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João Wesley, o Evangelista – Parte 5
Capítulo V
A vitalidade disciplinada na evangelização Wesley não somente concebeu o ideal evangelizador em termos tanto de apelo e compreensão, implementando-o eficientemente, como também "colocou por trás de seu esforço uma vitalidade disciplinada". Um empreendimento humano requer tanto poder vital como controle para que atinja seus fins. A vitalidade é para o ser humano o que o combustível é para o carro, enquanto a disciplina é como o freio e a barra de direção. A vitalidade sem disciplina é tão perigosa quanto um carro desenfreado. A história do Cristianismo está cheia de casos em que a evangelização surgiu devidamente abastecida de emoção, mas sem as restrições (os parâmetros norteadores) da moralidade ou do bom senso. Por outro lado, a disciplina sem vitalidade é tão inútil quanto um carro bem equipado sem combustível. O sucesso de Wesley baseia-se no fato de que ele uniu força e disciplina. Ficamos admiradíssimos ante sua incomum resistência física. Aqui está um homem que pregou 40 mil sermões em sua vida, escreveu mais de trinta volumes, viajou mais de 4.500 milhas por ano a cavalo, até a idade de sessenta anos, cuidou de um trabalho de organização que teria prostrado um homem comum, e faleceu aos oitenta e nove anos. Wesley nunca foi prisioneiro da sua carne (ou seja, as enfermidades, o envelhecimento nunca foram empecilho para Wesley no seu trabalho missionário ). Seu corpo foi servo da sua vontade implacável. Sua força vital não decaiu senão nos últimos anos. Fazia um inventário de sua saúde em cada aniversário, e é uma história de força inabalável. Em seu 67° aniversário, afirmou que se sentia mais sadio do que quarenta anos antes. Em seu 72° disse que podia pregar melhor do que aos trinta e dois. Aos setenta e cinco anos registrou casualmente em seu Diário que deixou a diligência (carruagem) de Londres em Chatam: "Preferi subir a montanha a pé, deixando que a diligência me seguisse. Parece que ela não tinha pressa, pois não me alcançou antes de eu ter andado mais de 5 milhas". Dois anos depois, declarou que podia enfrentar o vento do norte melhor do que aos vinte e sete, e podia ler sem óculos. Ao chegar ao seu 80º aniversário, declarou que não tinha as dores ou enfermidades físicas dos vinte e cinco, e não havia congregação que não pudesse ouvir a sua voz. Não foi antes dos oitenta e três que ele reclamou que os seus olhos doíam se escrevesse durante mais de 15 horas por dia. Não foi antes dos oitenta e cinco que admitiu estar começando a esmorecer. Caminha mais devagar, principalmente quando sobe a montanha; sua memória já não é tão rápida; e não pode ler tão bem à luz de vela. No entanto, registra como "um dia de descanso" aquele em que prega somente de manhã e à tarde. Em seu 87º ano de vida publicou seu programa de visitação: vinte cidades e vilas em vinte e oito dias. Quem se compara a ele em força física? Não sabemos explicar a vitalidade de Wesley, bem como não compreendemos as tremendas realizações de Sir Winston Churchill ou do dr. Albert Schweitzer, que parecem ter ultrapassado as regras da saúde aplicadas às pessoas comuns. Naturalmente, Wesley não carregava peso excessivo (pesava 53 quilos). Leslie Stephen chamou-o de "galo-de-briga humano". Era cuidadoso em sua dieta. Dormia bem. Movido pela necessidade, podia dormir profundamente até sentir-se restaurado. Uma vez registrou de maneira indiferente que não havia perdido uma única noite de sono em setenta anos. Mas há pessoas tão cuidadosas com a higiene quanto Wesley, que morreram aos trinta. Isto não significa que Wesley tenha sido um homem de saúde extraordinária. Constantemente estava doente. Cuspia sangue em seus primeiros anos e uma vez escreveu seu epitáfio, pensando que a morte por tuberculose estava próxima. Seu remédio soberano para todo ataque de doença ou cansaço era o trabalho. O pensamento no trabalho ou a visão de pessoas esperando para ouvi-lo fazia crescer a força vital dentro dele, como a seiva no rebento, e quando havia terminado seu trabalho, o inverno de sua fadiga tinha ido embora e a primavera estava em plena florescência. Estes dois registros do Diário são típicos: “Caminhei até Burnham. Não pensava em pregar lá, duvidando que minhas