João Wesley, o Evangelista – Parte 3
Capítulo III
O desenvolvimento da experiência da redenção
O poder evangelizador de Wesley nasceu não somente de
sua redescoberta da experiência bíblica da redenção, mas do fato
posterior de estender as implicações da experiência em todas as
direções. Ele a desenvolveu completamente — universalizou-a,
eternizou -a, em três aspectos.
1 - Estendeu-a à vida toda.
Wesley teria concordado com D. L. Moody em que ser
cristão não exige muito da pessoa; exige tudo, absolutamente
tudo. A salvação é mais do que uma mera resposta a um chamado.
É mais do que o perdão dos pecados. E mais que a "justificação",
para usar a linguagem da teologia. Ela deve levar à santificação.
Às vezes a conversão é chamada de "novo nascimento".
Mas, para que serve o novo nascimento, se depois de nascer a
pessoa não vive? Como é trágico nascer e nunca crescer,
permanecendo a vida toda um anão religioso, um idiota espiritual.
Em nosso desenvolvimento religioso começamos a
conhecer a Cristo através do nosso contato com as Escrituras e
com a comunidade cristã. Depois, o aceitamos pela fé, que ocorre
na conversão. Finalmente, o incorporamos; reproduzimos — tanto
quanto nossa natureza o permite —a Encarnação que estava nele.
Os dois primeiros estágios ficam incompletos sem o
terceiro. Wesley nunca se cansava de dizer às suas sociedades
vacilantes que elas nunca prosperariam enquanto não pregassem e
avançassem da conversão à santificação.
Wesley identificava a santidade com a plenitude. Nos
primórdios de sua obra ele falava da "ausência de pecado" como
sinônimo de "santidade". Mas ele nunca afirmou ser "isento de
pecado" e teve tantos problemas em suas sociedades com os "nãopecadores"
professos, que sua ênfase tendia a tornar-se silenciosa.
Quando, finalmente, suas ideias se cristalizaram, a santidade
passou a significar completa dedicação da vida (a mente, o
coração, a alma e as forças) ao serviço do Senhor. É o
oferecimento de todos os pensamentos, palavras e ações como um
sacrifício espiritual.
Em duas de suas bem conhecidas cartas, Wesley definiu a
perfeição cristã de cinco maneiras diferentes:
1. "Amar a Deus de todo o coração."
2. "Ter um coração e vida completamente devotados a Deus."
3. "Recuperar a imagem integral de Deus."
4. "Ter toda a mente de Cristo."
5. "Andar uniformemente como Cristo andou."
Note que as definições têm termos que sugerem
universalidade ou totalidade - "todo", "completamente",
"integral", "uniformemente". A ideia de Wesley acerca da
salvação se opõe a toda noção de libertação fragmentada do mal.
Para ele, a alma verdadeiramente salva é aquela completamente
redimida.
A) Esta integridade encerra, naturalmente, a vida religiosa
completa em suas três formas: fé, obras e a Igreja. A salvação
pela fé é, naturalmente, uma doutrina fundamental de João
Wesley, como era para reformadores. Ninguém pode vir a Deus a
não ser que creia na sua existência. O edifício da redenção
descansa na fé, que Wesley definiu de muitas maneiras, mas
sempre em harmonia com o pensamento de que a "fé é uma
verdadeira confiança em Deus, que pelos méritos de Cristo nossos
pecados são perdoados e somos reconciliados com Deus". A fé é
um dom de Deus, uma capacidade forjada no ser humano para que
ele perceba e responda ao reino espiritual, análoga ao anseio pelas
coisas materiais. Entramos na vida de fé pelo arrependimento.
Wesley às vezes o chamava de alpendre (varanda de uma casa) da
religião, sendo a fé a porta (de entrada na casa) e a santidade a casa
(a parte interna da casa). O arrependimento é uma convicção do
pecado e a tristeza dele decorrente leva o pecador a dar as costas ao
passado, repudiar seus erros e viver segundo a fé na misericórdia de
Deus. Para empregar uma frase de Wesley, as pessoas devem ser
feridas, antes de irem à procura do único Médico que as pode curar.
