Legado Puritano
Quando a Piedade Tinha o Poder
Textos
SOBRE O SERMÃO DO MONTE - Parte 2
Por John Wesley

“Bem-aventurados os mansos, porque eles herdarão a terra.
Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque eles serão fartos.
Bem-aventurados os misericordiosos porque eles alcançarão misericórdia.”
(Mateus 5.5-7)
1. Quando “o inverno se foi”, quando “é chegado o tempo de cantar, e na terra se ouve a voz da cotovia”;
quando regressa o que conforta os que choram “para com eles habitar para sempre”; quando, à refulgência
de sua presença, as nuvens, as nuvens negras da dúvida e da incerteza, se dispersam, as tempestades do
terror se aplacam, as vagas da tristeza se aquietam e o espírito outra vez se alegra em Deus seu Salvador, -
então é que esta palavra inteiramente se cumpre, então é que podem testificar os que foram consolados:
“Bem-aventurados”, ou felizes, “os mansos, porque eles herdarão a terra”!
2. Mas, quem são “os mansos”? Não são os que, por não possuírem conhecimento, não se afligem por
coisa alguma; que não se turbam em face dos males que ocorrem, porque não discernem entre o bem e o
mal; nem os que se acham ao abrigo dos choques da vida, em virtude de uma insensibilidade estúpida;
que têm, por natureza ou por aquisição, a virtude das rochas e das pedras, a nada se ressentindo porque
nada sentem. Os duros filósofos são totalmente alheios a este assunto. A apatia está tão longe da
mansidão como da humanidade.
Ninguém poderia facilmente conceber que os cristãos das idades mais puras, especialmente os Pais da
Igreja, confundissem à mansidão com a insensibilidade e tomassem um dos erros mais insensatos da
gentileza como um legítimo aspecto do verdadeiro cristianismo.
3.Também a mansidão cristã não implica na falta de zelo de Deus, como não implica em ignorância ou
insensibilidade. Não; ela se guarda de todos os extremos, não pecando nem por excesso, nem por
deficiência. Não destrói, mas contrabalança as afeições que o Deus da natureza nunca teve em vista
anular pela graça, mas somente manter e guardar sob certa regulamentação adequada. Equilibra retamente
os espíritos. Considera de modo igual a ira, a tristeza e o temor; sustenta a posição intermediária e daí não
se desvia nem para a direita, nem para a esquerda.
4. A mansidão parece, pois, relacionar-se conosco mesmos, mas também ela se deve mostrar em
referência a Deus ou a nosso próximo. Quando a mansidão se refere à atitude da alma para com Deus, dáse-
lhe usualmente o nome de “resignação” — uma calma aquiescência à sua vontade, qualquer que ela
seja, no tocante a nós, embora não seja essa vontade do agrado de nossa natureza, dizendo o crente sem
cessar: “Ele é o Senhor; faça o que bem lhe parecer”. Quando a consideramos mais estritamente em
relação a nós mesmos, chamamo-la “paciência” ou “contentamento”. Quando é exercida no trato com
outros homens, é chamada “doçura” para com os bons e “delicadeza” para com os maus.
5. Os que são verdadeiramente mansos discernem com clareza o que é mau e podem suportá-lo. São
sensíveis a todo mal, mas ainda assim se dominam a si mesmos. São extremamente “zelosos do Senhor
dos Exércitos”, mas seu zelo é sempre guiado pelo conhecimento e temperado, em todos os pensamentos,
palavras e ações, com o amor do homem e com o amor de Deus. Não intentam destruir nenhum dos
pendores que o Senhor implantou, com sábios propósitos, em sua natureza; mas têm o domínio de tudo:
mantêm-nos em sujeição e somente os empregam de acordo com aqueles propósitos. Deste modo, mesmo
as paixões mais rudes e desagradáveis se aplicam aos fins mais nobres; mesmo o ódio, a ira, o temor,
quando empregados contra o pecado e dosados pela fé e pelo amor, servem de muros e trincheiras à alma,
para que o maligno não se aproxime no intuito de feri-la.
6. É evidente que semelhante disposição não só deve existir em nós, mas deve aumentar-se dia a dia.
Enquanto estivermos sobre a terra não nos hão de faltar ocasiões de exercitá-la e de incrementá-la através
do exercício. “Temos necessidade de paciência para que, depois de termos feito” e suportado “a vontade
de Deus, possamos receber a promessa”. Temos necessidade de resignação para que, em todas as
circunstâncias, possamos dizer: “Não seja como eu quero, mas como tu queres”. E temos necessidade de
“bondade para com todos os homens”, mas especialmente para com os ingratos e maus: de outro modo
seremos vencidos pelo mal, em lugar de o vencermos pelo bem.
7. A mansidão não se abstém somente do ato exterior, como os escribas e fariseus ensinavam no passado
e os miseráveis mestres, não orientados por Deus, não deixarão de fazer em todas as eras. Nosso Senhor
nos adverte contra isso e mostra o verdadeiro alcance daquela mansidão nas seguintes palavras: “Tendes
ouvido que foi dito aos antigos: Não matarás; e: Quem matar, estará sujeito a julgamento: mas eu vos
digo que todo aquele que se ira contra seu irmão, sem causa, estará sujeito a julgamento; e quem chamar a
seu irmão: Raca, estará sujeito ao julgamento do sinédrio; e quem lhe chamar: Tolo, estará sujeito à geena
de fogo” (Mt 6.21ss).
