Legado Puritano
Quando a Piedade Tinha o Poder
Textos
Fariseus e Saduceus – Parte 3
Por J. C. Ryle

III. A terceira coisa para a qual pretendo chamar sua atenção é o nome peculiar que o nosso Senhor Jesus Cristo dá à doutrina dos fariseus e dos saduceus.
  
As palavras usadas por nosso Senhor foram sempre as mais sábias e as melhores que se poderiam usar. Ele poderia ter dito: “Vede e acautelai-vos da doutrina, ou do ensino, ou das opiniões dos fariseus e dos saduceus”. Mas Ele não disse assim. Ele usou uma palavra de significado especial — Ele disse: “Vede e acautelai-vos do fermento dos fariseus e dos saduceus”. Ora, todos nós sabemos qual é o verdadeiro significado da palavra  fermento.
O fermento é adicionado à massa de farinha quando se faz o pão. Esse fermento é uma porção mínima da farinha a que é misturado; nosso Senhor queria que soubéssemos que é exatamente assim que o começo da falsa doutrina é ínfimo se comparado ao corpo do Cristianismo. Ele age silenciosa e quietamente; é exatamente assim, diz o Senhor, que agem as falsas doutrinas no caráter de toda a massa com a qual são misturadas; exatamente assim, diz o Senhor, as doutrinas dos fariseus e dos saduceus viram tudo de cabeça para baixo, uma vez que são admitidas na Igreja ou no coração do homem. Prestemos atenção a esses pontos: eles lançam luz em muita coisa que vemos em nossos dias. É de grande importância acolher as lições de sabedoria que a palavra fermento contém.
A falsa doutrina não se apresenta aos homens cara a cara, e proclama que é falsa. Ela não toca trombeta diante de si, nem se esforça abertamente para nos desviar da verdade como ela é em Jesus. Ela não se achega aos homens à luz do dia para chamá-los a se renderem. Ela se aproxima de nós discretamente, quietamente, traiçoeiramente, de forma aceitável, e assim desativa as suspeitas do homem, e o demove da posição de alerta e defesa. É o lobo em pele de cordeiro, e Satanás vestido de anjo de luz, que sempre se têm mostrado os mais perigosos inimigos da Igreja de Cristo. Eu creio que o mais poderoso defensor dos fariseus não é o homem que honesta e abertamente pede que você venha e se junte ao erro doutrinário. É o homem que diz concordar com você em todos os pontos da sua “doutrina”. Ele não vai recusar nenhum dos pontos de vista evangélicos (segundo o evangelho) que você sustenta; não exige que você faça nenhuma modificação; tudo que ele pede é que você “adicione” alguma coisa a mais ao que você crê, para tornar perfeito o seu Cristianismo. “Creia-me”, diz ele: Nós não queremos que você desista de nada. Queremos apenas que você passe a sustentar alguns pontos de vista claros a respeito da Igreja e dos sacramentos. Queremos que você adicione às suas atuais opiniões um pouco mais a respeito das funções dos ministros, e um pouco mais a respeito da autoridade episcopal, e um pouco mais a respeito do livro de orações, e um pouco mais a respeito da necessidade de ordem e de disciplina. Queremos apenas que você adicione “um pouco mais” dessas coisas ao seu sistema religioso, e assim você estará perfeitamente certo. Mas quando alguém fala com você dessa forma, é hora de lembrar o que nosso Senhor disse: “Vede e acautelai-vos”. Esse é o fermento dos fariseus, contra o qual devemos nos levantar e nos acautelar.
Por que estou dizendo isso? Eu o digo porque não há segurança contra a doutrina dos fariseus, a não ser que resistamos aos seus princípios assim que se apresentem:

1. Começando com “um pouco mais a respeito da Igreja” — Um dia você pode chegar a pôr a Igreja no lugar de Cristo.

2. Começando com “um pouco mais a respeito do ministério” — Um dia você pode honrar o ministro como “o mediador entre Deus e o homem”.