forças me permitissem pregar sempre três vezes por dia, como tenho feito desde que vim de Evesham. Mas, ao encontrar uma casa cheia de pessoas, não pude conter-me: quanto mais uso minhas forças, mais forças tenho. Quase sempre estou muito cansado quando prego pela primeira vez; um pouco, depois da segunda; mas após a terceira ou quarta vez, raramente sinto fraqueza ou cansaço.” “Tendo sido incomodado à noite por Mr. Swindells, que dormiu comigo, e teve um tipo de ataque apopléctico, eu não me sentia bem por volta do meio-dia, quando comecei a pregar numa grande praça, em um lado da cidade, e o sol quente brilhava sobre minha cabeça que tinha doído durante todo o dia. Mas esqueci-me disto pouco depois de ter começado a falar. Ao terminar meu discurso, deixei todo o meu cansaço e dores de lado, e fui para Dubin em perfeita saúde.” A vitalidade de Wesley era mais que física; seu maravilhoso vigor corporal vinha de um poder espiritual surpreendente. Aqui está um homem que foi molestado pela multidão, apedrejado de York até Cornwall e, no entanto podia dizer depois de um encontro violento: "Do começo ao fim senti a mesma presença de espírito como se estivesse sentado à minha própria escrivaninha ". Aqui está um homem que enfrentou os elementos naturais em sua crueza: tempestades que quase o lançavam fora do cavalo; vento, geada e frio tão penetrantes que suas faces e mãos sangravam como se tivessem sido cortadas por faca; inundações, aventuras com ladrões e assaltantes de estradas, pântanos, cavalos que caíam e diligências em disparada. Estas experiências, naturalmente, exigem resistência física. Porém mais que isto, exigem o desejo de enfrentá-las. Ninguém exigiu de Wesley que enfrentasse temporais sob forma natural ou humana; ele quis fazê-lo por amor ao Reino. E, mais espantoso ainda, persistiu neste desejo sem esmorecer durante mais de meio século, tão imperturbável em suas jornadas pela Inglaterra como uma estrela em sua órbita. Considere, agora, a pressão emocional de seus trabalhos. Wesley pregava regularmente nas prisões e aconselhava principalmente aqueles sob sentença de morte. Aqui está uma descrição de uma cena angustiante, registrada no dia 26 de dezembro de 1784, quando Wesley tinha 81 anos: “Preguei o sermão aos criminosos condenados em Newgate (Londres). Quarenta e sete estavam sob sentença de morte. Enquanto entravam havia algo terrível no tinido de suas correntes. Mas não se ouvia qualquer ruído, quer deles ou do auditório repleto, depois que o texto foi anunciado: "Há mais alegria no céu por um pecador arrependido, do que pelos noventa e nove justos que não precisam de arrependimento". O poder do Senhor estava eminentemente presente, e grande parte dos prisioneiros estavam em lágrimas. Alguns dias depois, vinte deles morreram de uma só vez, cinco dos quais morreram em paz. Ou considere este registro no Diário de Carlos Wesley, ainda mais pungente: “Por volta das 10h30 chegamos a Tyburn (com os prisioneiros condenados); esperamos até às onze; então foram trazidas as crianças marcadas para morrer.” Por que terríveis experiências passou Wesley! No entanto, ele manteve sua compaixão, jamais perdeu seu equilíbrio mental, e seu prazer de viver permaneceu com ele até o fim. Certa vez, disse que não havia sentido prostração espiritual por mais de um quarto de hora, desde que nascera. Provavelmente não estamos errados em ligar a vitalidade física de Wesley à sua vitalidade espiritual, e esta à sua relação com Deus. Wesley é um exemplo perfeito de integração religiosa. Ele não carregava qualquer carga de culpa em sua alma. Não tinha que enfrentar as lutas da vida tendo uma das mãos atada às costas por causa de algum embaraço lamentável. Não abrigava temores paralisantes . Nenhum ódio envenenava seu copo de felicidade. "Onde o Senhor está, há liberdade", prometem as Escrituras, e Wesley viveu esta verdade em sua vida. Foi uma pessoa completamente emancipada no mais nobre sentido do termo. Ele acreditava que Deus o chamara para a tarefa, e não permitia que nada que fosse humano desafiasse suas credenciais divinas. Trabalhava em uma tarefa que envolvia toda a sua natureza. Tinha certeza de que estava fazendo o bem às pessoas. Usufruiu todas as satisfações do esforço criativo. Mais que tudo, ele tinha um grande suprimento do