8. Sob o título de homicídio nosso Senhor aí compendia até a ira que não passa do coração, que não se
revela por qualquer malevolência exterior, nem sequer por uma palavra carregada de paixão. “Todo o que
se ira contra o seu irmão”, contra qualquer homem, visto que todos somos irmãos; todo o que sente em
seu coração qualquer malquerença, qualquer impulso contrário ao amor; todo o que se irrita “sem causa”,
sem causa suficiente, ou vai muito além do que a causa poderia requerer, “estará em perigo do juízo”;
enocov estai; estará, naquele momento, sujeito ao justo juízo de Deus.
Mas alguém não preferirá ler os originais que omitem a palavra eikh, sem causa? Esta palavra não é
totalmente supérflua? Porque, se o irar-se contra alguém é um movimento contrário ao amor, como pode
haver uma causa para tal ira - qualquer causa que a justifique diante de Deus?
A ira contra o pecado - concordamos. Em tal caso podemos irar-nos sem pecar. Neste sentido se registra
uma vez que mesmo nosso Senhor se mostrou irado: “Ele olhou para eles com indignação, admirando-se
da dureza de seus corações”. “Ele se admirou dos pecadores e irou-se contra o pecado.” E isto é
indubitavelmente reto à vista de Deus.
9. “E todo o que disser a seu irmão: Raca” - todo o que der lugar à ira, pronunciando qualquer palavra
ofensiva. Os comentadores observam que Raca é uma palavra siríaca, que propriamente significa nulo,
sem préstimo, tolo; é, pois, uma palavra tão inofensiva, que bem poderia serempregada no trato com
pessoa contra quem estivéssemos indispostos. No entanto, o que usar dela, segundo nosso Senhor nos
assegura, “estará em perigo do juízo”, ou, antes, estará sujeito a ele: será digno da mais severa sentença
do Juiz de toda a terra.
Mas o que disser: “Tolo” - dando assim lugar ao diabo, descambando para o terreno da injúria, através de
linguagem intencionalmente ofensiva e ultrajante, “estará sujeito à geena de fogo”, - merecerá, naquele
instante, a mais alta condenação. Deve-se observar que nosso Senhor apresenta todos esses transgressores
como sujeitos à punição capital: a primeira, por estrangulamento, usualmente infligida àqueles que eram
condenados por um dos tribunais inferiores; a segunda, por apedrejamento, frequentemente infligida aos
condenados pelo grande Conselho de Jerusalém; a terceira, ser queimado vivo, era infligida somente aos
grandes criminosos, no “vale dos filhos de Enon”: !nhyg, de onde evidentemente procede aquela palavra
que traduzimos por “inferno”.
10. Conquanto os homens naturalmente imaginem que Deus desculpará suas lacunas no cumprimento de
alguns deveres, em atenção ao seu escrúpulo em outros, nosso Senhor a seguir toma o cuidado de cortar
pela raiz aquela fantasia tão vã quanto vulgar. Ele mostra que é impossível a qualquer pecador
transacionar com Deus; que não se aceitará um serviço em lugar de outro, nem se tomará a obediência
parcial como obediência total. Adverte-nos de que o cumprimento de nossos deveres para com Deus não
nos dispensará do cumprimento de nossos deveres para com o próximo; adverte-nos de que as obras de
piedade, assim chamadas, estão tão longe de nos recomendarem a Deus, se estivermos em falta para com
a Caridade, que, ao contrário, a falta de caridade tornará abomináveis ao Senhor todas aquelas obras.
“Se estiveres, pois, apresentando a tua oferta no altar, e aí te lembrares que teu irmão tem contra ti alguma
coisa” – em razão de tua conduta cruel para com ele, por o teres chamado “Raca” ou “Tolo”, não penses
que tua oferta fará expiação por tua ira, ou que ela será aceitável a Deus enquanto tua consciência se
encontre manchada pela culpa do pecado de que te não arrependeste. “Deixa ali a tua oferta diante do
altar, e vai primeiro reconciliar-te com teu irmão” (faze, pelo menos, tudo quanto estiver em tuas mãos
para te reconciliares), “e depois vem apresentar a tua oferta” (Mt 5.23 e 24).
11. E que não haja tardança no cumprir aquilo que tão de perto diz com os interesses de tua alma:
“Harmoniza-te sem demora com o teu adversário” – agora, imediatamente, “enquanto estás no caminho
com ele”; se forpossível, antes que ele desapareça de tua vista; “para que não suceda que o adversário te
entregue ao juiz”, para que não aconteça que ele apele para Deus, o Juiz de todos; “e o juiz te entregue ao
oficial”, a Satanás, o executor da ira de Deus, “e sejas recolhido à prisão”, no inferno, para ali te
conservares reservado ao Juízo do grande dia. “Em verdade te digo que não sairás dali até pagares o
último ceitil.” É impossível, todavia, que jamais o faças, visto nada terescom que pagar. Portanto, uma
vez que sejas lançado naquela prisão, o fumo de teu tormento “subirá para todo o sempre”.
