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João Wesley, o Evangelista – Parte 2
Capítulo II
A redescoberta da redenção bíblica Certamente, a realização de Wesley não pode ser explicada sem que se mencione, antes de tudo, sua redescoberta da experiência bíblica da redenção. Wesley sempre insistiu – acompanhado da maior parte dos grandes reformadores – que não estava trazendo qualquer novidade. Estava apenas restaurando "a velha religião bíblica". Seu movimento, a seu ver, era apenas um restabelecimento do Cristianismo do Novo Testamento. E qual é a marca registrada da religião bíblica? As Escrituras falam, naturalmente, com muitas vozes. Mas um tema que ressoa desde o Gênesis até o Apocalipse, é a mensagem da redenção: que o ser humano precisa ser salvo, que vale a pena salvá-lo, que ele tem um Salvador e, portanto, pode ser salvo. Todos os livros da Bíblia proclamam a pecaminosidade e loucura do ser humano. No entanto, Deus deseja salvá-lo, apesar de sua história lamentável, porque há nele algo digno, algo divino. As Escrituras registram as distâncias que Deus tem percorrido para recuperar a "imagem divina", e o Novo Testamento, especialmente, testemunha o seu resultado feliz. A Bíblia é o relato cronológico de homens e mulheres a quem Deus transformou: o gago Moisés, num poderoso homem de estado; Jacó, o suplantador, num príncipe de Israel; Isaías, um homem de lábios impuros no arauto de um redentor; Mateus, um coletor de impostos no escritor de um Evangelho; a mulher samaritana de João 4, uma mulher decaída à beira de um poço numa missionária; Paulo, um perseguidor implacável, feroz, no autor do hino de amor em 1 Coríntios. O mérito de Wesley é que ele redescobriu este fato primeiro para si mesmo, e depois o comunicou à sua geração. O dia da experiência de Aldersgate, que consideramos a data do início do Metodismo, é uma continuação do momento em que Isaías se sentiu transformado e do instante em que Paulo teve o encontro significativo na Estrada de Damasco. Eu disse que Wesley redescobriu a redenção bíblica. Isto é verdade, porque a noção de redenção tinha se evaporado do Cristianismo do século XVIII. O senso da presença de Deus - a fonte da experiência evangélica - estava ausente. O sermão da época era um ensaio moral lido sem ardor. Havia pouco no sermão que despertasse esperança, temor ou amor, e nada que atraísse ou salvasse os perdidos. O pregador dessa época não esperava que alguém fosse "salvo" como consequência de sua homilia; portanto, é claro que ninguém o era. O pregador seria o primeiro a surpreender-se diante de uma transformação repentina de caráter em seu ministério; e, se a mudança fosse acompanhada de emoção, ele ficaria bastante aborrecido. E foi no meio do congelamento ártico de tal época que o coração de Wesley foi "estranhamente aquecido". Num mundo inadequado ao evangelismo, ele experimentou a salvação. Naturalmente, sua experiência de redenção não foi a de uma missão Bowery (a Missão aos alcoólatras de um bairro de Nova York). Aldersgate não o livrou da luxúria, da bebedeira ou da criminalidade. Não representa a conversão aos preceitos de Cristo, ou um retorno da indiferença religiosa. Aldersgate marca uma onda contrária aos inimigos espirituais que o flagelavam. Não é difícil enumerá-los. Um deles era a concepção legalista da religião que professava. Esforçava-se para ser bom – e naturalmente falhava – mas Aldersgate o livrou desta necessidade. A interpretação que mais tarde Wesley deu a essa experiência é que ele passara da condição de servo à de filho. Sua condição não era a do filho pródigo, que se atirou penitentemente aos pés do pai misericordioso. Era a condição do irmão mais velho que estivera trabalhando inutilmente na casa do pai, sem sentir os privilégios do amor. No início, Wesley experimentou a graça que aceita a intenção