A fé produz o segundo componente da vida religiosa
integral: as boas obras. Ninguém estará definitivamente salvo de
acordo com Wesley, se não praticar todas as boas obras que
puder, segundo as oportunidades. Se uma pessoa que foi
justificada não fizer o bem, perderá a graça que recebeu; e se não
se arrepender e praticar as boas obras, estará em condenação
eterna.
Uma das razões pelas quais Wesley tinha constantes atritos
com os moravianos é que eles estavam satisfeitos em identificar a
crença em Cristo com a piedade, sem sentir a urgência de guardar
Seus preceitos. Wesley combateu também a "pregação
evangélica" de seu tempo, caracterizando-a de "inútil, senão
prejudicial", porque consistia de discursos detalhados sobre os
ferimentos de Cristo ou sobre a salvação pela fé, sem inculcar o
cumprimento do dever cristão. Ele criticava energicamente a
Lutero, porque este depreciava a lei de Cristo em deferência à fé.
De acordo com o pensamento de Wesley, as boas obras são
inseparáveis da vida religiosa.
Wesley conhecia, naturalmente, o engano de considerá-las
o meio para se alcançar a salvação. Ele sabia como as boas obras
podem provocar o desespero na alma conscienciosa, que havendo
feito o melhor possível, percebe que ainda é um servo inútil.
Como pastor, Wesley sabia como o apelo às boas obras pode
despertar falso orgulho em alguns e também o espírito
hipercrítico , enquanto em outros, levaria ao nível trivial do
escoteiro (“uma boa ação a cada dia”). Mas, apesar de todos os
perigos, Wesley nunca esmoreceu na pregação da necessidade de
se praticar boas obras. Ele nunca perdeu uma oportunidade para
desmascarar os "antinomistas" que pensavam que a dispensação
da graça os havia desobrigado das exigências da lei moral (ou
seja, que a fé não precisava apresentar frutos, que o salvo por
Jesus estava dispensado de fazer o bem e praticar boas obras).
Wesley nos deixou em seu Diário um quadro clássico e
inconscientemente humorístico sobre este grupo, com sua
refutação:
“Conversei com um que, segundo conselho do seu
pastor, havia calma e deliberadamente batido em sua
esposa com uma vara até que ela ficou roxa da cabeça aos
pés. Era seu dever fazer isto, porquanto ela era insolente,
de natureza ruim; e ele estivera cheio de fé durante todo o
tempo em que o fazia, e tem continuado assim desde
então.”
Não é uma questão de fé ou de obras, é claro, e, sim, de se
obter uma relação adequada entre ambas. A realização de boas
obras com a intenção de ser salvo é armadilha do legalismo. Por
outro lado, pensar que a pessoa pode parar na fé é uma heresia
paralela à dos "antinomistas".
O que Wesley se esforçou ao máximo para demonstrar é
que devemos começar pela fé - o único meio de salvação. Mas, se
esta fé for verdadeira, produzirá boas obras como prova de sua
genuinidade. Para usar uma figura de linguagem usada por
Wesley, a santidade é uma árvore da qual a fé são as raízes, e as
boas obras, os frutos. Ou, para substituir esta figura pela de João
Byron, a cujos versos Wesley se refere:
“O aço ou a pedra, sozinhos, não produzem fogo,
Nem voa a centelha enquanto ambos não concorrem.
Nem a fé sozinha, ou as obras, são de valor.
A salvação surge quando se unem.”
Finalmente, para tornar as obras e a fé inseparáveis da
salvação, exige-se o terceiro elemento do triunvirato: a Igreja.
Wesley insistia em que a vida religiosa exige a comunhão
tradicional dos crentes. Ele escreveu em 1788:
"Eu sou um homem da Igreja da Inglaterra, e como
disse há cinquenta anos atrás, digo agora ainda: na Igreja
viverei e morrerei, a menos que eu seja lançado fora dela."