12. Entrementes, “os mansos herdarão a terra”. Quão fátua é a sabedoria terrena! Os sábios do mundo os
advertem mais e mais de que, se não reagirem ao mau tratamento, se pacificamente permitirem que os
maltratem, não haverá para eles lugar na terra; jamais serão capazes de angariar as coisas comuns, que são
necessárias à vida, nem conseguirão manter a posse do que têm; não poderão esperar paz, nem uso
pacífico da propriedade, nem gozo de qualquer vantagem. Muito bem: suponhamos que não haja Deus; ou
suponhamos que Deus não se enrede nos negócios dos filhos dos homens: mas, “quando Deus se levantar
para exercer juízo e para ajudar a todos os mansos sobre a terra”, como exporá Ele ao ridículo toda essa
sabedoria pagã, “convertendo a ferocidade do homem em seu louvor!” Ele toma um cuidado especial em
prover os mansos de todas as coisas necessárias à vida e ao bem-estar; Ele lhes garante a provisão que fez,
a despeito da violência, da fraude ou da malícia dos homens; aquilo que Ele ministra, disso faz que os
mansos desfrutem abundantemente. É-lhes doce ao paladar, seja muito ou pouco. Como na paciência
possuem suas almas, assim verdadeiramente possuem o que Deus lhes dá. Estão sempre contentes, sempre
satisfeitos com o que têm: agradam-se com as coisas que possuem porque isto é do agrado de Deus.
Enquanto todo seu coração, seu desejo e seu prazer estão nos céus, podem verdadeiramente dizer que
“herdam a terra”.
13. Parece haver, todavia, uma significação ainda mais clara a assinalar-se àquelas palavras: é que eles
terão parte mais eminente na “nova terra, onde habita a justiça”, naquela herança cuja descrição (os
detalhes nós os conheceremos no futuro), S. João nos traça no capítulo vinte do Apocalipse: “E vi um
anjo descendo do céu, - e apoderou-se do dragão, da antiga serpente, - e amarrou-o por mil anos. Vi as
almas daqueles que tinham sido decapitados por amor do testemunho de Jesus e da Palavra de Deus, e os
que não adoraram a besta nem a sua imagem, e que não receberam a marca na testa nem na mão; eles
viveram e reinaram com Cristo mil anos. Os outros mortos não viveram até que fossem cumpridos mil
anos. Esta é a primeira ressurreição. Bem-aventurado e santo é o que tem parte na primeira ressurreição;
sobre estes a segunda morte não tem poder, mas serão sacerdotes de Deus e de Cristo, e reinarão com Ele
durante os mil anos”.
II
1. Até aqui nosso Senhor se empenhou mais diretamente em remover os tropeços da verdadeira religião:
assim, o orgulho, o primeiro dos grandes empecilhos de toda religião, é removido pela pobreza de
espírito; a displicência e a irreflexão, que impedem que qualquer religião se enraíze na alma, são
excluídos pela santa tristeza; a ira, a impaciência, o descontentamento, encontram sua cura na mansidão
cristã. E quando duma vez esses entraves se anulam, quando se anulam essas doenças perniciosas da
alma, que nela estavam constantemente engendrando falsos desejos e enchendo-a de apetites doentios, -
regressa o apetite natural ao espírito nascido dos céus: ele se torna faminto e sedento de justiça: e “Bemaventurados
são os que têm fome e sede de justiça; porque eles serão fartos”.
2. A justiça, como já observamos, é a imagem de Deus, a mente que havia em Cristo Jesus. É a reunião
num só caráter de todas as inclinações celestiais e santas, decorrendo do amor de Deus e tendo nesse
amor seu fim; amor de Deus como nosso Pai e Redentor e, por sua causa, amor a todos os homens.
3. “Bem-aventurados os que têm fome e sede” disso. Para compreendermos claramente a expressão,
devemos observar, primeiro, que a fome e a sede são os mais fortes de nossos apetites corporais. Do
mesmo modo, essa fome da alma, essa sede da semelhança de Deus, uma vez despertadas na alma, vêm a
ser os mais fortes de todos os nossos apetites espirituais; sim, o homem absorve tudo mais neste único e
grande desejo: ser renovado segundo a semelhança daquele que nos criou. Devemos observar, em
segundo lugar, que de espaço em espaço começamos a sentir fome e sede: estes apetites não cessam, mas
se tornam cada vez mais insistentes e importunos, até que comamos, bebamos - ou morramos. Enquanto
isso, desde que começamos a ter fome e sede de toda a mente que havia em Cristo, esses apetites
espirituais não se estancam, mas reclamam seu alimento com crescente insistência; nem eles têm
possibilidade de silenciar antes de serem satisfeitos, se alguma vida espiritual ainda restar. Podemos, em
terceiro lugar, observar que a fome e a sede não podem ser saciadas por nenhuma outra coisa, a não ser
pela comida e pela bebida. Se ao faminto derdes em troca o mundo inteiro, toda a elegância de vestuário,
todo o esplendor da corte, todos os tesouros da terra, sim, e milhões em ouro e prata; se lhe tributardes
todas as honras— ele não atentará para coisa alguma: à sua vista nenhuma valia possui o que lhe
ofereceis. E dirá ainda: “Estas não são as coisas de que careço: dai-me de comer ou então morrerei”. A
mesma coisa se dá com toda alma verdadeiramente faminta e sedenta de justiça: Não encontrará conforto
em coisa alguma, exceto na justiça; não se satisfará com nenhum outro bem. Tudo quanto lhe oferecerdes
em troca será acolhido com frieza: em face das riquezas, das honras ou dos prazeres, o homem ainda dirá:
“Isto não é o de que preciso: dai-me o amor, ou então morrerei!”