das obras, que faz concessões às omissões humanas e considera cada manhã um novo dia. Wesley chegou a Aldersgate como uma vítima da fadiga espiritual que finalmente apanha aquele que aspira à perfeição . O que lhe aconteceu naquela reunião de oração é amplamente sugerido pela recente tradução indiana do Salmo 23, "Ele ungiu minha cabeça com óleo": "Ele põe Sua mão sobre minha cabeça e o cansaço se vai". Outro inimigo espiritual foi a indiferença emocional. O senso do dever, que lhe era tão característico , pesava sobre ele como uma armadura. Sua religião era antes um peso do que algo que trouxesse alívio. Ele ansiava por algo que nutrisse sua vida emocional. Desejava, talvez inconscientemente, algo que trouxesse satisfação a seus sentimentos, porque realmente não vivemos enquanto não sentimos. Aldersgate alijou a fraqueza emocional que tão frequentemente acompanha "a noite do legalismo" (uma expressão utilizada por Wesley para descrever os que ainda não tinham passado por uma experiência pessoal de fé, cf. Gl 3.19ss) . Uma vez mais, Wesley estava tendo problemas com seus inimigos. Ele nos conta que o primeiro efeito tangível do aquecimento do coração foi que ele começou a orar "com todas as minhas forças por aqueles que me haviam, de maneira especial, perseguido e caluniado". Provavelmente ele já havia orado por Williamson, Causton, Sofia Hopkey e outros que o haviam humilhado na Geórgia. Mas agora ele o fazia com "todas as suas forças". O coração juntou-se numa desinibida vontade no amor cristão. Se compararmos, usando uma imagem bem crua e, à primeira vista, até inepta, Aldersgte foi para a carreira (cf. 2 Tm 4:7) de Wesley o que uma plataforma giratória, ao final da viagem, é para uma locomotiva. Ela marca o fim de uma viagem e o início de outra. A locomotiva vai percorrer o mesmo caminho de onde veio. Durante a volta, a pessoa percorre o mesmo território , pára nas mesmas estações, é acompanhad a das mesmas pessoas, no entanto, tudo é diferente, porque as paisagens anteriores são vistas sob nova perspectiva, devido à mudança de direção. À medida que Aldersgate se perdia no tempo, parecia ter menos significado para Wesley. Mas esse acontecimento marcou o início do fim da religião legalista, da frieza emocional e do orgulho enfadonho, frente à crescente satisfação da fé que age pelo amor. Foi uma experiência verdadeiramente redentora – em nível de Wesley. Sua descoberta foi, sem dúvida, crucialmente importante para ele. Para uma coisa ela o inflamou: para a tarefa evangelística. Sempre que o ser humano se aproxima de Cristo, o velho drama se reinicia: Cristo o transforma em pescador de homens. Ele evoca a urgência da evangelização ao revelar sua primordial importância. Ao ser colocada em prática , o senso de sua importância cresce. Um hoteleiro, em cujo estabelecimento Wesley parou certa vez, perguntou-lhe quanto ganhava por ano para pregar. Depois de citar certa quantia, Wesley acrescentou que sua recompensa principal era a certeza de que por sua pregação muitas pessoas estavam sendo salvas. O hoteleiro ficou mudo de espanto. No entanto, para aquele que havia experimentado a salvação, esta resposta era perfeitamente compreensível. O encontro místico de Wesley em Aldersgate preparou-o para compreender simpaticamente as experiências de seus seguidores incultos, cujas relações com Deus ficavam quase sempre em níveis baixíssimos. De seu contato com a redenção surgiu a poderosa dedicação de sua vida. Ela fez dele o que Rufus Jones costumava chamar "uma pessoa de um único objetivo" –"Esta coisa faço". Ela foi o foco de sua vida e tornou tolerável o sacrifício que sua carreira lhe traria. "Não é por prazer que a esta altura de minha vida viajo três ou quatro mil milhas por ano", escreveu para o Dublin Chronicle em 1789. Não, não era por prazer, e, sim, pela paixão de ser