Legado Puritano
Quando a Piedade Tinha o Poder
Textos
Fariseus e Saduceus – Parte 2
Por J. C. Ryle

II. Em segundo lugar, proponho-me a explicar quais são os perigos contra os quais nosso Senhor alertou os apóstolos.

Ele disse: “Vede e acautelai-vos do fermento dos fariseus e dos saduceus”. O perigo a respeito do qual Ele os alerta é a doutrina falsa. Ele não diz nada a respeito da espada da perseguição, ou sobre o amor ao dinheiro, ou sobre o amor ao prazer. Todas essas coisas sem dúvida são perigos e armadilhas a que estavam expostas as almas dos apóstolos; mas contra essas coisas nosso Senhor não levanta aqui a voz de advertência. O Seu alerta se restringe a um único ponto: o “fermento dos fariseus e dos saduceus”. E não somos deixados na dúvida quanto ao que nosso Senhor queria dizer com “fermento”. O Espírito Santo, poucos versículos mais adiante do nosso texto, claramente nos diz que fermento era a “doutrina” dos fariseus e dos saduceus. Vamos tentar entender o que se pretende dizer quando falamos da “doutrina dos fariseus e dos saduceus”.

(a) A doutrina dos fariseus talvez possa ser resumida com três características: eles eram formalistas, veneradores de tradições, e justos aos próprios olhos. Eles atribuíam tanto peso às tradições humanas que na prática consideravam-nas de maior importância do que os escritos inspirados do Antigo Testamento. Eles davam excessivo valor à severidade com que seguiam os requisitos cerimoniais da lei mosaica. Eles davam muita importância ao fato de serem descendentes de Abraão, e intimamente se gloriavam: “Nós temos Abraão como nosso pai”. Iludiam-se, porque tinham Abraão como pai, que não corriam perigo de ir para o inferno como os outros homens, e que o fato de serem seus descendentes era uma espécie de garantia para o céu. Atribuíam grande valor à lavagem de mãos e purificações cerimoniais do corpo, e criam que o mero tocar em uma mosca ou mosquito mortos os poluía. Eles davam grande importância aos aspectos exteriores da religião, e a coisas que podiam ser vistas pelos homens. Alargavam os seus filactérios, e encompridavam as franjas dos seu vestuário. Orgulhavam-se de prestar grandes homenagens aos santos já falecidos, e de ornamentar os túmulos dos justos. Eram extremamente zelosos em fazer novos convertidos. Orgulhavam-se de terem domínio, status e preeminência, e de serem chamados pelos homens de “Mestre, mestre”. Essas coisas, e muitas outras semelhantes a essas, eram a prática dos fariseus. Todo cristão bem instruído pode encontrar essas coisas nos Evangelhos de Mateus e de Marcos (Veja Mateus 15 e 23; Marcos 7).Lembre-se de que eles, o tempo todo, enquanto praticavam o que acabamos de citar, não negavam formalmente nenhuma parte das Escrituras do Antigo Testamento. Mas eles introduziram, acima dele, tanta invenção humana que, na prática, puseram as Escrituras de lado, e as enterraram sob suas tradições. Essa é a espécie de religião a que o nosso Senhor se referiu aos Seus apóstolos: “Vede e acautelai-vos”.

