Legado Puritano
Quando a Piedade Tinha o Poder
Textos
Nossa Justiça Própria Não é Suficiente para nos Justificar
Baseado em Jó 9 e 10

O discurso legalista de Bildade não foi capaz de demover Jó da ideia de pedir a Deus que o matasse.
Ao contrário deu ensejo a que Jó respondesse no início do nono capítulo ao legalismo de Bildade com a graça de Deus.
Bildade estava falando da justiça que é operada pelo próprio homem, e que de modo nenhum pode justificá-lo perante Deus. Bildade não sabia disto, mas Jó bem conhecia esta verdade, porque apesar de se declarar justo, ele não o fazia confiado na sua justiça própria, e bem sabia que esta justiça do próprio homem ainda o mantém condenável perante o perfeitamente justo e santo Deus.
Jó reconhecia juntamente com Bildade que é necessário que o homem se apresente justo diante de Deus, mas sabia ao mesmo tempo que ninguém pode por si mesmo ser justo aos olhos de Deus (Jo 9.1,2).
Que argumentos pode o homem apresentar a Deus, estando em debate com Ele, para comprovar que é justo?
Como pode a criatura contender com o Criador de todas as coisas? O Deus que tudo vê e controla e que no entanto é invisível? (v. 11)
Ele tem o direito de fazer o que quiser com tudo o que criou, porque tudo lhe pertence, e quem poderia impedi-lo de fazê-lo, ou questionar os seus motivos? (v. 12)
Antes, se iraria de todo com estes contendedores que ousam questionar os Seus atos.
Jó, em sua humildade, sabia que não teria palavras para discutir com Deus para ser livrado das coisas que estava sofrendo, por poder convencer-Lhe da Sua própria justiça. Mesmo sendo justo, nada poderia responder a Deus, senão somente pedir-lhe misericórdia, por ser o Seu juiz. (v. 14,15)
Ainda que obtivesse uma resposta de Deus ao seu clamor, não poderia contar que Ele aceitasse os seus argumentos para convencer-Lhe da sua própria justiça (v. 16).
Sem que o fizesse, o que seria uma grande afronta para o Juiz de toda a terra, já estava sofrendo da parte dEle toda aquela grande aflição, então, tentar argumentar em termos de sua justiça própria só faria agravar o seu caso.
Além disso, se ele se apresentasse em juízo para ser julgado por Deus, quem teria poder para convocar o Senhor para julgar o seu caso?
De modo que ainda que fosse possível ser perfeitamente justo, pela justiça própria, a sua própria boca o condenaria perante Deus, e ela declararia a sua perversidade.
Jó não tinha sua vida preciosa a seus próprios olhos, não buscava honra para si mesmo, e ainda assim, em sua inocência em relação a isto, estava sendo destruído por Deus, e então somente poderia concluir que Ele destrói tanto o reto quanto o ímpio (v. 22).
Nem mesmo o seu sofrimento poderia purificá-lo tornando-o justo perante Deus.
Então todo o trabalho, todo o esforço no sentido de buscar ser julgado por Deus para ser inocentado, se revelaria no final, um trabalho vão, porque Deus não o tomaria por inocente. Então o seu livramento não seria baseado na sua inocência, porque ninguém é inocente perante este Deus terrível e santo.  
Ainda que se lavasse com a água pura extraída da neve, e que limpasse suas mãos com sabão, Jó estava convicto que Deus mesmo assim o submergiria no fosso.
Ele sabia que Deus não é homem, como ele era, para que pudesse lhe falar de igual para igual em juízo.
E que não há ninguém que possa se colocar como árbitro entre Deus e os homens.  
Então, se buscar ser achado justificado por Deus baseado em sua própria justiça, a causa do homem já se encontra desde o início, perdida.
Para que pudesse falar com Deus, sem temor, seria necessário que Deus tirasse primeiro a vara da disciplina que havia colocado sobre ele, e que removesse o terror que havia trazido sobre ele.
Por isso Jó disse a seus amigos que a única coisa que lhe restava como direito era poder dar livre curso à sua queixa e falar da amargura da sua alma, porque estava cheio de tédio pela sua própria vida (Jó 10.1). Ele esperava que ao menos com isso, achasse misericórdia diante de Deus, movendo a Sua compaixão em favor dele.
E se devesse dizer algo a Deus, somente lhe pediria que não o condenasse, e que lhe fizesse saber por que estava contendendo com ele, porque afinal Deus e a Sua vontade era tudo para ele.
Jó estava convicto da sua integridade perante o Senhor, e sabia que Deus também sabia que ele não era ímpio (v. 7). Então por que estava tendo prazer em oprimi-lo e em desprezá-lo, favorecendo o desígnio dos ímpios que lhe estavam desprezando e zombando dele? (v. 3).  
Afinal, Jó sabia que Deus não vê e não avalia e julga conforme fazem os homens, de modo que não poderia deixar de ser misericordioso para com as nossas faltas eventuais e que não temos prazer de cometer por sabermos o quanto entristecem o Seu Espírito.
Jó reconhecia que ele, como todo homem, era obra das mãos de Deus. Foi o Senhor que o tecera no ventre da sua mãe e que colocara nele o espírito, conservando-o em Sua providência, para que não se desfizesse como o corpo natural que torna ao pó na morte (v. 10 a 12).
Contudo, Deus guardou para Si o modo como criou o homem, porque isto foi da Sua vontade. Mas revelou ao homem que o criara para ser santo e responsável perante Ele, de maneira que nenhuma iniquidade pode ser absolvida por causa da justiça perfeita de Deus.
Por isso Jesus teve que morrer na cruz, porque Deus não pode absolver o culpado, senão perdoá-lo. Cristo sofreu a condenação, de modo que não houve absolvição da culpa, mas pagamento da pena de modo perfeito por Cristo na cruz.      
De modo que o icrédulo não poderá achar misericórdia no juízo, uma vez que não pode ser absolvido da culpa que tem perante Deus, por que não tem depositado sua fé em Cristo, que foi o único que carregou sobre Si a nossa culpa.
E o próprio justo, como tem sido justificado pela graça que há em Cristo, e por ser ainda pecador enquanto estiver neste mundo, não pode levantar a cabeça perante o Senhor por sua própria justiça, porque está farto de ignomínia, e de contemplar a sua própria miséria (v. 15).
Por isso, mesmo ao justo altivo que andar na soberba, Deus o caçará como um leão feroz para abatê-lo em sua exaltação.
Há miríades de testemunhas de Deus (anjos) que podem no acusar perante Ele dos nossos pecados.
Jó não tinha a esperança e o consolo do céu que nós temos, porque isto não havia ainda sido revelado por Deus, na plenitude em que foi revelado a nós.
Ele pensava que o espírito, mesmo do justo, iria depois da morte, para um lugar de escuridão e densas trevas, juntamente com o seu corpo (v. 22).
Então, quando estava pedindo a Deus que o matasse estava apenas querendo um pouco de alívio das suas presentes condições, mas não para ir para um lugar de descanso e glória, porque considerava que tão grande era a justiça e a santidade de Deus, que não lhe seria permitido, como pecador, estar em Sua presença nas alturas do céu.
Havia portanto este deficiência de conhecimento de muitas coisas relativas à pessoa de Deus que somente nos foram clara e diretamente reveladas por meio de Cristo.
A teologia de Jó não poderia ser perfeita, apesar de ser muito superior à dos seus amigos.

Silvio Dutra Alves
Enviado por Silvio Dutra Alves em 09/05/2014
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