Legado Puritano
Quando a Piedade Tinha o Poder
Textos
João Wesley, o Evangelista – Parte 1
Do original: John Wesley Evangelist

© 1958, Methodist Evangelistic Materiais
© 1992, Imprensa Metodista
Todos os direitos reservados e protegidos
pela Lei 5988 de 14/12/73
1ª edição - 1960 2ª edição –
1992
Tradução: Osvaldo Ramos
Imprensa Metodista
Rua Vigário João de Pontes, 766
04748— São Paulo—SP
Tel.: (011) 523-9622 Fax: (011)
521-2825
OBS:
Para a presente edição on line do livro
JOÃO WESLEY, O EVANGELISTA,
foram feitos alguns pequenos ajustes na
tradução para a língua portuguesa e em
alguns lugares colocados algumas
observações escritas em vermelho e
entre parênteses que não fazem parte do
livro original.

João Wesley,
o Evangelista
Francis Gerald Ensley
S ã o P a u l o
Para Frank e Nellie Baker,
que têm me mostrado um
viver wesleyano

Índice

Apresentação
CAPÍTULO 1:
João Wesley, poderoso evangelista
CAPÍTULO 2:
A redescoberta da redenção bíblica
CAPÍTULO 3:
O desenvolvimento da experiência da redenção
CAPÍTULO 4:
A combinação de expansão e intensidade
CAPÍTULO 5:
A vitalidade disciplinada na evangelização Apresentação

Existem dois movimentos básicos no pulsar do coração de
João Wesley: o derramar do amor divino em si e a dádiva do seu
amor em favor do próximo.
A ação evangelizadora é uma ação do amor. Um ato
motivado e impulsionado pelo amor de Deus e uma dádiva
amorosa da totalidade de sua vida no compartilhar do amor
divino às pessoas e comunidades.
Por amar ardentemente o ser humano, Wesley desejava
levar-lhe, com todas as suas forças e com todo o seu coração, o
amor redentor de Cristo. Amou a todos intensa e sinceramente,
sem discriminações, numa época cheia de preconceitos,
separações, menosprezos e marginalizações. Em especial, amou
os abandonados, desprezados, pobres e desesperados,
valorizando suas vidas e trazendo -lhes a esperança e o poder do
evangelho de Cristo.
Wesley cria no poder redentor da graça divina, expresso
poderosamente em Cristo e testificado pelo Santo Espírito. Uma
redenção no interior do ser humano e na totalidade da sua vida.
Redenção bíblica e evangélica; redenção em amor, pois
evangelizar é amar e partilhar o amor divino com as pessoas e
toda a sociedade. E proclamar, vivenciar e sinalizar a "boa nova"
do amor divino presente em Cristo e testemunhada
poderosamente através do Espírito Santo.
Procurando rever, reavaliar e redespertar os cristãos e os
metodistas para a relevância e a paixão evangelizante, a Editora
Metodista, com o apoio do Colégio Episcopal, relança o
tradicional, motivador e sempre atual livro, João Wesley, o
Evangelista.
Este é um momento oportuno para reencontrarmos nossa
história, nossa tradição e nossa identidade. Há um significativo
"porquê" por trás do poderoso impulso evangelizador presente
em Wesley.
Ao lermos João Wesley, o Evangelista, religaremos nossas
vidas e a vida da Igreja Metodista (e cristã) aos fundamentos
básicos da "experiência de João Wesley" e ao desenvolvimento da
obra de renovação e restauração iniciada por ele, seu irmão
Carlos e um grupo significativo de irmãos(ãs ). Reencontraremos,
aqui, o sentido real do que significa uma experiência com Cristo;
o crescimento dessa experiência no caminho da perfeição cristã;
