Legado Puritano
Quando a Piedade Tinha o Poder
Textos
João Wesley, o Evangelista – Parte 4
Capítulo IV
A combinação de expansão e intensidade

Além da redescoberta da redenção bíblica e do
desenvolvimento da experiência da salvação, um terceiro fator
que contribuiu para a realização do trabalho de Wesley foi que ele
expandiu seu evangelismo com métodos que combinavam a
expansão com a intensidade. Wesley foi um impertinente. Ele
julgava pelos resultados – a salvação das almas era o termômetro
do sucesso. "Observo o mais significante pormenor", escreveu
ele, "exceto quando a salvação das almas está em jogo. Então,
prefiro o fim aos meios." Isto é, ele preferia os meios honrosos,
mas a decisão final deve sempre repousar na eficiência de um
método na redenção do ser humano.
Ele aplicava sua norma em todas as direções – à verdade
em primeiro lugar. Lia livros sobre filosofia e seu comentário era
"cui bono?" O livro é bom? Traz algo de bom ao ser humano? Ele
concordava com o ditado de sua mãe, que dizia que há algumas
verdades indignas de serem conhecidas, porque ninguém é tão
bom que possa conhecê-las. Ele aplicou sua norma à arquitetura e
chegou à conclusão de que a melhor forma para uma igreja é a
octogonal. Embora possa parecer uma monstruosidade estética, é
o melhor para propósitos evangelísticos.
Ele era flexível em seus métodos. Assim como o apóstolo
Paulo, desejava ser tudo a todas as pessoas para que pudesse salvar
algumas (1 Coríntios 9:22-23) . Era melhor fazer uma boa coisa
por métodos imperfeitos do que não fazê-la. Ele teria apreciado
muito a resposta de Moody a um espectador que criticava seus
métodos: "Aprecio muito mais a minha maneira de agir do que a
sua maneira de não agir". Assim, Wesley ajustava seus horários
de culto às conveniências de seus ouvintes. Pregava em um
horário pouco ortodoxo, às cinco horas da manhã, porque
descobriu que podia reunir uma multidão àquela hora. A duração
e a ordem eram adaptados ao humor que encontrasse ao chegar.
Ele percebia as diferenças de cada comunidade e prescrevia sua
homilética medicinal com a competência de um médico
habilidoso. Embora fosse professor de Oxford, não havia
pedantismo em Wesley. Era inflexível quanto aos objetivos e
absolutamente flexível em relação aos meios para atingi-los.
Mas o fato mais significativo acerca de seus métodos
evangelístico s foi que ele combinou a expansão com a
intensidade. "Devemos construir com uma das mãos", escreveu
ele, "enquanto lutamos com a outra. E esta é a grande obra, não
somente levar almas a crer em Cristo, mas edificá-las em uma fé
mais santa." Isto é, o evangelismo envolve tanto a busca de novos
membros para a Igreja, quanto o seu cultivo. É inútil levar as
pessoas a tomar decisões e depois deixá-las retornar aos seus
velhos hábitos. Wesley desenvolveu suas próprias técnicas (novas
naquele tempo) para expandir e conservar o impulso redentor.
A. Expansão.
O primeiro ponto a se notar na expansão é que Wesley
sentia ser de seu dever levar o evangelho ao povo. Ele não foi
igual a João Batista, que se estabeleceu no deserto e esperou que
as pessoas fossem até ele. Ele se parecia com Jesus, que
centralizou seu ministério na Galileia, a região mais povoada da
Palestina, para levar essa mensagem diretamente aos cidadãos da
terra. Wesley invadiu cidades e vilas, quebrando as muralhas do
mal, atacando de frente. A forma mais característica (e mais
sensacional) de levar o evangelho ao povo de seus dias era o que
ele chamava de "pregação no campo", isto é, pregação ao ar livre,
nas ruas de uma cidade, na praça de uma igreja, num parque ou nas
estradas. Quando Wesley usava sua famosa exortação para pregar o
evangelho "na cara do sol", era isto mesmo que ele queria dizer,
evangelismo ao ar livre.