mediador da divina graça que havia abençoado tanto sua própria vida. Esta paixão subtraiu-o das salas de aulas, das campinas e "da amabilidade esculpida que é Oxford", para servir às massas; preparou-o para seus encontros com as multidões hostis. Manteveo firme quando seus próprios seguidores pareciam desesperadamente perdidos. Não, não era por prazer que se mantinha firme no trabalho, mas pelo anseio de compartilhar o que de mais profundo possuía em sua própria vida, que conservou para sua tarefa". A descoberta de Wesley não lhe deu somente a inspiração necessária para o trabalho; ela o supriu com uma certeza inabalável da qual ele partia e à qual recorria em momentos em que era atacado e repudiado. Estava convencido de que o pecado é a raiz dos males da vida e sabia que o ser humano podia ser salvo. Quando os críticos levantavam dúvidas quanto à validade de seus ensinos, ele se referia sempre ao testemunho do homem citado no Evangelho de João que se havia lavado no Poço de Siloé: "Eu era cego e agora vejo". E quando um bispo anglicano argumentou que Wesley não tinha o direito de pregar o evangelho, dizendo: "Eu (o bispo) desconheço sua ordenação para pregar de um lado para outro, fazendo a obra de um evangelista itinerante", Wesley retrucou: "Talvez o senhor desconheça. Mas eu sei, eu sei que Deus colocou isto em minhas mãos". Um grego disse: "Dá-me um fulcro (base, ponto de apoio, suporte) onde firmar minha alavanca e moverei o mundo". A experiência da redenção foi o fulcro de Wesley. A descoberta de Wesley foi de importância decisiva não somente para si próprio, mas para as pessoas a quem ele pregava. Essa descoberta proveu-lhes com o tipo de religião que pode ser experimentada. Era empírica, verificável. A religião tradicional ensinava que Cristo havia realizado uma grande obra por nós. Wesley revelou o que Cristo pode fazer em nós. Ele proclamou um tipo de salvação que pode ser conhecido, e em dois sentidos. Primeiro, ela pode ser conhecida interiormente pelo próprio praticante. Ela pode ser sentida. Há uma percepção direta. Em seu conhecido sermão "O Testemunho do Espírito" , Wesley pergunta: "Como se pode distinguir a luz da escuridão; ou a luz de uma estrela, de uma vela incandescente, da luz do sol do meio-dia? Quando nossos sentidos são sadios, percebemos a diferença. Do mesmo modo, uma pessoa sabe imediatamente se está habitando na luz espiritu al ou na escuridão, se seu coração está incandescente de gratidão para com o Doador de toda a boa dádiva e se está aquecido com benevolência para com toda a humanidade ". Em segundo lugar, e ainda mais significativo, Wesley pregou um tipo de religião que pode ser conhecido externamente pelos outros além do praticante. Ele não somente oferecia certeza subjetiva, mas exigia validade objetiva. Sua religião supria os homens com força moral, com um poder tão decisivo para conquistar as coisas que os havia derrotado, que qualquer observador imparcial com dois olhos no rosto poderia verificar isto. Seu diário é uma exposição viva de homens e mulheres cujas vidas haviam sido renovadas pelo evangelho. Nele há o relato de um barbeiro que passou doze meses sem beber, embora tenha sido "um dos bêbados mais conhecidos de toda a cidade" até encontrar-se com Wesley. Há um tropeiro a caminho do prostíbulo que, convidado por um metodista para participar de um culto de vigília, sai de lá se regozijando no caminho estreito. Há um esposo que testifica que os metodistas silenciaram a língua rabugenta de sua esposa. Há uma pobre alma desesperada, afastada do suicídio. Não é de se admirar que este tipo de religião, capaz de operar tais milagres morais, tenha se espalhado pela Inglaterra. Este tipo de religião, reproduzível na experiência de todo ser humano, teve uma tremenda força apologética sobre os espíritos confusos e indiferentes do