a dinâmica evangelizante presente na comunidade wesleyana;
seu crescimento e sua vida disciplinada; as forças motivadoras e
sustentadoras desse "modo de ser cristão", com suas bases,
valores e expressões.
Mesmo tendo em mente as diferenças históricas e de
contexto entre a época em que Wesley viveu e a nossa,
reconhecemos que o presente momento histórico, nacional e
mundial convida a Igreja, à luz das realidades e das
necessidades atuais, a uma ação dinâmica, evangelizadora e
missionária. A mesma força e o mesmo espírito presentes no
movimento wesleyano despertam-nos e motivam-nos a
"reencontrar" a paixão e a dinâmica evangelizante, junto das
pessoas, dos grupos sociais, das comunidades, de toda a
sociedade humana. No contexto de crise, angústia, corrupção,
opressão, dominação, ausência de valores morais, injustiça,
carência de verdade, amor, solidariedade e paz, a redenção
evangélica é tremendamente necessária. Redenção que deve
alcançar a todas as pessoas, a totalidade da vida e a vida em
sociedade. O momento presente, crítico e desafiador, é a "porta
aberta" por Deus para o cristão e a Igreja. Evangelizar, sem
sectarismo. Evangelizar como um ato de amor, de dádiva, de
identificação e solidariedade. Evangelizar sem minimizar a pessoa
e sua cultura, sem desrespeitar a dignidade humana nem
sequestrar a vida; ao contrário, enriquecendo-a, transformando-a
com o poder de Deus, através da ação viva do Espírito Santo.
O centro do evangelho é Cristo e seu amor dadivoso e
reconciliador ao ser humano e todo o universo. O coração da
evangelização é o amor de Cristo e seu poder transformador na
vida das pessoas, da família, da Igreja e de toda a sociedade.
Um fato significativo está presente na vida de Wesley e
seus contemporâneos metodistas: "Antes de evangelizar, ou
concomitantemente com o ato evangelizador, eles foram
“evangelizados”. Essa é a dinâmica da evangelização: ao
evangelizar somos também evangelizados. Isto significa que a
"boa nova do amor divino e sua expressão na vida humana" não
são completas de nossa parte. Sempre carecem de algo novo da
parte de Deus e do seu Espírito.
Quando o cristão e a Igreja estão fechados em si mesmos,
impedem as possibilidades transformadoras da graça divina. Na
medida em que nos abrimos a Deus, ao próximo, à evangelização
e à missão, há uma contínua novidade de vida oriunda do
Espírito que nos alcança.
Wesley viveu essa realidade. Ao evangelizar foi
"reevangelizado". Sua vida foi continuamente renovada pelo
Espírito. A boa nova divina é algo sempre dinâmico e
transformador. Não existe uma etapa final; é sempre contínua e
progressiva.
A nossa esperança é que, ao lermos e estudarmos João
Wesley, o Evangelista, possamos experimentar um grande
despertamento evangelizador na Igreja Metodista e em todas as
comunidades cristãs. Ao mesmo tempo, esperamos que ocorra
em nós, entre nós e através de nós, uma experiência dinâmica de
" reevangelização".
Oramos para que, apesar da distância histórica, do
contexto social e eclesial, de linguagem e cultura, o Espírito do
Senhor possa atuar de forma enriquecedora e una na vida do
povo chamado metodista, renovando, poderosamente, sua
vocação evangelizante.
Bispo Nelson Luis Campos Leite,