4. É impossível satisfazer a alma sedenta de Deus, do Deus vivo, com o que o mundo reputa como
religião e como que o mundo considera como felicidade. A religião do mundo implica em três coisas: 1)
Não dar prejuízo, abster-se de pecado exterior, pelo menos do pecado escandaloso, como o furto, o roubo,
o juramento habitual, a embriaguez; 2) Fazer o bem, auxiliar ao pobre, - ser caridoso, como se diz; 3)
Usar dos meios de graça, pelo menos frequentando a Igreja e participando da Santa Ceia. O homem em
quem concorrem esses três requisitos é tido pelo mundo como “homem religioso”. Pode isso, entretanto,
satisfazer ao que tem fome de Deus? Não: aquelas coisas não são alimento para sua alma. Ele deseja uma
religião de mais nobre espécie, uma religião mais elevada e mais profunda do que essa. Tão impossível
lhe é nutrir-se com essas pobres coisas frívolas e formalistas, como “encher o estômago de vento
oriental”. Na verdade, ele é zeloso no abster-se da própria aparência do mal; é zeloso de boas obras;
observa todas as ordenanças de Deus; mas estas não são as coisas que Sua alma deseja com ardor.
Representam apenas o lado exterior daquela religião de que ele tem fome insaciável. O conhecimento de
Deus em Cristo Jesus; “a vida que está escondida com Cristo em Deus”; o ser “unido ao Senhor em um
espírito”; ter “comunhão com o Pai e o Filho”; “andar na luz como Deus está na luz”; “purificar-se como
Ele é puro” - esta é a religião, a justiça de que tem sede; nem pode ele descansar, até que repouse em
Deus.
5. “Bem-aventurados os que” assim “têm fome e sede de justiça, por que eles serão fartos”. Serão
saciados das coisas que desejam, isto é, “justiça e verdadeira santidade”. Deus os fartará com as bênçãos
de sua bondade, com a felicidade de seus eleitos; alimenta-los-á com o pão dos céus, com o maná de seu
amor; dar-lhes-á a beber prazeres como os que defluem, do rio cujas águas não permitirão voltem a ter
sede os que uma vez a provarem, a não ser a sede que reclama insaciavelmente a água da vida. Esta sede
durará para sempre:
“A sede dolorosa, o desejo insistente,
Tua gloriosa presença os estancará:
Toda minha alma, entretanto, ainda pedirá
Uma eternidade inteira de Amor”.
6. Tu, pois, quem quer que sejas, a quem Deus concedeu ter “fome e sede de justiça”, clama ao Senhor
para que jamais percas esse dom inestimável, para que jamais cesse esse divino apetite. Se alguns te
censurarem e mandarem que recalques, a tua paz, não atentes para eles; clama com redobrada energia:
“Jesus, Mestre, tem misericórdia de mim!”. “Não permitas que eu viva, a não ser para que seja santo
como tu és Santo!” Não “gastes” mais “teu dinheiro naquilo que não é pão, nem teu labor com aquilo que
não pode satisfazer”. Podes ter esperança de retirar felicidade da terra - encontrá-la nas coisas do mundo?
Oh! Calca aos pés de todos os seus prazeres, despreza suas honras, reputa seus tesouros como cisco e
escória, - sim, o mundo com todas as coisas que estão debaixo do sol - e isto “pela excelência do
conhecimento de Cristo”, pela inteira renovação de tua alma à imagem de Deus, segundo a qual foi ela
inicialmente criada. Guarda-te de saciar essa bendita fome e essa bendita sede com aquilo que o mundo
chama “religião”, - uma religião de forma, de exterioridade, que deixa o coração tão terreno e sensual
quanto era dantes. Que coisa alguma haja que te satisfaça, exceto o poder da piedade, exceto uma religião
que seja espírito de vida; estando tu em Deus e Deus em ti, sê um habitante da eternidade, penetrando
pelo sangue da aspersão para “além do véu” e assentando-te “nos lugares celestiais com Cristo Jesus”.
III
1. Quanto mais cheios da vida de Deus se encontrem os crentes, mais ternamente se interessam pelos que
ainda estejam sem Deus no mundo, mortos ainda em delitos e pecados. Nem esse interesse pelos outros
perderá sua recompensa: “Bem-aventurados os misericordiosos, porque eles alcançarão misericórdia”.
A palavra usada por nosso Senhor mais imediatamente se refere à posse de um coração terno e
compassivo; refere-se àqueles que, longe de desprezarem os que não sentem fome de Deus,
profundamente se afligem por eles.
Esta parte destacada do amor fraternal aí se coloca, por uma bem conhecida figura, pelo todo, de modo
que “os misericordiosos”, no sentido pleno da palavra, são os que amam ao próximo como a si mesmos.