3. Começando com “um pouco mais a respeito dos sacramentos” — Um dia você pode chegar ao ponto de rejeitar completamente a doutrina da justificação pela fé sem as obras da lei.

4. Começando com “um pouco mais de reverência pelo livro de orações” — Um dia você pode colocá-lo acima das Escrituras Sagradas do próprio Deus.

5. Começando com “um pouco mais de honra aos bispos” — Você pode, por fim, recusar a salvação a quem não pertença a uma Igreja Episcopal. Vou contar-lhes uma velha história. Vou assinalar caminhos que foram trilhados por centenas de membros da Igreja da Inglaterra nos últimos anos recentes. Eles começaram encontrando falhas nos reformadores, e acabaram engolindo os decretos do Concílio de Trento (Concílio doutrinário da Igreja católico-romana). Eles começaram reclamando das coisas como estavam, e acabaram por juntar-se formalmente à Igreja de Roma. Eu creio que quando ouvimos pessoas nos pedindo que “acrescentemos um pouco mais” a nossos bons, velhos e claros pontos de vista evangélicos, deveríamos ficar alertas. Deveríamos lembrar o aviso do nosso Senhor: “Acautelai-vos do fermento dos fariseus”. Eu considero que o mais perigoso defensor da escola dos saduceus não é a pessoa que lhe diz abertamente que ele quer que você deixe de lado alguma parte da verdade, e que se torne um livre-pensador e um cético. Mas é a pessoa que começa sutilmente com insinuantes dúvidas a respeito da nossa posição quanto às coisas religiosas, dúvidas sobre se devemos ser tão positivos a ponto de dizer “isto é verdade, e aquilo é falso”, dúvidas sobre se devemos pensar que estão erradas as pessoas que diferem das nossas opiniões religiosas, uma vez que elas podem estar, afinal, tão corretas como nós mesmos estamos. É o homem que nos diz que não deveríamos condenar os pontos de vista de ninguém, a fim de que não erremos por falta de amor. É o homem que sempre começa falando de uma forma vaga sobre Deus ser um Deus de amor, e aconselha que talvez devêssemos crer que talvez todos os homens, qualquer que seja a doutrina que professem, no final haverão de ser salvos. É o homem que está sempre nos lembrando que deveríamos tomar cuidado com a forma que consideramos os grandes intelectos (embora esses sejam deístas e céticos) que não pensam como nós, e que, afinal, “grandes mentes são todas, de uma forma ou de outra, ensinadas por Deus”! É o homem que está sempre batendo na tecla das dificuldades da inspiração das Escrituras, e levantando questões sobre se todos os homens não serão salvos no final, e se porventura não estão todos certos aos olhos de Deus. É o homem que coroa sua agradável conversa com algumas tranquilas zombarias contra o que ele gosta de chamar de “pontos de vista ultrapassados” e “teologia de mentalidade estreita”, e “inveja cega” e a “falta de liberalidade e amor” dos nossos dias. Mas quando alguém começa a falar dessa forma, é hora de vigiar e nos acautelar. Aí é hora de lembrar as palavras de nosso Senhor Jesus Cristo: “Vede e acautelai-vos do fermento”. Pergunto outra vez: Por que estou dizendo isso tudo? Eu o faço porque não existe seguro contra o saduceísmo, como também não existe seguro contra o farisaísmo, a não ser que resistamos aos seus princípios no seu estado inicial. Começando com uma vaga e despretenciosa conversa sobre “amor”, você pode acabar dando na doutrina da salvação universal, enchendo o céu com uma multidão mista de maus e bons, e negar a existência do inferno. Começando com umas poucas frases sonoras sobre intelecto e luz interior no homem, você pode acabar negando a obra do Espírito Santo, e sustentar que Homero e Shakespeare foram tão inspirados quanto Paulo, e dessa forma descartando a Bíblia. Começando com