século XVIII – e ainda o tem em nosso próprio século. Até mesmo o homem iletrado, quando interpelado sobre as doutrinas de Wesley, poderia dizer como o montanhês de Kentucky, quando lhe perguntaram se cria no batismo infantil. "Se creio? Homem, já assisti a um!" Assim aconteceu quando o bispo de Londres perguntou pelas credenciais de Wesley. E este escreveu em réplica: “Pelos frutos conhecerei... a nuvem de testemunhos, que a este tempo experimenta o evangelho que prego, o evangelho que é o poder de Deus para a s alvação. O beberrão habitual de antes é agora temperado em todas as coisas. O libertino agora foge da fornicação. O que roubava, não rouba mais, mas trabalha com suas próprias mãos. Aquele que blasfemava ou jurava, talvez em cada sentença, aprendeu agora a servir ao Senhor e a regozijar-se nele com reverência. Àqueles antes escravizados a vários hábitos pecaminosos foram trazidos novos hábitos de santidade. Estes fatos são demonstráveis. Posso citar os nomes destes homens e seus respectivos endereços. ” Este tipo de evidência de fé é irretorquível. Colocando a questão num ângulo ligeiramente diferente, o evangelismo wesleyano ganhou a aceitação do mundo porque oferecia às pessoas – no melhor sentido – aquilo que elas desejavam. No fundo, a humanidade deseja, mais que tudo, ser salva. Naturalmente, o ser humano está quase sempre cego àquilo de que realmente precisa e mais cego ainda quando encontra a resposta exata aos seus anseios. No entanto, a vasta maioria da raça humana é vítima do mal. Seu carcereiro pode ser o álcool, o cigarro, a tendência à fofoca, o temperamento, a inseguranç a, o fracasso vocacional, o sentimento obcecado sobre a inutilidade da vida. Qualquer que seja sua prisão, todos os filhos de Adão têm um desejo comum, profundo, de libertação. O pregador de uma religião que pode prometer a libertação destes males, que pode oferecer a vida eterna, que pode persuadir a humanidade, e pode cumprir estas promessas – esse pregador tem o mundo em seu bolso (tem controle e vantagem na situação, avantaja-se, progride, vence, tem sucesso em sua empreitada). Aqui está o segredo do poder de Wesley. Nas palavras do bispo Watkins, ele libertou milhares de homens, das coisas que os escravizavam. Uma experiência de redenção como esta que vimos expondo, pressupõe, naturalmente, um Deus muito próximo de nós. O único Ser que pode cooperar para a nossa salvação é Aquele que se interessa pelos problemas humanos. Um Salvador deve estar pronto a atender às necessidades humanas, ou então não é um Salvador. Para usar o termo filosófico, um Deus salvador deve estar "imanente" em sua criação. Deve residir em seu mundo do mesmo modo como um espírito habita um corpo. Não deve tão somente ser onipresente em seu auxílio, mas estar próximo em simpatia. Deve sentir nossas enfermidades. Mais que tudo, deve possuir o poder de revelar -se em termos que a inteligência finita possa compreender. Somente um Deus que está próximo de nós em presença, em simpatia e em revelação está apto a nos auxiliar quando as aflições nos oprimem. Um Deus distante não será de valia quando se trata de salvar uma raça atolada na lama. A impotência do deísmo do século XVIII devia ater-se a este ponto. Porém, o Deus de Wesley estava perto dos homens, às vezes embaraçosamente perto. Temos a impressão de que o Senhor estava sempre junto ao cotovelo de Wesley, para validar as suas orações. Ele nos conta que em Yarm a chuva cessou depois de dois ou três minutos em resposta à oração. Em Newcastle, a chuva ameaçava cair, mas não caiu enquanto o pregador não terminou o sermão – chovendo depois, abundantemente. Wesley comenta: "Como Deus regula bem o tempo dos pequenos e dos grandes eventos, para o avanço do seu reino!". Em Newell-Hay: "No momento exato em que comecei a pregar, o sol saiu e brilhou fortemente sobre