São Paulo, 23 de junho de 1992.


Capítulo I
João Wesley, poderoso evangelista

João Wesley é um dos mais poderosos evangelistas da
história cristã, quer o avaliemos pelo volume de seus trabalhos,
quer pela rapidez do movimento, pelo impacto de sua vida sobre
todos os tempos ou pela durabilidade dos efeitos.
Com respeito ao número dos convertidos à vida cristã, o
ministério de Wesley é impressionant e, mesmo em nossos dias de
algarismos astronômicos. Quando Wesley faleceu, havia 70 mil
metodistas, só na Inglaterra. Talvez outros 70 mil tenham falecido
na fé metodista durante sua longa carreira. Ter conduzido tantas
pessoas da escuridão à luz, ter levado tantos de um tipo de vida a
outro, tudo o que isto significa em termos de relações humanas é
digno do nosso maior respeito. Estes metodistas foram, mais
tarde, pastoreados por um grupo bem organizado de 550
pregadores itinerantes, para não mencionar talvez três vezes esse
número de pregadores locais, muitos dos quais orientados
pessoalmente por Wesley. É pouco provável que tenha existido
uma comunidade em toda a Grã-Bretanha sem um grupo de
testemunhas do gênio evangelístico de Wesley. Quem, na história
cristã, pode atingir a magnitude de seu trabalho?
Tão espantoso quanto o tamanho é a rapidez com que o
movimento wesleyano se espraiou. De um pequeno grupo que
se reunia em classes e, Oxford e Londres em 1738, os metodistas
atingiram, conforme dissemos, um número superior a 70 mil na
Grã-Bretanha, no fim do século. O Metodismo tinha saltado o
Atlântico e quase 65 mil norte-americanos consideravam-se
seguidores de Wesley. O crescimento do Metodismo nos Estados
Unidos mostra a rapidez com que o evangelismo wesleyano
avançava. Em 1773, havia 1.160 metodistas arrolados nos
relatórios da conferência. Em 1784, o ano da histórica Conferência
de Natal, em Baltimore, o número era 14.988. Seis anos depois, o
recenseamento mostrava que esse número havia quase
quadruplicado, chegando a 57.631. De 1773 a 1790, a população da
América, aumentada pela imigração, havia crescido 75 por cento,
enquanto o número de metodistas havia aumentado mais de 5.500
por cento. O crescimento geográfico era tão surpreendente quanto o
crescimento numérico. Nos cinquenta primeiros anos após a morte
de Wesley, havia congregações metodistas missionárias não
somente na Europa, mas na África, na Austrália, nas ilhas dos
mares. Por volta de 1840, o movimento metodista havia
reproduzido, apenas em suas missões, toda a força numérica de seu
primeiro meio século.
O dr. Newton Flew, um ilustre teólogo metodista inglês,
compara o surgimento do Metodismo a um rio que nasce de uma
fonte misteriosa sob uma velha catedral. Um quarto de milha
depois de sua nascente, o rio cresceu tanto e é tão forte que faz
funcionar um grande moinho. Foi assim que o movimento
evangélico wesleyano veio ao mundo: com uma rapidez incrível,
semelhante ao da Igreja Primitiva.
Considere-se também o impacto do evangelismo de
Wesley na vida da Inglaterra. Aparentemente, as multidões que
ele reuniu foram as maiores na longa história religiosa do Reino.
Provavelmente ele tenha sido ouvido por mais pessoas durante sua
vida que qualquer outro ser humano até o advento do rádio. As
excitações emocionais e os fenômenos de massa se comparam aos
de Jonathan Edwards e os reavivamentos de Northampton, numa
escala maior.
Mas a influência de Wesley foi mais profunda do que um
recenseamento popular pode avaliar. Ele tirou a Igreja da
Inglaterra de sua sonolência. Onde ela era mundana e corrupta ele
levantou-a para novos padrões de espiritualidade. Conforme
escreveu Richard Green, o famoso historiador, Wesley e seus
metodistas "acabaram com o clérigo ausente e caçador de raposa".
Nos aspectos em que a Igreja havia se tornado dura e dogmática,
sua nova ênfase do evangelho suavizou o conceito mecânico e
severo de Deus e Suas relações para com o mundo, mitigando a
ortodoxia. Ele inflamou a Igreja com novo zelo missionário; as
Sociedades Bíblicas estrangeiras e britânica, a Sociedade de
Tratado Religioso, a Igreja e as Sociedades Missionárias de
Londres devem muito à iniciativa de Wesley. Ele derreteu o
sentimento religioso congelado da Igreja Anglicana e o derramou
em novos moldes, estampando-o novamente com significado
espiritual.
Wesley mudou o clima espiritual da Inglaterra. Quando
surgiu em cena, a Bretanha estava nas garras de uma Idade do
Gelo, mais conhecida na história como a Idade da Razão.
Muitos consideravam mortas a organização eclesiástica
bem como a vida cristã. Até o bispo Butler, famoso prelado e
adversário de Wesley, confessou: "Muitas pessoas chegaram
agora à conclusão de que o Cristianismo é fictício", ao mesmo
tempo em que uma ilustre personagem em visita às Ilhas
Britânicas, o ensaísta francês Montesquieu afirmou que quem
discutisse religião na Inglaterra do século XVIII seria
escarnecido.
A moral era correspondentemente baixa. Os estadistas
proeminentes eram incrédulos e sobressaíam-se pela conduta
irregular, enquanto as massas pobres eram ignorantes e brutais
num difícil grau de descrição. Wesley e seus evangelistas
trabalharam tão eficientemente que o século seguinte, a Idade
Vitoriana, representa o triunfo do ethos cristão como o reinado de
um soberano político.
Do solo da Inglaterra e do clima produzido pelo
Metodismo, cresceu uma safra humanitária que seria sua glória.
Citando Green mais uma vez: "O mais nobre resultado do