(b) A doutrina dos saduceus, por outro lado, pode ser resumida com outras três características: livre-pensamento, ceticismo e racionalismo. O credo deles era muito menos popular do que o dos fariseus, e, por isso, os vemos mencionados menos vezes nas Escrituras do Novo Testamento. Pelo que podemos julgar do Novo Testamento, parece que eles sustentavam a doutrina da inspiração gradual; eles sempre atribuíam maior valor ao Pentateuco (os cinco primeiros livros do Antigo Testamento) em comparação com as outras partes do Antigo Testamento, isto se não desconsideravam por completo essas últimas. Eles não criam nem na ressurreição, nem em anjos, nem em espíritos, e tentavam dissuadir as pessoas de crer nesses fatos por meio de questões difíceis. Temos um exemplo da maneira em que eles argumentavam no episódio em que eles propõem a nosso Senhor o caso da mulher que teve sete maridos, quando os saduceus perguntam: “Na ressurreição, de quem dos sete será ela mulher?” Dessa forma, ao apresentar um absurdo religioso ridicularizando as suas principais doutrinas, eles provavelmente pretendiam levar as pessoas a desistirem da fé que haviam recebido das Escrituras. Lembre-se, todo esse tempo, não podemos dizer que os saduceus eram totalmente pagãos: eles não o eram. Nem podemos dizer que eles negavam a revelação: eles não faziam isso. Eles observavam a lei de Moisés. Muitos deles se encontravam entre os sacerdotes nos tempos descritos no livro de Atos dos Apóstolos. Caifás, que condenou nosso Senhor, era saduceu. Mas o efeito prático do ensino deles era abalar a fé que as pessoas tinham na revelação, e jogar uma nuvem de dúvida sobre a mente das pessoas, o que era apenas um pouco melhor do que o próprio paganismo. E de todo esse modo de doutrina — livre-pensamento, ceticismo e racionalismo — diz o nosso Senhor: “Vede e acautelai-vos”.
Agora surge a questão: Por que razão nosso Senhor Jesus Cristo fez esse alerta? Ele sabia, sem dúvida, que dentro de quarenta anos as escolas dos fariseus e dos saduceus estariam completamente acabadas. Aquele que sabe todas as coisas desde o princípio, sabia perfeitamente bem que em quarenta anos Jerusalém, com seu magnífico templo, seria destruída, e os judeus seriam dispersos pela face da Terra. Por que, então, nós O encontramos fazendo esse alerta sobre “o fermento dos fariseus e dos saduceus”? Eu creio que nosso Senhor fez essa solene advertência para o benefício perpétuo da Igreja, que Ele veio estabelecer na Terra. Ele falou com conhecimento profético. Ele conhecia bem as mazelas a que está sujeita a natureza humana. Ele anteviu que as duas grandes pragas da Sua Igreja na terra seriam sempre a doutrina dos fariseus e a doutrina dos saduceus. Ele sabia que essas doutrinas se assemelhariam a duas grandes rochas, entre as quais a Sua verdade seria perpetuamente comprimida e ferida até que Ele viesse pela segunda vez. Ele sabia que sempre haveria, entre os que se professam cristãos, os fariseus em espírito, e os saduceus em espírito. Ele sabia que os seus sucessores jamais haveriam de faltar, e que jamais se extinguiria a sua geração, e que, embora não existam mais os nomes fariseus e saduceus, contudo os seus princípios haveriam de existir sempre. Ele sabia que, durante o tempo em que a Igreja existir, até o Seu retorno, haveria sempre alguém que faria acréscimos à Palavra, e alguém que haveria de excluir algo da Palavra, alguém que a desmereceria por meio de adição de outras coisas, e alguém que a sangraria até a morte ao subtrair dela as suas principais verdades. E essa é a razão pela qual nós O encontramos fazendo esta solene advertência: “Vede e acautelai- vos do fermento dos fariseus e dos saduceus”. E agora surge a questão: Será que nosso Senhor Jesus Cristo tinha boas razões para fazer esse alerta? Eu apelo a todos que conhecem alguma coisa da História da Igreja — não havia, de fato, uma razão para isso? Eu apelo a todos que se lembram do que aconteceu logo depois da morte dos apóstolos. Não lemos que na primitiva Igreja de Cristo surgiram dois partidos distintos; um que sempre se inclinava para o erro, como os arianos, sustentando menos que a verdade, e o outro que sempre se inclinava para o erro, como os adoradores de relíquias e adoradores de santos, sustentando mais do que a verdade como a encontramos em Jesus? Não vemos nós a mesma coisa surgindo mais tarde, na forma do catolicismo romano? Essas coisas são antigas. Num artigo breve como este me é impossível entrar em maiores detalhes sobre o assunto. São coisas muito bem conhecidas de todos que têm familiaridade com os registros históricos. Sempre houve esses dois grandes partidos, o partido que representa os princípios dos fariseus, e o partido que representa os princípios dos saduceus. Por isso nosso Senhor tinha boas razões para dizer a respeito desses dois grandes princípios: “Vede e acautelai-vos”. Mas eu desejo apresentar o assunto com mais detalhes agora. Peço a meus leitores que considerem se advertências desse tipo não são especialmente necessárias em nossos dias.
(Neste ponto Ryley apresenta algumas doutrinas que falsas que estavam assolando a sua pátria – Inglaterra – nota do comentarista)
Eu sinto profundamente a angústia de falar abertamente desses assuntos. Eu sei muito bem que falar com clareza sobre doutrinas falsas é muito impopular, e que aquele que fala deve resignar-se com ser considerado como alguém sem caridade, muito incômodo, e de mente muito estreita. Há milhares de pessoas que jamais conseguirão distinguir as diferenças que existem na religião. Para a maioria das pessoas, um clérigo é um clérigo, e um sermão é um sermão; e, se porventura existe alguma diferença entre um ministro e outro, ou entre um sermão e outro, elas são inteiramente incapazes de entender essa diferença. Eu não posso esperar que essas pessoas aprovem qualquer alerta que se fizer sobre doutrinas falsas. Eu preciso adequar minha mente à sua desaprovação, e tenho de lidar com isso da melhor forma que puder. Mas eu peço a todo leitor da Bíblia intelectualmente honesto e não preconceituoso que se volte para o Novo Testamento e veja o que vai encontrar ali. Ele haverá de encontrar muitos alertas claros contra as doutrinas falsas: “Acautelai-vos dos falsos profetas” (Mateus 7.15). “Cuidado que ninguém vos venha a enredar com sua filosofia e vãs sutilezas” (Colossenses 2.8). “Não vos deixeis envolver por doutrinas várias e estranhas” (Hebreus 13.9). “Amados, não deis crédito a qualquer espírito; antes, provai os espíritos se procedem de Deus” (1 João 4.1). Ele haverá de encontrar grande parte de várias das epístolas inspiradas expondo a doutrina verdadeira e alertando contra os falsos ensinos. Eu me pergunto: como é que um ministro que toma a Bíblia como regra de fé pode esquivar-se de fazer alertas contra erros doutrinários?
J.C.Ryle
Enviado por Silvio Dutra Alves em 04/03/2014
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