A pregação ao ar livre passou por três estágios - no julgar
de Wesley. A princípio ele achava inconveniente. As igrejas
estabelecidas lhe fecharam as portas em um tipo de acordo
restritivo contra ele. Visto que no começo não tivesse lugar onde
pregar, teve que se mudar. Era-lhe extremamente doloroso porque
a pregação ao ar livre "não existia" naquele tempo. Mas Wesley
não era como o gato da velha fábula que queria comer o peixe,
mas não queria molhar a pata. Este pregador desejava salvar
almas, e estava disposto a sofrer todas as inconveniências e
opróbrios (desonras, injúrias, afrontas, vergonha) para obtê-las.
"Gosto de uma sala confortável", disse ele, "de uma almofada
macia, de um púlpito bonito; mas onde está o meu zelo se não
desprezar tudo isto para salvar mais uma alma?"
Depois de pregar ao ar livre por algum tempo, passou a
considerar este meio de pregação um expediente providencial. Ele
podia alcançar muito mais pessoas que em qualquer igreja.
Finalmente, viu que a pregação ao ar livre era uma tática
necessária. Sentia que a obra evangelizadora permanecia imóvel
ou retrocedia nos lugares em que não havia a pregação ao ar livre.
Censurava seus pregadores por "encerrarem-se (ficarem
fechados) numa sala" enquanto as massas esperavam do lado de
fora. Sua receita infalível para as sociedades anêmicas veio a ser a
pregação ao ar livre.
Como já dissemos, a confiança de Wesley para a expansão
do Reino estava na pregação do evangelho, dentro dos templos ou
fora deles. Wesley pregava 800 vezes por ano, mais do que 15
vezes por semana. "Na verdade, vivo pela pregação", dizia ele.
Quando o bispo de Londres o acusou, dizendo que os
metodistas desertavam dos "ofícios" (as atividades regulares da
igreja, nelas incluídos os cultos e outras reuniões da igreja),
Wesley replicou que havia frequentado os "ofícios" durante anos.
No entanto, durante todo esse tempo não esteve mais cônscio do
amor de Deus do que uma pedra. Centenas e milhares estavam
prontos para testificar o mesmo. Só quando a pregação sobre a
remissão dos pecados foi adicionada aos ofícios da Igreja é que se
atingiu os verdadeiros objetivos da devoção.
Há uma reação em nossa época contra a pregação. Há
quem diga, aqui e ali, que a pregação está fora de moda. No
entanto, penso que não poderemos esperar um reavivamento
religioso em grande escala por outro processo qualquer. O
aconselhamento, que se prefere hoje em dia, sem dúvida é
essencial. Mas, o aconselhamento, por sua própria natureza , não
pode alcançar as massas dos não convertidos. Wesley pregava a
mais pessoas numa única reunião ao ar livre que um ministroconselheiro
em um ano. O aconselhamento é um alimento
espiritual superior, mas não serve para a expansão do Reino. Há
uma grande necessidade de organizadores na igreja. Mas é preciso
haver pessoas para serem organizadas. E a pregação as chama
para a Igreja. Os comitês de relações pastorais (o autor está falando
da Igreja do presente, visto que nos tempos de Wesley não havia, ao
que se saiba, esse comitê nem nenhum outro. Naquele tempo, igreja não
escolhia pastor), às vezes, solicitam um “pastor social” (um pastor
cuja maior e às vezes única característica é ser simpático e boa
praça). Mas nenhum deles jamais provocou um reavivamento. A
pregação ainda é o principal instrumento do Protestantismo para a
expansão do Reino.
Wesley nos diz que tinha quatro anseios em cada sermão:
1 - "Convidar", isto é, concitar seus ouvintes de maneira
conciliadora a atender à sua mensagem. Ele quase sempre atingia
esse fim criando um senso de necessidade, algo que um pregador
perito em solucionar problemas de nosso tempo deveria fazer.
2 - "Convencer " sobre a verdade do evangelho. Wesley
sempre se esforçou para estender a verdade de sua ideia a seus
ouvintes de maneira mais simples. Para isto, cultivava
deliberadamente um estilo fácil, evitando a prolixidade.
Admiramo-nos por Wesley praticamente não ter usado
ilustrações, como os evangelistas em geral gostam de fazer. Ele
retesava o arco e atirava direto ao alvo, sem qualquer digressão. O
testemunho universal quanto à sua pregação era: primeiro, as
pessoas diziam, "Isto é a verdade"; e segundo, "Ele está falando
diretamente a mim".