2. Em razão da grande importância desse amor - sem o qual, “ainda que falemos a língua dos homens e
dos anjos, ainda que tenhamos o dom de profecia e conheçamos todos os mistérios e toda a ciência; ainda
que tenhamos toda a fé, a ponto de remover montes; ainda que distribuamos todos os nossos bens para o
sustento dos pobres e entreguemos o próprio corpo para ser queimado - nada nos aproveita”, a sabedoria
de Deus dele nos deu, pelo apóstolo Paulo, uma clara e especial definição, de modo que pudéssemos
discernir mais lucidamente quais sejam os misericordiosos que alcançarão misericórdia.
3. “A Caridade”, ou o Amor (como seria desejável que a palavra em toda a parte fosse traduzida, por ser
mais compreensiva e menos ambígua), o amor de nosso próximo como Cristo nos amou, é “longânimo”, é
paciente para com todos os homens: suporta todas as fraquezas, ignorância, erros, imperfeições, toda a
rebeldia e mesquinhez de fé por parte dos filhos de Deus; toda a malícia e iniquidade da parte dos filhos
do século. E ele suporta tudo isso, não apenas por uma vez, por um curto prazo, mas até o fim, sempre
alimentando nosso inimigo, quando faminto; sempre lhe dando de beber, se tiver sede; assim
continuamente “amontoando brasas vivas” de ardente amor “sobre sua cabeça”.
4. E em cada passo dado rumo a este fim desejável: “vencer o mal com o bem”, “o amor é benigno”:
(crhsteuetai- palavra que não é facilmente traduzível): terno, doce, suave. Coloca-se no extremo oposto
em relação à tristeza, a toda aspereza ou acrimônia de espírito, e ao mesmo tempo inspira ao sofredor a
mais amável brandura e a afeição mais carinhosa e fervente.
5. Consequentemente, “o amor não inveja”: é impossível que o faça, sendo ele exatamente o oposto dessa
inclinação funesta. Não é possível que aconteça que aquele que a todos vota essa terna afeição, que
profundamente deseja todas as bênçãos temporais e espirituais, todas as boas dádivas, neste mundo e no
mundo vindouro, a toda alma que Deus fez, venha a entristecer-se à comunicação de qualquer bem a
qualquer dos filhos dos homens. Se ele mesmo recebeu um dom igual, não se ofende, mas regozija-se com
o fato de que outrem participe do benefício comum. Se não recebeu, bendiz a Deus pelo fato de seu irmão
o haver recebido, e nisto se sente mais feliz do que seu próprio irmão beneficiado. Quanto maior for seu
amor, mais se regozijará nas bênçãos comunicadas a toda a humanidade e mais se distanciará de qualquer
forma ou espécie de inveja a qualquer criatura.
6. O amor ou perpereuetai- “não se jacta”, o que coincide com as palavras que se seguem; mas, antes
(como a palavra do mesmo modo mais propriamente insinua), não é temerário ou apressado no juízo: não
se afoita em condenar a ninguém. Não profere sentença severa, fundada em repentina ou superficial
apreciação de fatos: primeiro pesa todas as evidências, principalmente as que se arguam em favor do
acusado. O verdadeiro amigo do próximo não é como o comum dos homens, que, mesmo em casos da
mais delicada natureza, “veem um pouco, presumem grande parte e saltam logo à conclusão”. Não: ele
procede com prudência e circunspeção, atentando para cada circunstância e subscrevendo de bom grado
aquela regra dos pagãos antigos (oh! onde aparecerá o moderno cristão!): “Tão longe estou de crer
apressadamente no que um homem diz contra outro, que não crerei facilmente no que o homem disser
contra si próprio. Sempre lhe dareI oportunidade de retratação e, em muItos casos, de também consultar
advogado.”
7. O apóstolo prossegue: “o amor não se ensoberbece”; não leva homem algum “a pensar mais altamente
de si mesmo do que deva pensar”, nem tolera que isso se faça, mas incita à sobriedade de pensamento:
humilha a alma até o pó. Destrói todos os conceitos elevados que geram o orgulho e faz que nos
regozijemos em ser nada, em ser pequenino e vil, o menor de todos, o servo de todos. Os que são
“ternamente afeiçoados uns aos outros com amor fraternal” não podem senão “preferir, na honra, aos
outros”. Aqueles que, tendo o mesmo amor, são de um só parecer, em humildade de mente “estimam os
outros melhores do que são eles próprios”.
8. “Não procede inconvenientemente”: não é rude, ou deliberamente agressivo no trato com ninguém. “Dá
a cada um o que lhe é devido: a quem temor, temor; a quem honra, honra”; cortesia, polidez, urbanidade
para com toda gente, “honrando a todos os homens”, em suas diferentes posições. Um escritor antigo
define a obra da educação, mesmo em seu grau mais elevado - a polidez - com “o continuo desejo de
agradar revelando-se em todo o exterior”. Se assim for, ninguém será tão bem educado como o cristão,
amigo de toda a humanidade, porque ele não pode desejar outra coisa senão agradar a todos os homens no
que “sirva para sua edificação”. Uma vez que seu “amor é sem dissimulação”, ele o revelará em todas as
ações e conversação e ainda o constrangerá, sem hipocrisia, a “fazer-se tudo para todos, para de algum
modo salvar a alguns deles”.