Ele insistia em que seu movimento metodista ficasse na
Igreja Anglicana. "Quem se separar da Igreja," decretou ele,
"separar-se-á dos metodistas". Quando a Sociedade Metodista de
Deptford resolveu deixar a Igreja da Inglaterra, ele lhes disse
rudemente que jamais veriam sua face novamente. Ele não
permitia que suas sociedades se reunissem em horários que
coincidissem com os cultos da igreja. Aplicava a disciplina em
seus próprios pregadores se eles injuriassem os anglicanos. Exigia
dos membros de suas sociedades que frequentassem a igreja e, às
vezes, ele próprio os levava para o culto na paróquia.
Frequentemente, neste país, temos assistido a tristes
espetáculos, em que evangelistas invadem comunidades locais
para ridicularizar e minar os trabalhos dos pastores e da igreja.
Estes agitadores não pertencem à companhia de João Wesley, o
maior de todos os evangelistas.
B) A salvação e a santidade incluem não somente a
disposição religiosa, mas as atitudes sociais também. Dizia Wesley
que o "Cristianismo é essencialmente uma religião social, e tornálo
uma religião solitária é destruí-lo... O evangelho de Cristo não
conhece outra religião senão a religião social; nenhuma santidade
senão a santidade social". O amor é a marca do homem salvo, o
ideal aspirado por todo cristão.
Um hino de Wesley diz assim:
“Oh! Permite que nada em minha alma
Habite senão teu puro amor.
Oh! Possa teu amor possuir -me todo,
Minha alegria, meu tesouro, minha coroa.
Paixões estranhas de meu coração remove.
Sejam de amor meus atos, palavras e pensamentos. ”
O teste de Wesley para uma sociedade religiosamente
próspera era o amor. "A chama do amor corre de coração em
coração", escreveu ele sobre uma reunião, "e poucos corações
permaneceram intocáveis". Era uma realidade da presença de
Deus.
Aos olhos de Wesley, nada substitui o amor. A correção da
doutrina não permanece firme. Wesley escreveu a respeito de um
certo dr. John Edwards, cujo orgulho e falta de caridade para com
os inimigos era deprimente:
"Seja sua opinião certa ou errada, se o temperamento
do dr. Edwards fosse um temperamento cristão, eu abjuraria o
Cristianismo para sempre".
A retidão não atenua o temperamento não-amoroso.
Wesley ousou censurar até mesmo o poderoso profeta João Knox
por causa do "espírito violento, amargo e picante" do seu livro
História da Igreja da Escócia. Como administrador, Wesley
louvava a harmonia em sua organização. No entanto, a única
unanimidade que ele exigia era a do coração.
Wesley traduzia o amor em serviço pessoal às necessidades
humanas. Ele antecipou o evangelho social; a noção da obrigação
cristã de converter não somente os jogadores (as pessoas), mas,
também, as regras do jogo (o meio social, a cultura, política, leis,
tradições, etc...) foi uma visão que viria mais tarde. Seu "evangelho
social" foi o terno ministério de pessoa para pessoa. Ele incitava os
ricos a que não somente enviassem ajuda aos pobres mas que a
levassem pessoalmente, tanto por amor do receptor como do
doador; do doador, "por estar muito mais apto a amolecer nosso
coração, e fazer-nos cuidar naturalmente uns dos outros"; do
receptor, "por ser mais confortável para ele e por podermos
ajudá-lo no campo espiritual bem como no temporal". Wesley
praticou o amor que pregava através do seu recolhimento de
roupas para os pobres, sua doação de remédios, e seu cuidado
pessoal para com os desamparados.
C) A santidade significa desejos e sentimentos santos.
Significa amar as coisas que devemos amar – todas elas. A
verdadeira santidade infiltra-se pelas molas da ação e reveste-as
com uma nova qualidade. Ela inunda até mesmo os reinos
sombrios do subconsciente. "São santos os vossos sonhos?",
perguntava Wesley em suas conferências.