3 - "Oferecer a Cristo" – não como uma figura teológica,
mas como uma resposta à necessidade particular da pessoa
humana. Este era seu dever contra muita da chamada "pregação
do evangelho" (pregação do evangelho “entre aspas”, ou seja,
falsa, superficial): "Se um animal insolente, atrevido e sem graça
nem senso, berrar alguma coisa sobre Cristo, seu sangue, ou
sobre a justificação pela fé, seus ouvintes gritam: “que belo
sermão evangélico!” ". Com Wesley não era assim. Ele sempre
estabelecia a conexão entre Cristo como solução para o problema
ético em questão.
Wesley, certa vez, advertiu seus pregadores, num famoso
sermão, contra a pregação de Cristo como nosso Sacerdote
Altíssimo, esquecendo-se que Ele também é Profeta. Wesley
nunca dispensou muito tempo em seus sermões a doutrinas a
respeito de Cristo. Ele nunca estabeleceu distinções supérfluas,
nem salientou pontos dúbios, nem brincou com quebra-cabeças
cristológicos . Ele oferecia a Jesus como Salvador.
4 - "Construir" – Deixar que as pessoas fossem se sentindo
melhor. Ele não se aproximava de suas congregações com o humor
dispéptico (indigesto, difícil de digerir, mal humorado, raivoso) de
alguns evangelistas. Numa época em que a regra era se pregar
sobre o fogo do inferno, ele era bastante restrito em suas
admoestações sobre os "terrores do Senhor". Acreditava, assim
como o Senhor, que mais pessoas eram trazidas ao arrependimento
ao contemplar a beleza da "santidade" que ao habitar na feiúra do
pecado. Wesley sabia (para usar uma figura de linguagem de
Phillips Brooks) que apesar de ser preciso cortar uma árvore pela
raiz para que ela cresça com muito mais viço, um campo de tocos
não é o ideal. Ele achava que a pregação negativa é inútil. "Não é
possível que aquele que está fechado às razões do amor, obedeça
a Deus pelo medo". Na verdade, a pregação acusatória pode ser
muito maléfica. Ao falar sobre a situação de Edimburg, em uma
de suas visitas, ele diz o seguinte:
“Fiquei triste por encontrar tanto a sociedade como as
congregações , menores do que quando aqui estive pela última
vez. Atribuo isto principalmente ao meio de pregação que em
geral tem sido usado. Os crentes têm sido admoestados
frequente e fortemente pela sua frieza, pela indiferença e
pequenez de fé. Raramente a pregação tem sido sobre algo
que os leve à gratidão. Por isso, muitos se dispersaram e os
remanescentes mantiveram-se frios e indiferentes. ”
A pregação de Wesley era positiva - ela edificava. No que
diz respeito aos seus métodos homiléticos (de pregação), diversos
itens são dignos de nota:
a) Ele baseava seu sermão na Bíblia. Quase sempre
tomava um texto, ocasionalmente um capítulo ou um livro das
Escrituras. Parece ter seguido o ano eclesiástico, falando sobre os
Evangelhos e Epístolas designados para o dia. Seu costume,
depois de selecionado o tema, era o de comparar todas as
passagens paralelas da Escritura, sobre o mesmo assunto. Isto
significa que, quando falava, as pessoas ouviam, pela palavra do
texto e sua mensagem, o conselho completo do Senhor. Seu
domínio da Bíblia era tal que pregava seus sermões - é o que ele
nos conta - somente com o texto das Escrituras nas línguas
originais. As "traduções modernas", as concordâncias, os
comentários, os compêndios de ilustrações - toda a parafernália do
pregador moderno brilhavam pela ausência (não estavam
presentes ) no estudo de Wesley.
b) Escrevia seus sermões por completo, e depois os
pregava de improviso. Seus esboços - que consistiam,
normalmente, de três pontos - são modelos do tipo definido e
preciso da estrutura que somente o trabalho cuidadoso com a pena
(com a escrita, com a preparação e a redação do sermão) pode
produzir. Nos primeiros tempos lia seus sermões, mas certa vez,
esqueceu-se de levar seus manuscritos e teve tal espontaneidade
de palavra que nunca mais voltou a ler. Mas escrevia suas
mensagens do começo ao fim, deixando -as no gabinete quando
subia ao púlpito.