reavivamento metodista foi a tentativa constante, que jamais
cessou, desde aquele dia até os dias de hoje, de remediar a culpa,
a ignorância, o sofrimento físico, a degradação social dos
perdidos e dos pobres... Produziu uma nova filantropia que
reformou nossas prisões, infundiu demência e sabedoria às nossas
leis penais, aboliu o tráfico de escravos e deu o primeiro impulso
à educação popular".
A melhor evidência do modo pelo qual Wesley modificou
o clima espiritual da Inglaterra é a mudança de atitude de seus
patrícios para com o próprio evangelista. No diário de Wesley
temos um registro de quatro visitas bem espaçadas que ele fez a
um velho porto marítimo de Falmouth, em Cornwall. Elas
refletem a influência moderadora do reavivamento naquele lugar.
A primeira visita de Wesley foi em 4 de julho de 1745,
quando seu movimento estava apenas começando. Ele havia
cavalgado até a cidade para visitar uma mulher doente quando
uma multidão, formada principalmente por marinheiros do porto,
reuniu-se do lado de fora da casa. Berrava ordenando-lhe que
fosse lá para fora. Visto que ele não os atendeu, atiraram-se contra
a casa e tiraram a porta dos gonzos. Embora Wesley julgasse que
sua vida não valesse nada naquele momento, enfrentou a multidão
com sua calma habitual. Pediu uma chance para falar e a conteve
até que algumas pessoas da classe alta o socorreram, levando-o
em segurança a bordo de um navio Foi uma visita curta.
Sua segunda visita foi dez anos depois, em 2 de setembro
de 1755. Não houve motim desta vez, nem necessidade de escapar
para salvar a pele. A Sociedade Metodista havia construído um
edifício por essa época e Wesley nos conta que pregou a uma
congregação "profundamente atenta".
Foi a Falmouth pela terceira vez, quinze anos depois, em
30 de agosto de 1770. Desta vez ele não pregou no edifício
metodista, mas perto da Igreja Anglicana. Ele registra que falou
ao maior número de pessoas que jamais vira, com exceção da
multidão, há 25 anos.
Sua última visita foi em 18 de agosto de 1789. Deixemos
que seu Diário fale sobre aquele dia:
“À tarde, como não pudéssemos passar pela estrada
comum, procuramos passar por alguns campos e chegamos a
Falmouth em boa hora. Na última vez em que aqui estive (ele
se esquecera das visitas calmas feitas neste intervalo), cerca
de quarenta anos atrás, fui aprisionado por uma imensa
multidão que rugia como leões. Mas como as coisas estão
diferentes agora! Grandes e pequenos alinham-se na rua de
uma extremidade a outra da cidade, em amor e bondade,
clamando uns, espantados outros, como se o Rei estivesse
passando. À tarde preguei no topo da montanha, a pequena
distância do mar, à maior congregação que já vi em Cornwall,
exceto em Redrath , ou perto desta cidade. E não tenho
presenciado tal acontecimento desde que voltei da Irlanda.
Deus agiu maravilhosamente nos corações das pessoas, de
modo que todos parecem conhecer o dia de sua visitação.”
De um violento antagonismo, passando pela atenção,
depois para a aceitação e, finalmente, para a adulação – esta foi a
trajetória do progresso de Wesley em Falmouth e em quase toda a
Inglaterra.
Finalmente, o evangelismo de Wesley não apresenta
apenas o volume, a rapidez da realização e a força do impacto,
mas satisfaz o mais severo critério – a permanência dos efeitos.
Certa vez, Wesley disse que não esperava que seu movimento
durasse mais de uma geração, talvez trinta anos. Mas já se
passaram mais de dois séculos, e há poucos sinais de senilidade. O
efeito mais tangível, naturalmente, é a Igreja Metodista, a terceira
denominação protestante do mundo. De acordo com estimativas
criteriosas, há pelo menos vinte e três milhões de metodistas.
Algumas fontes afirmam haver trinta milhões. Está estabelecida em
todo o mundo e ainda evidencia, pelo menos, alguns traços da
vitalidade que abalou a Inglaterra do século XVIII.
As causas às quais o pai do Metodismo entregou-se, além
da evangelização, foram a educação popular, a filantropia, a
reforma social, a emancipação do negro e a paz mundial. E tudo
isto ainda é do interesse de seus filhos. Tem havido outros
reavivamentos que, por um breve período, aproximaram-se do
movimento wesleyano quanto à intensidade. O Grande
Despertamento na América comparou-se a ele em seus efeitos na
educação e nos interesses públicos. Mas, que evangelista pode
reinvidicar para suas obras consequências tão permanentes e vida
tão contínua como o pequeno professor de Oxford, que deixou
suas aulas para salvar as almas dos mineiros da Inglaterra do
século XVIII? Levando-se em conta todas as dimensões, o maior
movimento espiritual do Cristianismo moderno foi o
impulsionado por Wesley.
Qual foi o segredo de Wesley? Que podemos aprender dele
para nossa instrução? O que explica, não somente o alcance do
Reavivamento Metodista, mas também seus efeitos duradouros?
Em que poderíamos imitá-lo que tornasse possível um
renascimento do poder espiritual em nosso século tão necessitado?
Ninguém pode responder a estas perguntas com segurança, nem de
modo completo, porque os motivos profundos estão com Deus; o
vento do Espírito ainda sopra. No entanto, houve quatro fatores que
transformaram João Wesley na força evangelística que ele foi. O
propósito deste livro é expor esses fatores.
Bispo Nelson Luiz Campos Leite
Enviado por Silvio Dutra Alves em 11/05/2014
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