A perfeição cristã significa ardor de sentimentos. Wesley
teria concordado com o general William Booth, fundador do
Exército da Salvação, que uma reunião religiosa é como uma
xícara de café: não é boa senão quente.
Wesley sempre se sentia deprimido se, como os
comentários do seu Diário mostram, não conseguisse causar
emoção: "Mortos como pedras, perfeitamente quietos e
perfeitamente desinteressados". "Preguei na capela de
Rotherhithe, um lugar frio, sem conforto, a um punhado de
pessoas que pareciam tão afetadas pelo sermão quanto os bancos
em que se sentavam."
Por outro lado, uma reunião de sucesso era "viva", ou
havia uma "vibração agitada nos ossos frios". Wesley poderia
afirmar que em uma reunião de testemunhos ele sempre sabia se
estava ouvindo a um metodista se ele começasse seu testemunho
com as palavras: "Eu sinto..."
Depois do amor, os sentimentos específicos mais
mencionados são o gozo e a paz. "Todos os crentes deveriam
encontrar prazer na vida", escreveu Wesley. Ele jungiu (uniu,
atou, ligou) a santidade à felicidade, acreditando que um
indivíduo verdadeiramente devoto não pode ser infeliz, porque os
propósitos de Deus não são de que sejamos miseráveis; já os maus
não podem ser permanentemente felizes. O Espírito de Deus não
traz somente alegria, mas, também, calma. Como escreveu
Wesley, depois que o vento se acalmou na viagem de regresso da
Geórgia:
"Não posso conceber qualquer diferença comparável
à que existe entre um mar calmo e um furioso, mas há
diferença entre a mente acalmada pelo amor de Deus e a
mente agitada pelas tempestades das paixões terrenas".
Os sentimentos puros são como as boas obras: um
subproduto, um sintoma de saúde da alma. Se vivemos
corretamente em nossas relações verticais (com Deus) e
horizontais (com o próximo), sentimo-nos bem. Mas estes
sentimentos não devem jamais ser procurados como um fim em si
mesmos (eles são uma consequência e não um alvo). Eles não
existem para que os busquemos, tão somente. Phillips Brook
escreveu certa vez:
"Não dê valor ao sentimento que não seja filho da
verdade e pai do dever".
Wesley concordaria com isto. Os sentimentos genuínos
surgem espontaneamente de nossa percepção, pela fé, da bondade
divina e tornam-se, em troca, um gerador de boas obras.
D) A santidade inclui a salvação da mente, a libertação da
grosseria e da falta de conhecimento da cultura. O evangelismo
que agradece a Deus por sua ignorância e ridiculariza a
aprendizagem não tem o apoio de João Wesley. Ele reunia seus
pregadores incultos das minas e carpintarias e ensinava-lhes
teologia sistemática, lógica e retórica, como fazia com seus alunos
em Oxford. Ouça as suas instruções sobre a leitura:
“Falamos ou lemos sobre história, ou qualquer outra
coisa que esteja à mão. Devemos, absolutamente devemos
curar este mal, ou trair a causa de Deus. Mas como? Leia os
livros mais úteis, regular e constantemente. Gaste toda a
manhã, ou pelo menos cinco horas em cada 24 neste
empreendimento, com constância. "Mas eu leio somente a
Bíblia." Então você só deve ensinar aos outros a ler a Bíblia,
e por amor à congruência, ouvir a Bíblia tão-somente. Mas,
neste caso, você não precisa pregar mais. Assim fazia George
Bell. E qual foi o fruto? Ele não lê mais a Bíblia nem coisa
alguma. Isto é entusiasmo grosseiro. Se você não precisa de
qualquer outro livro além da Bíblia você é superior a São
Paulo. Ele desejava outros livros também. "Traga os livros",
diz ele, "mas, especialmente os pergaminhos", aqueles
escritos em pergaminho. "Mas eu não tenho gosto pela
leitura". Adquira o gosto pelo desenvolvimento do hábito, ou
volte para seu ofício. "Mas eu não tenho livros". Eu lhes
darei livros, a cada um vocês, tantos quantos forem capazes
de ler, livros no valor de 5 libras... ”
Ele estava interessado nas boas maneiras metodistas. Disse
a um amigo, certa vez, que sua mãe costumava trazer um
professor de dança à reitoria para que ensinasse boas normas
sociais à família. Wesley confessou que se se pudesse arranjar
um, ele ficaria "contente em poder ensinar a todos os seus
pregadores, mesmo por um professor de dança, a fazer uma
saudação e a entrar e sair de um aposento". O cronista da
sociedade inglesa deve ainda fazer justiça pelo soerguimento
cultural que o evangelista Wesley trouxe às multidões de seus
patrícios.