alguma mirabolante e mística ideia de que “todas as religiões contêm mais ou menos uma porção de verdade”, você pode acabar negando completamente a necessidade das missões, e achar que o melhor que se pode fazer é deixar os outros em paz. Começando por indispor-se à “religião evangélica” como ultrapassada, de mente estreita e separatista, você pode acabar rejeitando as principais doutrinas do Cristianismo — a expiação, a necessidade da graça, e a divindade de Cristo. Eu repito que estou lhe falando algo que não é novo: estou lhe dando apenas um vislumbre do caminho que multidões de pessoas têm trilhado nesses últimos anos. Essas multidões estiveram, em outros tempos, satisfeitas com a teologia de Newton, Scott, Cecil, e Romaine; e agora imaginam que encontraram um caminho melhor nos princípios propostos pelos teólogos da escola do caminho largo! Eu penso que não existe segurança para a alma humana a não ser que nos lembremos da lição envolvida nestas solenes palavras: “Vede e acautelai- vos do fermento dos saduceus”. Acautelemo-nos do elemento traiçoeiro da doutrina falsa. À semelhança do fruto que Eva e Adão comeram, à primeira vista ela parece agradável e boa, algo desejável. Não se vê a palavra “veneno” escrito nela, de forma que as pessoas não ficam com medo. Como uma moeda falsificada, ela não contém o aviso: “Coisa ruim”. Ela se passa por verdadeira porque se parece muito com a verdade. Acautelemo-nos contra “os primeiros indícios” da doutrina falsa. Toda e qualquer heresia tem o seu início por meio do afastamento da verdade. Basta uma pequena semente de erro para dar origem a uma grande árvore. São as pequenas pedras que edificam o majestoso edifício. Foram as pequenas tábuas que deram origem à grande arca que transportou Noé e sua família nas águas do dilúvio que cobriu o mundo. É o pequeno fermento que leveda toda a massa. É a omissão ou a adição de um pequeno item da prescrição do médico que estraga o remédio todo, fazendo dele um veneno. Não toleramos calados uma pequena desonestidade, ou uma pequena fraude, ou uma pequena mentira; dessa mesma forma, jamais permitamos que uma pequena doutrina falsa nos arruíne, pensando que “é só uma coisa pequenina” que não pode nos causar dano. Aos gálatas parecia que não estavam fazendo nada muito perigoso quando começaram a guardar “dias, e meses, e tempos, e anos”; contudo Paulo disse a eles: “Receio de vós...” (Gálatas 4.10,11). Finalmente, acautelemo-nos contra a suposição de que “de forma alguma nos encontramos em perigo”. “Nossos pontos de vista são saudáveis; nossos passos são firmes; talvez os outros possam desviar-se, mas nós estamos a salvo!” Centenas de pessoas pensaram dessa mesma forma, e acabaram terminando mal. Na sua autoconfiança, lidaram com pequenas tentações e pequenas formas de doutrina falsa; na sua prepotência, aproximaram-se demais do perigoso precipício; e agora estão perdidos para sempre. Eles cederam ao engano, acabaram crendo na mentira. Alguns deles oram a pessoas desencarnadas e se curvam diante de imagens – coisas expressamente proibidas e condenadas por Deus na Bíblia. Outros estão se desfazendo de uma doutrina após a outra, desistindo de todo tipo de religião, a não ser uns farrapos de deísmo. É impressionante a visão, no livro O Peregrino, que descreve a Montanha do Erro como “muito íngreme” e, “quando Cristão e Esperançoso olharam para baixo, viram no sopé da montanha vários homens que se rebentaram ao despencar lá do topo dessa montanha”. Nunca, nunca esqueçamos o alerta para nos acautelarmos do “fermento”; e, se pensamos estar em pé, cuidemos para não cair!
J.C.Ryle
Enviado por Silvio Dutra Alves em 04/03/2014
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