amor de Deus, que dizia ser o melhor remédio do mundo. Esse amor salva a pessoa do "desassossego mental", da "angústia de um espírito quebrantado", "do temor e da tristeza do coração", e "daquele cansaço e mesquinhez inexprimíveis, tanto do mundo como de nós mesmos, contra os quais lutamos durante tantos anos". O amor de Deus não é somente um remédio soberano para estas misérias; é remédio preventivo também -"Previne, particularmente, todas as desordens físicas introduzidas pelas paixões, mantendo-nas dentro de seus limites; e pela serenidade e tranquilidade intraduzíveis que traz à mente, torna-se o mais poderoso de todos os meios de saúde e longevidade". Imerso em Deus, sem os sedimentos do temor, da culpa e da hostilidade, Wesley verdadeirament e era, na frase do dramaturgo -"um canal pelo qual a Onipotência pode passar". Esta vitalidade sobre-humana de Wesley obteve resultados porque era disciplinada. Não havia desperdício desnecessário, dispersão ou desprendimento inútil de energia. Tudo nele tendia a louvar ao Senhor porque estava sob controle quádruplo: 1. Por uma consciência aguda do tempo. Um de seus biógrafos relata que a carruagem de Wesley demorou-se, certa vez, além do tempo marcado. Wesley havia guardado sua papelada e deixado o apartamento. Enquanto esperava à porta, alguém o ouviu dizer: "Perdi dez minutos para sempre". Gentil e condescendente que era em muitas coisas, o tempo lhe era tão precioso que em seu uso ele era decisivo e inexorável. Sua carreira foi uma disciplina contínua no uso do tempo. Ele controlava rigorosamente o seu tempo, do mesmo modo como o fazia com o dinheiro. Planejava seus dias considerando os minutos, e registrava em seu diário pessoal como havia empregado cada hora, uma prática que formaria a base do seu Diário. Seus compromissos eram sagrados, principalmente porque seu programa era tão apertado que permanecer quinze minutos a mais com uma pessoa significava tomar um quarto de hora de outra. O velho dr. Johnson reclamou a Boshwell: "A conversa de João Wesley me encanta. Mas ele nunca está folgado. É sempre obrigado a ir-se em determinada hora. Isto é muito desagradável para um homem que gosta de cruzar as pernas, e terminar a conversa, como eu faço". Wesley não perdia tempo e levantava-se às quatro horas todas as manhãs. Atribuía sua boa saúde a esta prática, insistindo em que o sono excessivo induzia à frouxidão da carne e tendia a enfraquecer a vista. Mas o pior aspecto de se permanecer na cama era o fato de se perder um tempo valioso, o que era um pecado contra Deus. Wesley sustentava que o levantar -se cedo podia não ser suficiente para tornar um homem um cristão, mas o não levantar-se podia manter a pessoa pagã, longe do espírito de Cristo. Wesley trabalhava o tempo todo. Ele e o ócio se separavam; poderia dizer honestamente que não tinha uma hora sequer para gastar, desde as 4 da manhã até às 9 da noite. O fundador do Metodismo teria concordado alegremente com dois aforismos (sentenças morais, máximas) de seu contemporâneo, Thomas Jefferson, o autor da independência norte-americana: "É maravilhoso o quanto pode ser feito se estivermos em constante atividade ", e "Ninguém jamais reclamará da falta de tempo se nunca o perder". Wesley redimia os fragmentos de seus dias. Se o vento ou as ondas atrasassem o seu embarque, juntava uma congregação e pregava-lhe o evangelho. Ou traduzia um tratado de lógica para o uso de seus pregadores. Quando em viagem, levava sempre um livro; e seu Diário, com uma infinidade de notas sobre livros, fala eloquentemente de sua leitura. Quando estava muito doente para pregar ou viajar, mas suficientemente disposto para ler ou escrever, trabalhava em suas "Notas sobre o Novo Testamento". Quando deu a seus pregadores o conselho contido ainda hoje no ritual para admissão à sua Conferência Anual Metodista: "Seja diligente; nunca esteja sem ocupação; não se ocupe com coisas inúteis; nunca desperdice tempo, nem gaste mais tempo em qualquer lugar que o estritamente necessário", estava escrevendo autobiograficamente. Apesar do seu volume de trabalho, ele mantinha a proporção. Nunca permitiu que a porção do dia dedicada ao trabalho da igreja avançasse no horário da oração particular. De fato, quanto mais ocupado estivesse em deveres eclesiástico s, mais se entregava à oração. Ele era capaz de escrever: "Tenho tanto que fazer hoje que devo orar duas horas pela manhã". No entanto, apesar de todos os seus compromissos, graças à sua rigorosa administração do tempo, era calmo de espírito. Dele se poderia dizer o que o biógrafo do falecido arcebispo Temple disse: "Viveu uma vida agitada, mas nunca perdeu o fôlego". O Metodismo deve muito ao domínio que Wesley exercia sobre o tempo. 