capacita a nos apegarmos a Ele e segui-Lo". John Murray o expressou assim: "O agir de Deus em nós não cessa porque nós agimos, nem o nosso agir é suspenso por causa do agir dEle. Tampouco há uma relação de cooperação estrita, em que Deus faz a parte dEle e nós, a nossa... Deus age em nós, e nós também agimos". Mas a relação é esta: "Porque Deus age, nós agimos também".

Toda virtude que possuímos, Toda conquista que obtemos, Todo pensamento de santidade Pertence somente a Ele.

Kenneth Prior escreveu: "Há um perigo sutil em falar sobre a santificação como algo que resulta essencialmente de nosso próprio esforço ou iniciativa. Podemos fazer isso inconscientemente, até reconhecendo nossa necessidade do poder do Espírito Santo, tornando a atividade desse poder dependente de nossa entrega e consagração".

Nossa dependência de Deus, quanto à santidade, tem de nos humilhar. A santidade e a humildade são inseparáveis. Elas têm em comum o fato de que nenhuma delas reconhece-se a si mesma. Os cristãos mais santos lamentam a sua impureza; os mais humildes, o seu orgulho. Aqueles que de nós que são chamados a ser mestres e exemplos de santidade têm de acautelar-se do orgulho sutil e insidioso agindo em nossa suposta santidade.

A santidade é bastante impedida por qualquer opinião errada sobre ela mesma e sua relação com a humildade. Por exemplo:

Quando pensamos, falamos e agimos como se a nossa santidade nos fosse, de algum modo, suficiente, sem nos vestirmos da humildade de Cristo, já estamos envolvidos em orgulho espiritual. Quando começamos a nos sentir complacentes quanto à nossa santidade, estamos longe da santidade, bem como da humildade. Quando a mortificação pessoal está ausente, a santidade também está ausente.

Quando a mortificação pessoal não nos faz buscar refúgio em Cristo e em sua santidade, nesse caso não há santidade. Sem uma vida de dependência de Cristo, não possuímos santidade.


OPINIÕES ERRÔNEAS A RESPEITO DA SANTIDADE

Aceitar opiniões erradas e contrárias à Bíblia pode impedir nossa santidade. A necessidade de experimentar "a segunda bênção", uma busca intensa por nosso dom especial do Espírito (ou o desejo de exercer um dom carismático, como o dom de falar em línguas ou de fé curadora) e a aceitação de Jesus como Senhor, mas não como Salvador — essas são apenas algumas das muitas interpretações erradas da Bíblia que podem distorcer o entendimento correto da santidade bíblica em nosso viver.

Embora a abordagem desses assuntos esteja fora do escopo deste capítulo, permita-me fazer um resumo em três afirmações. No que diz respeito ao primeiro erro mencionado no parágrafo anterior, não é apenas a segunda bênção que o crente necessita — ele necessita da segunda, bem como da terceira, da quarta, da quinta — sim, ele precisa da bênção contínua do Espírito Santo, a fim de progredir em santidade, para que Cristo cresça, e ele, crente, diminua (Jo 3.30). No que concerne ao segundo erro, alguém comentou sabiamente: "Quando Paulo escreveu aos crentes de Corinto, dizendo-lhes que não deviam ter falta de nenhum dom (1 Co 1.7), ele deixou claro que a evidência da plenitude do Espírito não é o exercício de seus dons (dos quais aqueles crentes tinham muitos), e sim a colheita de seu fruto (do qual eles tinham pouco)". E, no que diz respeito ao terceiro erro, de separar o Salvador de seu senhorio, o Catecismo de Heidelberg nos proporciona um resumo corretivo na Pergunta 30: "Uma destas duas coisas tem de ser verdade: ou Jesus não é um Salvador completo, ou aqueles que, por fé verdadeira, recebem este Salvador têm de encontrar nEle tudo que é necessário para a sua salvação".


EVITANDO O CONFLITO

Somos propensos a esquivar-nos de nossa batalha espiritual cotidiana. Ninguém gosta de guerra. Além disso, o crente é cego quanto aos seus reais inimigos — um Satanás astuto, um mundo tentador e, especialmente, a realidade de sua própria corrupção, que Paulo descreveu de modo tão penetrante em Romanos 7.14-25. Ser santo entre os santos exige graça; ser santo entre os impuros significa grande graça. Manter a santidade pessoal em um mundo ímpio, com um coração inclinado a desviar-se, necessita de luta perene. Envolve um conflito, uma guerra santa, uma batalha contra Satanás, uma luta entre a carne e o Espírito (Gl 5.17). Um crente não somente tem paz na consciência, mas também guerra no seu íntimo (Rm 7.24-8.1). Como asseverou Samuel Rutherford: "A guerra do diabo é melhor do que a paz do diabo". Portanto, os remédios da santidade de Cristo (Hb 7.25-28) e da armadura cristã suprida pelo seu Espírito (Ef 6.10-20) são ignorados ao nosso próprio risco. A verdadeira santidade tem de ser buscada no contexto de uma profunda consciência do pecado, que continua a habitar em nosso coração e a enganar nosso entendimento. O homem santo, diferentemente dos outros, não está em paz com o pecado, que habita nele. Embora ele venha a cair, ele se sentirá humilhado e envergonhado por causa de seu pecado.
Joel Beek
Enviado por Silvio Dutra Alves em 01/03/2014
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