Quantos evangelistas, imagino eu, escrevem (preparam)
seus sermões?
c) Sua pregação era em forma de conversa. Nunca
falava acima da altura natural de sua voz. Os discursos
bombásticos lhe eram aborrecidos. Ele condenava sem compaixão
os pregadores que usassem o tom exaltado, que ele chamava de
"gritaria". Aqui estão algumas palavras endereçadas a João King,
um de seus pregadores:
“Não grite mais, para perigo de sua alma. Deus agora
o avisa por intermédio da minha pessoa, que Ele enviou para
o orientar. Fale tão ardosamente quanto puder, mas não grite.
Fale com todo o coração, mas com voz moderada. Foi dito de
nosso Senhor: "Ele não abrirá sua boca". O que significa
exatamente isto: "Ele não gritará”... Por isso, seja meu
seguidor como o sou de Cristo. Constantemente falo alto,
muitas vezes veementemente, mas jamais grito, nunca me
excedo. Sei que seria um pecado contra Deus e minha própria
alma.
d) Ele se esforçava por manter todo o culto - o sermão,
os hinos e as orações - dentro do período de uma hora. Quando
uma senhora na Irlanda lamentou a duração dos cultos metodistas,
ele replicou:
“Se qualquer pregador exceder-se no tempo (cerca de
uma hora) espero que a senhora lhe chame a atenção para a
regra metodista. As pessoas imaginam que quanto mais longo
é o sermão, um bem maior ele fará. Isto é um grande erro. O
bem realizado na terra, Deus o faz por Si; e Ele não precisa
que usemos muitas palavras. ”
e) Ele dependia menos de um grande esforço do que do
efeito acumulativo de muitos sermões. "Pregar uma única vez
em um lugar", disse ele, "raramente traz algum bem". Nunca teve
a ilusão de que a guerra contra o mal pudesse ser ganha por uma
“blitzkrieg” (palavra do idioma alemão que significa guerrarelâmpago,
ataque-relâmpago; no texto empregada com o sentido
de “uma única batalha”) . Ele sabia que era uma guerra de atrito,
em que a vitória pertence a quem resiste mais. Nunca concebeu o
evangelismo como uma manifestação solitária que varreria
milhares de pessoas para dentro do Reino de um só golpe. Ao
contrário, ele contava com o poder de muitos golpes, pequenos e
sucessivos, para derrubar a cidadela do mal.
Ele visitou Wales 46 vezes em missões evangelísticas, a
Irlanda, 21 vezes; a Escócia, 22 vezes. Colocava em sua estratégia
de pregação a sabedoria colhida numa conversa entre seus pais a
respeito dele mesmo. "Susana", disse Samuel à sua esposa,
"maravilho -me com a sua paciência. Você falou àquela criança
vinte vezes a mesma coisa". Ao que Suzana Wesley replica: "Se
eu estivesse satisfeita depois de repetir a coisa somente dezenove
vezes, teria perdido todo o meu tempo. Foi a vigésima vez que
coroou as demais".
f) Ele empregava o cântico em conjunto (cântico
congregacional , a música cantada por toda congregação) para
reunir a multidão, criar o clima e reforçar a mensagem.
Frequentemente lemos nos registros do reavivamento
evangélico: "Ele reuniu uma congregação pelo cântico e, depois
de orar, começou a pregar". Uma vez reunida a multidão, o
cântico derretia o povo, preparando-o para a modelagem do
pregador. Ou - para mudar de figura, e de ideia - o poder
emocional do cântico em conjunto supria (fornecia) a pólvora
que impulsionava a bala da pregação cuidadosamente preparada
por Wesley.
Wesley insistia em que o cântico deveria ser uníssono.
Ele tinha uma prevenção inflexível contra pequenos coros e
grupos orfeônicos: "Um intolerável insulto contra o senso
comum e inteiramente incompatível com qualquer devoção".
Os cânticos ajudavam a mensagem da pregação de outra
maneira. Os metodistas aprenderam muito de sua teologia por
meio dos hinos, que apresentavam as Escrituras e as doutrinas,
não como dogmas a serem aceitos, mas como uma experiência
brilhante a ser gozada.
O bispo McConnel observou certa vez, que Wesley
nunca se deu ao trabalho de refutar seu contemporâneo, David
Hume, o cético. Wesley fez a Inglaterra cantar, e as ondas de
emoção, derramando-se de milhares de corações vindos da
morte para a novidade da vida, varreram os sofistas (os que
faziam críticas com argumentos falsos ou que usavam de má fé,
enganadores, impostores).