2. Por uma consciência sensível à Bíblia. Com Wesley as exuberâncias da evangelização sempre foram reprimidas (delimitadas, margeadas) por uma consciência escrupulosa. A noção, às vezes prevalecente, de que se "o coração de uma pessoa está certo, não importa muito o que ela faz," era condenada pelo o fundador do Metodismo. A conduta deveria sempre concordar com a moralidade. Em certa ocasião ele censurou severamente as sociedades litorâneas cujos membros estavam envolvidos em contrabando e percebeu, mais tarde, que o trabalho de Deus havia aumentado lá desde que a prática de roubar o rei havia cessado. Examinava os membros das sociedades para ver se algum deles estava envolvido com a destilação alcoólica ilegal. Excluiu alguns por transações comerciais duvidosas. Sempre exortava seu povo a evitar "a preguiça, a prodigalidade (desperdício, esbanjamento) e a falta de asseio", que nem sempre são reconhecidas como pecados entre os evangélicos. Em uma conferência (que no Brasil equivale a um Concílio), empregou quase todo o tempo verificando se "o espírito e a vida de nossos pregadores estão de acordo com suas profissões". Até hoje (no metodismo norte -americano) cada membro de uma Conferência Anual (Concílio Regional) na Igreja Metodista deve enfrentar uma inspeção anual de seu caráter. Para Wesley, nenhum êxtase de emoção religiosa, nem a mais feliz bem-aventurança mística, poderia substituir as exigências simples, terrenas, da honestidade, da sobriedade, da diligência e da boa vontade. A fonte da ênfase moral de Wesley era, sem dúvida, a Bíblia. Ele chamava o Metodismo de reavivamento da religião bíblica, e afirmava, repetidamente, que o único guia para a fé e prática que reconhecia eram as Escrituras. Qual o guia pelo qual os homens julgam o certo e o errado? Como devem suas consciências ser dirigidas? O guia cristão para o certo e o errado é a Palavra de Deus, os escritos do Antigo e do Novo Testamentos... são uma lanterna aos pés dos cristãos, e uma luz em todos os seus caminhos. A Palavra de Deus, somente, Wesley recebe como seu guia para o que é certo ou errado, o que é realmente bom ou mau. Ele não julga nada bom, a menos que aqui esteja declarado, diretamente ou por consequência simples; não considera nada mau, senão o que aqui está proibido, em termos ou por inferência inegável. Além de qualquer outra coisa que a Bíblia possa ser, ela é um livro de retidão. Embora a vida cristã seja mais do que a moralidade, não é cristã se não tiver moralidade. Viver retamente pode não ser a essência da religião, mas é a essência das exigências de Deus sobre nós. Em parte alguma do Novo Testamento se requer que tenhamos uma experiência emocional, a fim de que sejamos salvos. Seu refrão, expresso de várias maneiras, é: "A menos que a vossa retidão exceda a dos escribas e fariseus" - o padrão moral mais alto conhecido no tempo de Jesus - "não entrareis no Reino de Deus" (Mt 5:20). Não há substituto para a conduta conscienciosa. Qualquer profissão de comunhão com Deus que não conduza a ela é armadilha ou fraude. Todas as alterações do sentimento que não resultam em maior constância de caráter são pó e cinza diante de Deus. Toda tática evangelística deve ser colocada à prova, para que confirme a santidade do coração e da vida. A fita métrica de nossos esforços de reavivamento não é a profundidade dos sentimentos de arrependimento, nem a intensidade dos desejos; não é o calor das emoções nem são os bons momentos proporcionados por estas experiências, mas, sim, a obediência filial a Deus e os frutos do Espírito dela decorrentes. Se for grande a nossa eloquência como evangelistas , ou poderosas as nossas obras, ou profundas as nossas emoções, se não guardarmos os mandamentos de Cristo, nosso testemunho será em vão; e ouviremos o Mestre dizer um dia: "Os publicanos e as pecadoras entrarão no reino dos céus antes de vós". A