E) Finalmente, a salvação inclui, para Wesley, a salvação
do corpo. "Visto que o pensamento", escreveu ele, "é o ato de um
espírito encarnado, que toca num jogo de chaves materiais, não é
estranho que a alma produza música grotesca quando seu
instrumento está desafinado".
Wesley percebeu, muito antes da ênfase psicossomática da
medicina moderna, a conexão íntima entre a saúde espiritual e a
cura física. (Há um caso notável em seu Diário, em 12 de maio de
1759, sobre uma mulher cuja tristeza causava dores estomacais).
Assim, Wesley pregava um evangelho de boa saúde. Ele
dava conselhos sobre dietas e higiene. Incluía a medicina em seus
sermões. Fato interessante é que ele recomendava a seus ouvintes
que fossem "eletrificados " como terapia para as desordens
nervosas, uma antecipação dos tratamentos posteriores da
medicina por meio de "eletro-choques". O ideal de Wesley era o
antigo, mas ainda válido lema: "mente sã em corpo são".
Para concluir, a salvação, para o pai do Metodismo,
significava uma dedicação harmoniosa de toda a personalidade
(todo apetite do corpo, toda paixão, desejo e sentimento espiritual,
sozinhos ou combinados, a dedicação da pessoa por inteiro) para a
glória de Deus e bem-estar do ser humano.
2 - Estendeu-a a toda a humanidade
Wesley não apenas estendeu o ideal cristão para abraçar a
vida integral do indivíduo, mas o aplicou à humanidade toda. O
amor que pregava incluía todos os seres humanos.
Wesley escreveu a seu amigo dr. Middleton, de Bristol:
“Um cristão é cheio de amor pelo seu vizinho, de
amor universal, não confinado a um partido sectário, não
restrito àqueles que concordam com ele nas opiniões, nas
formas externas de adoração, ou àqueles que estão ligados a
ele por sangue ou recomendados por proximidade de lugar.
Nem ama ele somente àqueles que o amam ou que lhe são
caros pela amizade íntima. Mas seu amor se parece com o de
Jesus, cuja misericórdia está acima de suas obras. Eleva-se
por sobre os limites estreitos, atingindo vizinhos e estranhos,
amigos e inimigos”.
Para empregar a frase mais famosa de Wesley, o mundo
foi a sua paróquia, não a raça branca, não os ingleses, não os
metodistas – o mundo, a humanidade como um todo.
A salvação que pregava era para todos. Sua doutrina era
selada com a graça universal: todo ser humano pode ser salvo.
Sua teologia contrasta agudamente com a do Calvinismo, vigente
em seu tempo. O Calvinismo é essencialmente uma teoria do
privilégio: algumas pessoas estão predestinadas à bênção eterna, e
grande parte, à condenação eterna. Wesley, ao contrário, ensinou
que Cristo morreu por todas as pessoas e que todos são livres para
aceitar esta salvação. A fé é um dom de Deus, mas é um dom
estendido imparcialmente a todas as pessoas. Todo ser humano,
desde "o miserável que rasteja na terra", é um filho em potencial de
Deus.