B. Intensidade.
O que nos impressiona quando estudamos a obra de
Wesley na expansão do Reino é a persistência tenaz com que ele
trabalhava para conservar o que alcançara. Ele não estava
contente, como George Whitefield, meramente em "pregar e
esperar o melhor".
Wesley consolidou seus ganhos e ao fim tinha uma
instituição em troca de suas obras. No final de sua vida,
Whitefield reconheceu a superioridade da tática de Wesley
quando disse:
"Meu irmão Wesley agiu sabiamente. As almas
despertadas em seu ministério ele as reuniu em classes, e
assim preservou o fruto de seu trabalho. Isto eu negligenciei
e meus convertidos são uma corda de areia."
Na programação de Wesley a visitação pastoral ocupava
o primeiro lugar. Ele a considerava trabalhosa, mas realizou -a
fielmente, porque a considerava absolutamente essencial para a
construção do seu movimento. Encontramos registros como
estes em seu diário:
“29 de dezembro de 1758. Cheguei a Colchester.
Achei que a Sociedade havia diminuído... e, no entanto,
tivera muito bons pregadores. Mas isto não é suficiente. Por
repetidas experiências temos aprendido que embora um
homem pregue como um anjo, ele não formará nem
preservará uma sociedade já formada, sem visitar seus
membros de casa em casa.”
“5 de junho de 1772. Depois de um exame,
verifiquei que a sociedade de Newcastle está menor que há
dois anos atrás. Não imputo isto a nada senão à falta de
visitação de casa em casa, sem a qual as pessoas não
crescerão em número ou graça.”
“12 de janeiro de 1774. Comecei pelo leste da
cidade a visitar a Sociedade de casa em casa. Não há outro
campo de atividades pastorais de maior importância que
este. Mas é tão penoso à carne e ao sangue, que não posso
induzir senão poucos pregadores a realizá -lo.”
Ainda hoje temos grande dificuldade para convencer
nosso clero de que não há melhor meio de construir uma igreja
senão visitando de casa em casa.
O que Wesley aspirava com sua visitação? Na maior
parte ele consolava os doentes e os moribundos, e estabelecia
amizade entre o rebanho e o pastor.
"Não posso compreender", escreveu ele, "como pode
um ministro deixar seu trabalho com alegria, a menos que
(como Inácio avisou) ele “conheça todo o rebanho pelo
nome; não se esquecendo dos criados e das criadas”."
Além destes propósitos pastorais convencionais, Wesley
tinha outros três que lhe eram próprios:
1) Procurava insistentemente os indícios de pessoas que
tivessem sido movidas pelo Espírito Santo durante suas
reuniões, e cercava-as de imediato com o seu carinho e visitação
pastoral;
2) Empregava a visitação para disciplinar as sociedades.
Começava em um extremo da cidade e continuava pelos lares
metodistas de seis em seis, examinando a vida cristã de seu
rebanho e resgatando os que "andavam desordenadamente",
como ele dizia.
3) Usava estas visitas para “apagar fogos”,
constantemente acesos pelo ciúme ou tagarelice, que ameaçavam
consumir suas sociedades. Procurava especialmente aqueles que
haviam se afastado de seus grupos, perguntava -lhes diretamente
sobre seus motivos, e tentava levá-los de volta ao rebanho.
Wesley, o evangelista, não pode ser compreendido à
parte de Wesley, o pastor.
Sua visitação, no entanto, funcionava como um auxílio
na a organização e manutenção da sociedade, seu instrumento
principal na conservação dos efeitos do reavivamento. Logo que
uma pessoa era despertada pela convicção do pecado, ou
mostrava-se interessada pela religião, era arrolada numa
sociedade. Este era o grupo total de metodistas da comunidade.
A sociedade mantinha cultos, reuniões de testemunhos, festas de
amor, embora seus membros devessem, também, participar dos
rituais da Igreja Anglicana.
Quando uma pessoa dava evidência de justificação, ou
entrada na vida cristã, tornava-se membro de uma classe. Esta
era uma unidade menor da sociedade, com cerca de 12 pessoas,
sob o cuidado pastoral de um líder. Esta pessoa, de madura
experiência cristã, visitava seus convertidos em intervalos
regulares – uma visita por semana era o ideal – e examinava
suas almas. Estes líderes faziam relatórios periódicos sobre o
progresso espiritual de seus membros a Wesley. (Para um
relatório esclarecedor de um antigo líder de classe, João Hague,
ao seu chefe, veja o Diário – 2 de fevereiro de 1756.)