retidão segundo a Bíblia foi a prova a que Wesley submeteu seus próprios trabalhos evangelizadores. Seus filhos espirituais não deveriam se desviar dela. 3. Por um senso comum crítico. "Sobre as Escrituras e o senso comum", escreveu Wesley a um dos seus correspondentes, "edifico todos os meus princípios". Ele acreditava que a religião cristã é baseada na razão e que renunciar ao raciocínio é o mesmo que renunciar à religião. A religião e a razão andam juntas, de modo que toda a religião irracional é falsa. Em seu famoso tratado sobre a perfeição cristã ele diz: "Admoesto-vos a nunca usar as palavras “sabedoria”, “razão” ou “conhecimento” de maneira injuriosa. Ao contrário, orai para que possais abundar nelas mais e mais". Ele insistia, portanto, em que todas as afirmações religiosas fossem elaboradas com lógica. Criticava severamente os místicos como Boehme, a quem encontrou cheio de contradições, ou Swedenborg, demasiado "selvagem". O Romantismo de Rousseau também sentiu o toque de suas mãos. Wesley admoestava seus seguidores a respeito das generalizações religiosas muito fáceis: "Muitas vezes tenho encontrado em mim mesmo e nos outros uma tendência a unir eventos que não têm verdadeira relação entre si. Assim, uma pessoa diz: “estou tão certo de que esta é a vontade de Deus quanto estou justificado”. Outro diz: “Deus falou isto ao meu coração como nunca falou antes”. É um meio muito perigoso de falar ou pensar". Wesley afirmava somente o que encontrava na Bíblia. Isto é, ele se declarava um literalista. Na verdade, submetia as Escrituras ao mesmo exame de racionalidade - o verdadeiro senso comum mais do que a lógica aristotélica - como fazia com todas as outras coisas. A princípio, Wesley empregava o sorteamento para encontrar orientação diária. Abria a Bíblia a esmo e observava o significado da primeira passagem que seus olhos encontrassem. Estava indeciso se deveria deixar Londres e ir a Bristol para tomar conta do trabalho lá. Abriu a Bíblia ao acaso e o versículo que encontrou (Atos 8:2) dizia: "Alguns homens piedosos sepultaram a Estevão e fizeram grande pranto sobre ele". Era um aviso claro para que não fosse a Bristol. Mas, pouco depois, ainda confuso sobre o assunto, e inclinado a mudar de ideia, abriu a Bíblia em 2 Reis 16.20 - "E Ajaz dormiu com seus pais, e eles o sepultaram na cidade de Jerusalém". Para o observador imparcial este verso pareceria tão agourento quanto o primeiro. Mas Wesley leu nele uma ordem divina para que fosse. O caso é que enquanto ele procurava orientação na Bíblia, lia através das lentes do seu próprio julgamento. Sua crítica se aprofundou pela familiaridade com a grande literatura do mundo. Lia livros de todos os tipos -para mencionar, citemos alguns livros e seus autores mencionados em seu Diário: os clássicos antigos (Ilíada e Odisseia de Homero; Memorabilia, de Xenofonte; os Diálogos de Luciano, Virgílio, Cícero e Horácio); filosofia: (Platão, Locke, Leibniz, Hutchinson); economia, política (O Príncipe, de Maquiavel e Fábulas das Abelhas, de Mandeville); literatura católico-romana (Vidas, de Loiola, São Patrício, os místicos medievais); ciências (Bacon, as Cartas do dr. Flanklin sobre a eletricidade, Huyghens, Priestley, as transações da Sociedade Real); poesia (Milton, Pope, Cray, Young, Voltaire, Thomson, Ossiam); drama (Shakespeare), inúmeros volumes de história, cartas (Dean Swift, Lord Chesterfield ); viagens (Viagem às Ilhas do Oeste, do dr. Johnson, Jornada Sentimental, de Sterne, Descrição de Córsega, de Boswell, As Viagens de Cook) bem como estudos profissionais e sermões. Será que tudo isto é semelhante à leitura da maioria dos evangelistas? No entanto, embora fosse crítico de muito do que passava por religião, ele era igualmente crítico da razão e da aprendizagem. Sabia que apesar de a razão fornecer os freios, ela não enche o tanque de combustível. Por si só não produz fé, esperança, ou amor. Enquanto a erudição dá dimensões ao ministério do homem que a mais completa consagração não pode compensar, ele sabia que Deus pode usar pessoas incultas para realizar seus propósitos. As limitações da razão tornaram-no tolerante também às opiniões e práticas que se desviavam (diferenciavam, divergiam) das suas. 4. Pelas regras do bom-tom . Wesley foi criado nas tradições educadas