Note que Wesley pregava um evangelho de graça universal
e não de bondade humana universal. Ele não olhava ingenuamente
para a humanidade. Não havia pregado às massas em vão. Assim
como o Senhor Jesus, ele sabia quão delgada (sutil, fina) é a linha
que separa o humano do animal irracional. Percebeu que nossa
cultura vaidosa não é senão uma clareira na floresta de nossa
natureza animal. Mas, embora os filhos de Adão sejam pecadores,
Wesley sabia que tinham um Salvador. Ninguém precisa recolherse
à sua miserabilidade, porque há Alguém que cuida de nós
muito mais abundantemente do que podemos avaliar.
Nada é impossível para Deus. Para Ele tudo é possível.
Assim como o pastor encontrou a ovelha perdida, o pródigo foi
induzido a voltar quando pensou na casa paterna, o coletor de
impostos persuadido a restituir quadruplicadamente e a adúltera
enviada a não pecar mais, assim Deus, com seus infinitos recursos
redentores é capaz de salvar a mais desgraçada alma. Ele pode
aquecer corações frios como gelo e fazer rios caudalosos banhar
regiões secas e estéreis. Esta fé no poder de Deus para salvar o
homem manteve Wesley firme em sua vocação.
Uma das lições da longa vida de Wesley foi: nunca se
desesperar por qualquer filho de Deus. Ele havia visto fracassados
serem, mais tarde, restaurados. Muitas vezes havia observado
sociedades declaradas "sem esperança" erguerem-se novamente.
Havia testemunhado seus convertidos crescerem em graça de
visita em visita. Havia pregado em comunidades que nunca antes
tinham ouvido o evangelho e viu pessoas levantarem -se ante os
chamados da graça. Homens e mulheres idosos, supostamente
imunes à redenção, derreteram suas velhas e duras naturezas e
forjaram-nas outra vez. Muitas vezes ele ficou surpreso com o
resultado feliz de pregadores inicialmente pouco promissores. Na
verdade, ele mesmo se surpreendia em certas ocasiões com seu
próprio crescimento na graça. Depois de um culto em Glasgow ele
escreveu em seu Diário: "Certamente para Deus nada é
impossível. Quem teria crido há vinte e cinco anos atrás que o
ministro (pastor) teria desejado ou que eu tivesse consentido em
pregar numa igreja escocesa?" "Nunca tenha medo de esperar
demais de Deus", foi a conclusão que tirou de seus esforços
evangelístico s.
O otimismo de Wesley é tão psicologicamente sadio
quanto teologicamente válido. Tornamo-nos aquilo que
imaginamos ser. Se insistimos que somos depravados, há muitos
elementos em nossa estrutura humana que confirmarão a baixa
apreciação. Mas se assegurarmos diante da humanidade uma visão
altaneira de seu destino no caminho de Deus, ela terá uma
capacidade igualmente verificável de entregar-se a Ele. Certo de
que não podemos obter perfeição nesta vida, João Stuart Mill
criou um provérbio valioso: "Aquele de quem nada se espera,
jamais fará tudo o que pode". O ser humano cresce à medida que
procura atingir o impossível.
Numa época em que o neocalvinismo está, mais uma vez,
no centro da teologia, os metodistas devem relembrar o bom êxito
de João Wesley antes de fazerem estimativas sombrias a respeito
da natureza humana. É possível que tudo quanto Calvino ensinou
a respeito do estado atual do homem não seja pessimista demais,
mas, da mesma forma, nada do que João Wesley ensinou a
respeito do poder de Deus para redenção do homem é otimista
demais. O evangelista metodista ganhou o direito à última palavra.
3 - Estendeu-a à totalidade do tempo
Wesley expandiu ainda a experiência de redenção
relacionando-a não somente à natureza e à raça humanas em sua
integridade, mas à totalidade do tempo. A salvação significa,
antes de tudo, constância na vida. O verdadeiro discipulado
cristão nunca foi coisa de veneta, com começos e interrupções. O
ideal é ser sempre o que somos apenas ocasionalmente (ou seja,
agir como verdadeiros cristãos não apenas ocasionalment e, mas o
tempo todo!).