9. E, fazendo-se tudo para todos os homens, o “amor não busca o que é seu”. Lutando por agradar a todos
os homens, o que ama à humanidade de modo nenhum tem em vista seu próprio lucro temporal. Não
cobiça a prata, o ouro ou as vestes de ninguém: nada deseja a não ser a salvação de suas almas. De algum
modo pode dizer-se que, não buscando, na realidade, seu próprio lucro temporal, nem mesmo busca o
próprio proveito espiritual, porque, enquanto se empenha absorventemente por lhes salvar as almas, ele se
esquece, por assim dizer, de si mesmo. Não pensa em si próprio enquanto o zelo da glória de Deus o
devora. Algumas vezes até acontece que, por excesso de amor, se expõe a entregar-se a si mesmo, corpo e
alma, clamando então com Moisés: “Rogo-te, este povo cometeu o maior pecado, fizeram para si deuses
de ouro: ou lhe perdoes esta culpa, ou se o não fazes, risca-me do teu livro que escreveste” (Êx 32.31 e
32); ou com S. Paulo: “Porque eu mesmo desejara ser anátema por Cristo, por amor de meus irmãos, que
são do mesmo sangue que eu, segundo a carne” (Rm 9.3).
10. Não é para espantar que semelhante “amor não se irrita”: ou paroxunetai. Observe-se que a palavra
facilmente inserida de modo estranhável na tradução, não figura no original. As palavras de S. Paulo
são absolutas: “o amor não se irrita”; não se irrita para fazer mal a ninguém. Ocasiões, na verdade,
surgirão com frequência; virão provocações exteriores de várias espécies; mas o amor não cede aos
desafios: triunfa em tudo. Em todas as provações olha para Jesus e em seu amor sai mais do que
vencedor.
Não é improvável que nossos tradutores houvessem inserido aquela palavra para, por assim dizer, escusar
o apóstolo que, segundo acreditavam, poderia, de outro modo, aparecer falhando justamente nesse amor
que tão belamente descreve. Parece terem eles suposto isto à vista de uma frase que ocorre nos Atos dos
Apóstolos, também por sua vez muito mal traduzida. Quando Paulo e Barnabé se desavieram acerca de
João Marcos, a tradução assim apresenta o fato: “E a contenda entre eles se tomou tão áspera, que se
separaram” (At 15.39). Isto naturalmente induz o leitor a supor que eles se tivessem irritado em medida
igual; que S. Paulo, que sem dúvida alguma tinha razão no tocante ao assunto em tela, (sendo bastante
inconveniente que outra vez levassem consigo a João, visto que este os abandonara da outra vez),
estivesse tão irado quanto Barnabé, o qual deu tamanha prova de sua ira, que renunciou à obra para que
fora separado pelo Espírito Santo. Mas o original não autoriza tal coisa; não afirma que S. Paulo se
irritasse em medida alguma. Simplesmente diz: Egeneto de paroxusmov– “E houve uma contenda”, um
paroxismo de ira, em consequência da qual Barnabé deixou S. Paulo, tomou a João e seguiu seu próprio
caminho. Paulo então “escolheu a Silas e partiu, sendo recomendado pelos irmãos à graça de Deus” (o
que não se diz acerca de Barnabé): “e ele foi através da Síria e Cilícia”, como havia tencionado,
“confirmando as igrejas”, mas para voltar.
11. O amor desarma mil provocações que, de outra sorte, poderiam tomar grande vulto, porque Ele “não
suspeita mal”. Na verdade, o que é misericordioso não pode evitar o conhecimento de muitas coisas
perversas; não pode deixar de vê-las com os próprios olhos e ouvi-las com os próprios ouvidos. O amor
não lhe arranca os olhos, tornando-se deste modo impossível que veja as coisas como se praticam, nem
lhe tira a inteligência, nem os sentidos, de modo que não perceba a maldade das coisas. Por exemplo:
quando vê um homem ferir o próximo, ou então o ouve blasfemar contra Deus, não pode pôr em dúvida o
que foi feito, nem as palavras pronunciadas; não pode duvidar de que essas coisas sejam más; sim, ou
logizetai to kakon.A palavra logizetai, pensa, não se refere nem ao fato de vermos ou ouvirmos, nem ao
primeiro e involuntário movimento de nossa inteligência, mas ao nosso conceito voluntário, que não
temos necessidade de formular; à nossa inferência de mal, onde este não apareça; ao nosso raciocínio
acerca daquilo que não vemos; à nossa suposição em torno do que nem vimos, nem ouvimos. Isto é o que
o verdadeiro amor absolutamente elimina. Corta cerce, raiz e ramos, toda imaginação em redor do que
não conhecemos. Destrói todos os ciúmes, todas as suspeitas más, toda presteza em crer no mal. Éfranco,
aberto, despreocupado; e, não podendo ter em vista o mal, também não teme o mal.
12. “Não folga com a injustiça”, coisa comum, mesmo entre os que trazem o nome de Cristo, os quais não
têm escrúpulo em regozijar-se quando seu inimigo cai em aflição, erro ou pecado. Em verdade, quão
difícil é que evitem tal atitude, os que zelosamente se filiam a um partido! Quão difícil lhes é o não se
alegrarem com a descoberta de alguma falta em membros da facção oposta, acarretando uma nódoa real
ou fictícia, seja nos seus princípios, seja na sua conduta! Qual o defensor apaixonado de qualquer causa
que se mostre isento desse pecado? Sim, quem é suficientemente calmo para se conservar na
imparcialidade? Quem não se rejubila quando o adversário pisa em falso, de que imagina advenha
proveito à própria causa? Só o homem de amor. Só ele pode chorar em face do pecado ou da loucura de
seu adversário, não se alegrando em ouvir ou em divulgar tal fato, mas antes desejando que ele se olvide
para sempre.