da Igreja Anglicana. Embora tenha se afastado do meio em que foi educado para que pudesse salvar almas, nunca sucumbiu à heresia de que quanto mais cru é um pregador, mais eficiente é seu ministério. Ele se encolerizava contra aqueles que gritavam do púlpito e usavam levianamente o nome divino. Seu ideal é sugerido por uma frase que usava com frequência: "um estado de alegria solene" – o sentimento religioso temperado pela dignidade própria do santuário e a crucialidade dos interesses últimos. Ele ficava mortificado com as desordens na congregação. Repreendia em linguagem bem clara as sociedades nas quais as pessoas caminhavam durante o culto "como se estivessem num jardim" (passeando) ou conversavam durante ou depois do culto, como se estivessem num bar. Ah! Wesley, devias estar vivo agora! Em outras palavras, Wesley acreditava que um cristão deveria ter boas maneiras. "Como é agradável a cortesia unida à sinceridade! Por que", perguntava ele, "deveriam elas estar separadas?" Um ministro (pastor), pensava ele, deve ter toda a "cortesia de um cavalheiro unida à correção de um erudito". Embora Wesley fosse duro como administrador havia também uma delicadeza em suas relações sociais que nem sempre pode ser encontrada no pregador do evangelho. Certa vez, Wesley estava almoçando com um de seus pregadores itinerantes, uma pessoa de maneiras muito simples. Este pregador sem tato, notando que a filha de seu anfitrião usava mais anéis que ele poderia aprovar, tomou rudemente a mão da moça e disse: "O que o senhor pensa, sr. Wesley, desta mão metodista?" Com um sorriso bondoso dirigido à moça, Wesley replicou: "Penso que é uma mão muito bonita". Para Wesley, as boas maneiras não eram uma virtude de menor importância, como o eram para alguns evangelistas. Concluindo, ao ponderarmos sobre a magnitude de Wesley como um modelador de almas, e uma influê ncia contínua, o segredo parece ter sido – tanto quanto a inspeção humana pode verificar – a simetria de seus trabalhos. A “praga do evangelismo ” - ou seja, a aderência (adesão, enfoque) estreita a um fragmento do evangelho, a um segmento da natureza humana ou a um método único – era completamente estranha a Wesley. Como consequência, seu reavivamento não terminou em cansaço, desilusão e reação raivosa contra a igreja; terminou na sua recriação. Lemos, no livro de Apocalipse, que a extensão, largura e altura da Nova Jerusalém são iguais. As palavras simbolizam também a realização de João Wesley. Extensão: não somente um ministério pessoal de sessenta anos de duração; mas uma "linha de esplendor sem fim" – impulsionada por energias super-humanas. Largura: a santificação da natureza integral do homem – da mente, do corpo, do coração, da vontade, da sociedade – sendo o mundo a sua paróquia. Altura: aspiração a nada menos que a perfeição do Pai Celestial. Se pudermos apenas compreender a visão de Wesley em todas as suas dimensões, e torná-la nossa, talvez vejamos a Cidade Santa descendo uma vez mais à terra, e Deus habitará conosco e seremos seu povo e ele será nosso Deus. A ação evangelizadora é uma ação do amor. Um ato motivado e impulsionado pelo amor de Deus e uma dádiva amorosa da totalidade de sua vida no compartilhar do amor divino às pessoas e comunidades. Por amar o ser humano, Wesley desejava levar-lhe, com todas as suas forças e com todo o seu coração, o amor redentor de Cristo. Amou a todos intensa e sinceramente, sem descriminações, numa época cheia de preconceitos, separações, menosprezos e marginalizações. Em especial, amou os abandonados, desprezados, pobres e desesperados, valorizando suas vidas e trazendo-lhes a esperança e o poder do evangelho de Cristo. Para rever, reavaliar e redespertar os cristãos e os metodistas na paixão evangelizante, está sendo relançado o tradicional, motivador e sempre atual livro, João Wesley, o Evangelista. Ao lermos este livro, religaremos nossas vidas e a vida da Igreja Metodista (e cristã) aos fundamentos básicos da "experiência de João Wesley" e ao desenvolvimento da obra de renovação e restauração iniciada por ele, seu irmão Carlos Wesley e um grupo significativo de irmãos(ãs). Bispo Nelson Luiz Campos Leite
Bispo Nelson Luiz Campos Leite
Enviado por Silvio Dutra Alves em 11/05/2014
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