Aqueles que desejavam uma comunhão religiosa mais
íntima eram colocados em pequenos grupos formados por
pessoas de mentalidade parecida que se reuniam durante a
semana para uma discussão religiosa. Em geral, o líder
começava a reunião falando sobre a condição de sua alma. A
partir dele, cada pessoa confessava seus pecados, relatava as
tentações sobre as quais havia triunfado, e expunha seus
problemas para que o grupo lhe oferecesse algum conforto.
Depois havia pequenos grupos seletos, pequenos seminários de
santidade, de intimidade ainda maior, que conscienciosamente
procuravam reproduzir a comunhão e dependência mútua dos
apóstolos primitivos. Estes grupos variados, organizados por
Wesley com incrível atenção aos pormenores, são o que o dr.
Dale, de Birmingham, na Inglaterra , chamou certa vez, de "uma
contribuição marcante e original do Metodismo às instituições
da Igreja".
Estes grupos de Wesley não eram opcionais. Eram parte
do currículo exigido para o aprendizado religioso. Ele nunca
reconheceu qualquer circunstância pela qual uma pequena
sociedade não pudesse funcionar, e não aceitava desculpas de
um pregador que pensasse que podia passar sem elas. Para
Wesley, uma reunião de avivamento sem uma classe para
conservar a obra era tão inócua quanto, para um fazendeiro, era
a ceifa do campo sem a preocupação de se amarrar os feixes e
recolhê-los.
A participação dos leigos na comunidade de Wesley é
algo especialmente digno de nota. Os líderes de classes, os
ecônomos que cuidavam dos interesses financeiros, a maioria
dos pregadores, eram leigos.
Nenhuma outra grande denominação usou mais os seus
leigos do que Wesley. Grande parte do gênio do Metodismo é
devida à maneira pela qual Wesley abriu a boca dos leigos e lhes
atribuiu grandes responsabilidades espirituais. Calcula-se que na
Inglaterra cinco dentre sete cultos metodistas são dirigidos por
leigos. Wesley abriu um grande reservatório de vitalidade
religiosa e canalizou-a para o seu movimento. Este "poderoso
exército" tem feito um trabalho que em magnitude, nenhum
outro pequeno grupo do clero profissional, por mais capacitado e
treinado que seja, pode igualar.
No uso (reconhecimento e promoção do ministério) dos
leigos e no desenvolvimento das sociedades religiosas,
suplementando o culto e a pregação, temos a oportunidade
suprema para desenvolvimento dos crentes, em nossa geração.
Uma dificuldade na Igreja Protestante é que desde que a
pessoa se torna membro, não há lugar que possa frequentar. Ela
pode ensinar na escola dominical, cooperar em campanhas
financeiras, auxiliar em reuniões; mas não há uma sociedade
(como nos tempos de Wesley) para o cultivo da vida religiosa.
Talvez não possamos fazer reviver as sociedades de Wesley, mas
devemos encontrar o seu equivalente moderno. As "células" de
nossa Fundação Wesley (organização que funciona nos campi
universitário s para atender especialmente as necessidades
religiosas dos estudantes metodistas), os grupos de leitura da
Bíblia, os seminários após o culto, os locais de encontro em cada
vizinhança – tudo sob a liderança dos leigos consagrados – têm a
raiz da questão em si mesmo. Quando sentirmos a mesma urgência
que Wesley tinha pela comunhão como alimento espiritual, os
meios surgirão.
Além das Sociedades, Wesley desenvolveu três cultos
caracteristicamente metodistas para o aprofundamento da vida
espiritual.
CULTO DE VIGÍLIA
O primeiro era o culto de vigília, realizado todos os meses,
originalmente na sexta-feira mais próxima da lua cheia, de modo
que a congregação tivesse o máximo de luz para poder voltar aos
respectivos lares. A prática parece ter surgido entre os mineiros de
Kingswood que relembravam como estavam acostumados a
passar seus fins de semana embebedando-se nas cervejarias na
época em que ainda não tinham se regenerado. Esta é a marca do
gênio metodista, uma antecipação do "poder expulsivo de uma
nova paixão", de Chalmers. Em vez de investir contra o uso de
bebidas alcoólicas, Wesley devotou uma noite de cada mês ao
Espírito.