13. Mas “regozija-se na verdade”, onde quer que ela se encontre; na “verdade que é conforme à piedade”,
produzindo seus próprios frutos - santidade de coração e santidade na conversação. Regozija-se com o
constatar que mesmo os que a ele se opõem, seja no que concerne a opiniões, seja em algum ponto de
prática, são, não obstante, amigos de Deus e irrepreensíveis sob outros aspectos. Alegra-se em deles ouvir
dizer bem e em falar todo o bem que se possa proclamar dentro da verdade e da justiça. De fato, sua
glória e sua alegria residem no fato de ser o bem geralmente difundido em meio da raça humana. Como
cidadão do mundo, reclama sua parte na felicidade de todos os que o habitam. Sendo homem, não se
desinteressa do bem-estar de homem algum, mas se regozija em quem quer que dê glória a Deus e
promova a paz e a boa vontade entre os homens.
14. Esse “amor oculta todas as coisas” (assim, sem dúvida, panta stegei devia ser traduzido; porque, de
outro modo, seria a mesma coisa quepanta upomenei, “suporta todas as coisas”): porque o misericordioso
não folga na iniquidade, nem deliberadamente faz menção dela. Qualquer que seja o mal que veja, ouça
ou conheça, ele o oculta, tanto quanto possa fazê-lo sem tornar-se “participante dos pecados de outrem”.
Onde quer que se encontre, ou com quem quer que esteja, se lhe acontece ver alguma coisa que não
aprova, isto não lhe sairá dos lábios, a não ser que o refira à pessoa implicada, se por felicidade puder
ganhar a seu irmão. Tão longe está de fazer das faltas ou das falhas alheias assunto de sua conversação,
que do ausente jamais fala, se não puder falar bem. O boateiro, o caluniador, o mexeriqueiro, o
maledicente, são para ele iguais ao homicida. Preferiria degolar de uma vez o próximo a lhe matar a
reputação. Mais depressa se divertiria em pôr fogo à casa do vizinho do que em “despedir flechas, tições e
morte”— e ainda dizer: “Não estou brincando?”
Somente uma exceção ele abre. Algumas vezes se convence de quê, para a glória de Deus, ou (o que vem
a ser a mesma coisa), para o bem de seu próximo, certo mal não deva ficar encoberto. Neste caso, em
defesa do inocente, sente-se constrangido a apontar o culpado. Mas ainda assim — (1) Não falará de
modo nenhum, enquanto o amor, o amor mais elevado, não o levar a isto. (2) Não chegará a tal ponto
movido pelo confuso intuito de fazer o bem, ou de promover a glória de Deus, mas tangido pela clara
visão de um objetivo definido, de um bem definido, que tenha em mente. (3) Ainda assim não pode falar,
enquanto não estiver plenamente convencido de que tal meio seja necessário àquele fim; de que o fim em
apreço não possa ser atingido, ou pelo menos não o possa ser eficazmente, por nenhum outro meio. (4)
Então ele o faz coma maior tristeza e relutância, usando-o com o derradeiro e pior remédio, um remédio
desesperado num caso desesperador, uma espécie de veneno de que nunca se lança mão, a não ser para
neutralizar outro veneno. Consequentemente, (5) ele usa desse meio tão sobriamente quanto possível— e
isto faz com temor e tremor, receando que, por falar em excesso, mais viole a lei do amor do que poderia
acaso ter feito, se de todo não falasse.
15. O amor “tudo crê”. Sempre quer pensar o melhor; encara as coisas pelo lado mais favorável. Está
sempre pronto a crer no que melhormente tende para a superioridade do caráter de alguém, Facilmente
seconvence (e este é seu profundo desejo), da inocência e integridade de todo homem; ou, pelo menos, da
sinceridade de seuarrependimento, se alguma vez se desviou do caminho. Tem prazer em escusar toda
falta, em condenar o culpado tão levemente quanto possível e em dar todas as atenuantes à fraqueza
humana, até onde possa fazê-lo sem trair a verdade de Deus.
16. Quando não mais pode crer, então o amor “tudo espera”. Diz-se qualquer mal de alguém? O amor
espera que a imputação não seja verdadeira, que o fato arguido nunca se tenha verificado. Está
convencido de sua veracidade? “Mas talvez o fato não se tivesse verificado nas circunstâncias em que é
narrado; de modo que, admitindo o fato, há, contudo, ensejo de esperar que ele não seja tão grave como
foi descrito”. O fato aparentemente constitui um mal indiscutível? O amor espera que a intenção não
fosse tal. É claro que o desígnio foi excessivamente perverso? “Talvez que ele não decorresse de uma
deliberada tendência do coração, mas de um ímpeto de paixão ou de alguma tentação veemente, que
pusesse o homem fora de si.” E ainda quando não se possa duvidar de que as ações, desígnios e
tendências sejam igualmente maus, o amor ainda espera que Deus revelará seu poder e colherá a vitória, o
que determinará haja mais “alegria nos céus” por esse “pecador que se arrepende, do que por noventa e
nove justos que não necessitam de arrependimento”.