minha cabeça. Percebi que, se continuasse, não poderia falar durante muito tempo e elevei meu coração a Deus. Em um minuto ou dois o sol estava coberto por nuvens, permanecendo oculto até o término do culto. Aquele que preferir pode chamar isto de acaso. Eu chamo de uma resposta à oração". Durante uma viagem de volta ao continente, vindo da Ilha de Alderney, seu barco começou a ser impelido para as rochas. Wesley orou e o vento mudou de direção tirando-os da dificuldade. Mais tarde, quando o navio acalmou, todos se entregaram à oração. O vento continuou soprando e os levou para a terra a salvo. Ele salvou um edifício do fogo por meio da oração. Em outra ocasião memorável, orou por seu cavalo coxo, que alguém lhe disse estar irremediavelmente aleijado, e o cavalo melhorou enquanto caminhava. Esta teologia da imanência era deliberada da parte de Wesley. As Escrituras falam de um Deus paternal, de um Ser providencial. Para Wesley, não havia sentido em falar sobre uma Providência, a menos que se tratasse de uma Providência específica. Afirmamos que Deus é Criador. Mas Ele não criou de um modo geral. Criou seres específicos: o dr. Fletcher de Madeley, os penhascos brancos de Dover, o cavalo branco que Wesley cavalgava. Deus é Consciência. Se Deus é Consciência, Ele tudo conhece; e conhecer realmente é imbuir-se dos detalhes. A mente que conhece de modo generalizado, mas não domina as particularidades, não é digna de ser chamada divi na. Deus é Amor. Mas o que ama de verdade não ama a humanidade de modo geral. A afeição de Deus focaliza o indivíduo em particular. Deus é Redentor. Por toda analogia ele está interessado em pessoas particulares e emprega ocasiões expressas e meios definidos para salvá-las. Isto significa que Ele deve estar perto da sua criação, onipresente nela. Quando Wesley elaborou instruções para o ensino religioso das crianças, advertiu contra a generalização da educação religiosa. Ao contrário, ele admoesta: “Desde os primeiros albores (alvores, as primeiras luzes, alvorada) da razão inculque (repita com insistência para gravar na mente e no espírito, aprenda e/ou ensine, descubra e/ou aconselhe) continuamente que Deus está aqui e em toda parte. Deus fez a você, e a mim, e a terra, e o sol, a lua, tudo. E tudo é dele: o céu, a terra e tudo que neles há. Deus ordena todas as coisas. Ordenou ao sol que brilhasse, ao vento que soprasse e às árvores que dessem frutos. Nada surgiu por acaso. Esta palavra é tola: o acaso não existe.” Ou, como ele escreveu em outro lugar: “Deus está em todas as coisas e... devemos ver o Criador em todas as criaturas: não deveríamos usar ou olhar nada como algo separado de Deus, porque isto, na verdade, é um tipo de ateísmo prático; mas, com verdadeira magnificência de pensamento, pesquise os céus e a terra e tudo que neles há, como se estivesse no côncavo de sua mão, o qual pela sua presença íntima mantém-nos em exist ência, o qual penetra e atua em todas as criaturas e que é, na verdade, a alma do Universo.” Inquestionavelmente, uma visão imanente de Deus tal como a de Wesley é um escândalo para a teologia dominante do nosso tempo. A moda, agora, é enfatizar a transcendência de Deus. Naturalmente, Wesley também acreditava na transcendência de Deus, porque reconhecia que a deidade é algo muitíssimo além do ser humano, objetivamente real, e não uma simples projeção do nosso pensamento. No entanto, pode-se dizer, e isto favorece Wesley, que dificilmente surge um reavivamento redentor baseado na transcendência de Deus. Um ser, como a deidade de Karl Barth, que permanece em "infinita diferença qualitativa" da criação, está demasiado longe para medicar os males do ser humano. O universo sideral, com toda sua extensão, é uma prova da infinitude de Deus e aniquila a centralização divina ao redor do ser humano, mas é a proximidade de Deus