Wesley recomenda:
“Não permita que o amor o visite como um visitante
em trânsito, mas que ele seja o tempero constante de sua
alma. Veja que seu coração esteja cheio em todas as épocas e
em todas as ocasiões com benevolência real e jamais fingida,
não somente àqueles que o amam, mas para com todos. Deixe
o amor palpitar em seu coração, faiscar em seus olhos, brilhar
em todas as suas ações. Quando quer que você abra seus
lábios, faça-o com amor, e coloque na língua a lei da
bondade.”
A salvação significa crescimento constante na graça. Em
seus primeiros anos de ministério, Wesley falou muito sobre a
santificação instantânea. Mas, à medida que desenvolvia este
assunto, ficou claro que ele jamais pretendeu descartar o
crescimento gradual. Ele teve que admitir que havia um trabalho
gradual precedendo a operação instantânea da graça, e um
crescimento consequente. A perfeição veio a coincidir mais e
mais com a "perfectibilidade" (suscetível de perfeição ou
aperfeiçoamento).
Quando perguntaram a Wesley, cerca de dois anos antes de
sua morte, se era verdadeiro o rumor segundo o qual ele "afirmava
estar limpo de todos os pecados", replicou, muito
significativamente:
"Não posso dizer se todos os pecados me foram
tirados do coração, nem a possibilidade de ofender o Espírito
de Deus; nem penso que amo a Deus ou ao próximo como
deveria. Sou fraco, mas Deus é minha força. Vivo pela fé".
Wesley estava ainda no processo de crescimento na graça.
Este desenvolvimento alcança finalmente a eternidade numa
cadeia áurea de três elos, para usar uma expressão de Wesley – o
perdão, a santidade e o céu. O crescimento espiritual do ser
humano aponta para a imortalidade. "Como pode entrar na mente
de um homem", pergunta ele em seu tratado sobre o assunto, "que
a alma capaz de tão grande perfeição ou de receber novos
melhoramentos para toda a eternidade, fique reduzida a nada, tão
logo seja criada? São estas habilidades feitas para um propósito
tão mesquinho?" Não, os rudimentos desta vida serão traduzidos
em um clima bastante propício onde florescerão para todo o
sempre.
Salvação para todo ser humano e a todos em todo o tempo
– este é o ideal de Wesley.
Se a experiência da redenção (Capítulo I) é a razão para o
apelo de Wesley à Inglaterra do século XVIII, o grande alcance de
suas implicações, exposto neste capítulo, explica a permanência
(continuidade, constância ) do seu movimento. Ele colocou a
perfeição em tal altura que ninguém jamais poderia dizer que a
tinha alcançado, superando o ideal de Wesley para mais um
desafio. Seu ideal é como a injunção do Mestre para que sejamos
perfeitos como o Pai é perfeito. Se Cristo houvesse meramente
dito "faça o melhor possível de acordo com as circunstâncias ", seu
preceito dificilmente teria sobrevivido à sua geração. Mas, a
perfeição como a de Deus — isto tem prendido a lealdade das
pessoas pela sua grande magnificência.
O ideal de Wesley nos impressiona também pela sua
abrangência. É muito difícil focalizar a atenção de alguém durante
muito tempo em um único ponto. Isto é bem mais fácil se o
objetivo for um panorama e, mais cativante ainda, se estiver em
movimento. Assim, o ideal de Wesley de uma salvação total
marchando para a eternidade é suficientemen te largo e dinâmico
para prender o interesse das pessoas.
A experiência de redenção como o princípio de
intensidade, e seu desenvolvimento ao infinito, como o princípio
de abrangência —tudo isto junto explica o êxito de Wesley. Ele
colocou a devoção de um fanático por trás de um ideal
compreensivo e, assim, ambos efetuaram uma revolução
religiosa, e a perpetuaram.
Bispo Nelson Luiz Campos Leite
Bispo Nelson Luiz Campos Leite
Enviado por Silvio Dutra Alves em 11/05/2014