17. Finalmente, o amor “tudo suporta”. Isto completa o caráter do homem verdadeiramente
misericordioso. Não apenas suporta algumas, ou muitas coisas; não a maior parte delas, mas, de modo
absoluto, todas as coisas. Seja o que for que a injustiça, a malícia, a crueldade dos homens possa infligirlhe,
ele é capaz de o suportar. A coisa alguma chama de intolerável: jamais diz de qualquer coisa: “Isto
não se pode aturar” Não; ele pode não somente fazer, mas sofrer todas as coisas mediante Cristo que o
fortalece. E tudo quanto sofre não lhe destrói o amor, nem lhe tira a mínima parcela de coragem. Ele é
forte Em face de tudo. É uma chama incandescente mesmo em meio do grande abismo. “As multas águas
não podem extinguir” seu “amor, nem podem as torrentes arrastá-lo.” Triunfa sobre tudo. Nunca “falha”,
quer no tempo, quer na eternidade.
“Em obediência ao que os Céus decretam,
O conhecimento faltará e cessará a profecia;
Mas o mais amplo domínio da Caridade que perdura,
Sem que a 1imite o tempo e sem que se exponha ao declínio,
Em feliz triunfo viverá para sempre,
Incessantemente espalhando o bem e sem cessar recebendo louvor”.
Assim os “misericordiosos alcançarão misericórdia”, não somente pelas bênçãos de Deus derramadas
sobre seus caminhos, pela retribuição do amor devotado a seus irmãos, de mil modos lhe voltando ao
coração, mas também por “um excelente e eterno peso de glória”, no “reino preparado para eles desde a
fundação do mundo”.
18. Por pouco que dirás: “Ai de mim, que sou” constrangido a “habitar com Mesech e ter morada entre as
tendas de Kedar”! Podes derreter a alma e lamentar a perda, na terra, do verdadeiro, genuíno amor:
perdido está, na verdade! Bem podes dizer (não no velho sentido): “Vê como esses cristãos se amam uns
aos outros!” Esses reinos cristãos, que uns aos outros se estão dilacerando as entranhas, desolando-se uns
aos outros a ferro e fogo! Esses exércitos cristãos que de suas fileiras subitamente despacham para o
inferno almas aos milhares e às dezenas de milhares! Essas nações cristãs, que se acham totalmente em
chamas, em guerras intestinas, partido contra partido e facção contra facção! Essas cidades cristãs, onde o
engano e a fraude, o mal e a opressão, sim, o latrocínio e o homicídio, não lhes saem das ruas! Essas
famílias cristãs, divididas pela Inveja, pelo ciúme, pela ira, pelas dissenções domésticas sem número e
sem fim! Sim, e o que é mais digno de lamentação - essas igrejas cristãs - igrejas! (“não o noticies em
Gath”! - mas, ali! como podemos ocultá-lo, seja aos judeus, islamitas ou pagãos?) - que trazem o nome de
Cristo, o Príncipe da Paz, e que movem contínua guerra umas às outras! que convertem os pecadores pelo
processo de os queimar vivos! que estão “embriagadas com o sangue dos santos!” Este elogio cabe
somente à “Grande Babilônia, mãe das meretrizes e das abominações da terra”? Na verdade, não; mas
igrejas reformadas (assim chamadas), há que francamente aprenderam a andar nos seus caminhos. As
igrejas protestantes, quando têm o poder nas mãos, também sabem perseguir, mesmo até o sangue.
Entrementes, como também elas se excomungam umas às outras! Como se votam umas às outras ao
inferno mais profundo! Quanta ira, quanta disputa, quanta malícia, quanta amargura não se acha entre elas
por toda a parte, mesmo quando concordem nos pontos essenciais e só se separem em opiniões ou
minúcias de religião! Quem busca somente “as coisas que promovem a paz e as coisas pelas quais um ao
outro se edifica”? Ó Deus! até quando? Falhará tua promessa? Não temais, pequenino rebanho! Contra a
esperança, crede na esperança! A boa vontade de vosso Pai é renovar a face da terra. Certamente que
todas essas coisas terão fim e os habitantes da terra aprenderão a justiça. . “Nenhuma nação tomará da
espada contra outra nação e não mais se adestrarão para a guerra.” “O monte da casa do Senhor será
estabelecido no cimo das montanhas” e “todos os reinos deste mundo se tornarão em reinos de nosso
Deus.” Então “elas não causarão dano nem destruição em todo seu santo monte”, mas darão o nome de
“Salvação aos seus muros e de Louvor às suas portas”: Os homens serão todos sem defeito ou nódoa,
amando uns aos outros como Cristo nos amou. Sê tu parte das primícias, se a colheita ainda não se fez.
Ama a teu próximo como a ti mesmo. O Senhor Deus encherá teu coração de tal amor a toda alma, que
estarás pronto em dar a vida por sua causa! Que tua alma continuamente seja transbordante de amor,
sufocando toda tendência maldosa ou ímpia, até que Deus te chame para o país do amor, para que a1í com
Ele reines para todo o sempre!
John Wesley
Enviado por Silvio Dutra Alves em 11/05/2014
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