que elabora a salvação do homem. Para concluir esta seção, que podemos nós fazer para restaurar o poder redentor do Metodismo primitivo? Às vezes ouvimos pessoas devotas orarem por outra experiência como a de Aldersgate. Se temos consciência do que pedimos, na plenitude de suas dimensões, é uma súplica legítima. E improvável, no entanto, que a experiência redentora, da qual Aldersgate é um alto símbolo, seja alcançada por meio da petição. A salvação no sentido espiritual vem por meios indiretos. Ninguém pode ser salvo simplesmente porque assim o deseja, como não pode resolver esquecer alguma coisa – a resolução chama pela memória. Se a vontade fosse a única exigência, a experiência de Aldersgate não teria sido necessária, pois a Wesley não faltava vontade. Não podemos racionalizar nosso caminho para a redenção. A salvação não vem pelo esforço, mas pelo contato íntimo com o Salvador. Aqui está a importância do estudo bíblico. Se quisermos reproduzir a experiência de Aldersgate em nossa época, devemos nos expor às forças espirituais que a evocaram pela primeira vez, das quais as Escrituras são as mais importantes. Em suas tentativas para explicar o Pai do Metodismo, os eruditos têm negligenciado talvez o mais potente fator de todos - a Escritura na qual ele verdadeiramente viveu, se moveu e teve seu alimento espiritual. A experiência de Aldersgate não veio a uma borboleta humana (um borboleteador, alguém que “voava" e vagueava superficialmente" pela Bíblia, incapaz de fixar atenção) mas a um sincero estudioso da Palavra de Deus. Tanto seu pai quanto sua mãe haviam escrito livros sobre a Bíblia; assim, ele aprendeu sobre as Escrituras desde cedo em sua vida. Ele nos conta que em seus dias de estudante resolvera ser um "homo unius libri" (homem de um único livro). Sabemos que ele esquadrinhou especialmente o Livro de Atos, com seus relatórios sobre idade de ouro da Igreja Primitiva. Leu Romanos com suas declarações vivas da experiência de Paulo. Estudou o Sermão do Monte com suas injunções à perfeição. Como poderia uma alma sensível e pesquisadora expor-se à experiência e à mensagem do Senhor dos Apóstolos sem ser possuída por um desejo apaixonado de reproduzir os sinais e maravilhas daqueles dias primitivos? A Bíblia entra bem fundo no cerne da experiência de Aldersgate! Em 24 de maio de 1738, Wesley consultou duas vezes a Bíblia, uma vez em 2 Pedro, outra em Marcos 12. À tarde ouviu o coro da Igreja de São Paulo cantar o Salmo 130. Mais tarde (muito significativam ente) durante a leitura do comentário de Lutero sobre a Epístola aos Romanos, Wesley teve seu coração aquecido. Note como ele descreve sua experiência quase inteiramente em termos bíblicos. Ele sentiu que havia sido salvo "da lei do pecado e da morte" (uma expressão paulina). Começou a orar por aqueles que "o perseguiam e o caluniavam" (uma citação direta de Mateus). Fala sobre o estar sob a lei e a graça (categorias paulinas). Depois diz que em Aldersgate passou de servo a filho reminiscência da parábola do Filho Pródigo. As ideias (expressões ) bíblicas eram as moedas com que seu espírito fazia transações e refletem os longos e duros labores na sua aquisição. Sempre pensamos na função reguladora das Escrituras. O próprio Wesley a concebia deste modo. Não devemos esquecer, contudo, sua função geradora. As Escrituras Sagradas têm o poder de evocar a fome e a sede de justiça e também a comunhão com Aquele que pode atender às nossas necessidades, condição essencial para a comunhão com Ele. Não podemos desejar ter uma experiência religiosa. Mas, pelo estudo fiel das Escrituras, podemos colher a lenha, confian tes de que Deus proverá o fogo em tempo certo. Bispo Nelson Luiz Campos Leite
Bispo Nelson Luiz Campos Leite
Enviado por Silvio Dutra Alves em 11/05/2014
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