CULTO DA ALIANÇA
A segunda inovação foi o culto da Aliança (reunião de
testemunho). No primeiro domingo do ano, todos os metodistas
eram convidados a participar de uma aliança coletiva prometendo
devoção a Deus, com coração e alma. Este culto de grande
solenidade tinha início com o hino de Carlos Wesley:
Vinde, usemos a graça divina
E todos com a mesma mente
Num testemunho perpétuo unamo-nos
Em Cristo, o Senhor".
Depois, esse culto continuava com momentos de adoração,
ação de graças e confissão, e terminava com os membros da
congregação colocando toda sua vida e posses à disposição do
Altíssimo.
CULTO DA FESTA DO AMOR
O terceiro culto especial era a Festa do Amor. A maioria
dos clérigos do tempo de Wesley ou relutava em admitir os
metodistas à santa ceia ou os expulsava. Wesley não permitia que
seus itinerantes não-ordenados administrassem os sacramentos.
Para compensar a falta, Wesley revivia o antigo Ágape, ou festa
de amor, da igreja primitiva. Era servido pão simples e água, esta
servida em um grande copo que passava de uma pessoa para
outra. O culto significava a união da sociedade em amor a Cristo e
uns aos outros. Depois disso, passava-se aos testemunhos
pessoais, tirando-se uma coleta para as despesas da ocasião. O que
sobrava era dividido entre os pobres.
Estes cultos caracteristicamente metodistas nunca tomaram
o lugar do uso constante dos meios de graça (Wesley no seu sermão
sobre os meios de graças, canais pelos quais a graça chega até nós,
nunca colocou o culto como um dos meios de graça. Na realidade, os
meios de graça eram a oração, o jejum, a leitura e estudo da Bíblia e a
Eucaristia). Wesley era, naturalm ente, um homem de oração (vale a
pena ler o livro "A vida devocional de João Wesley", de Steve Harper). O
dr. Ronald Spivey, ministro da capela Wesley, em Londres,
escreveu no prefácio ao seu diário, em 2 de dezembro de 1782:
"Decidi dedicar uma hora, de manhã e à tarde, à devoção
particular. Sem desculpas, discussões nem fingimentos" (Wesley
recomendava aos seus pregadores pelo menos uma hora diária de
atividade devocional privada).
Em seu 80º aniversário, numa época em que a maioria das
pessoas dá uma trégua aos seus defeitos, Wesley ainda estava em
luta espiritual contra o subcristão (um “cristão nanico”, que não
queria crescer) que morava dentro dele. Wesley era um ávido
estudioso da Bíblia. Lia história, poesia, ou filosofia muito
depressa, "mas," diz-nos ele, "não é desta maneira que trato as
Escrituras; leio-as e medito nelas de dia e de noite". Comungava
(participava da Ceia do Senhor) uma média de duas vezes por
semana durante todo seu longo ministério.
Em seu famoso sermão sobre "os meios de graça", ele
exortou seus seguidores a não negligenciarem nem descansarem
nos meios de graça: estes exercícios são para aprofundamento
espiritual, mas Deus não está limitado a qualquer um desses
meios. Cada um deve encontrar seu caminho mais adequado à
realidade religiosa.
Há algum tempo atrás, Arnold Toynbee, um notável
historiador, escreveu que a apatia pode ser vencida pelo
entusiasmo e que o entusiasmo pode ser inflamado somente por
duas maneiras: uma é o ideal que impressiona a imaginação e a
outra é um plano definido e inteligível para colocar o ideal em
prática. Seu ditado tem forte apoio na experiência de João
Wesley. Nos dois primeiros capítulos mostramos como seu ideal
sacudiu a apatia da Inglaterra do século XVIII. Nestes últimos
parágrafos traçamos sua maravilhosa perícia para colocar em
prática o seu ideal. O ideal e o real, o vôo alto da águia e a firme
caminhada na terra – tudo isto conduziu ao maior
empreendimento evangelístico da igreja moderna.

Bispo Nelson Luiz Campos Leite
Bispo Nelson Luiz Campos Leite
Enviado por Silvio Dutra Alves em 11/05/2014
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