SOBRE O SERMÃO DO MONTE - Parte 3
Por John Wesley
“Bem-aventurados os limpos de coração porque eles verão a Deus.
Bem-aventurados os pacificadores, porque eles serão chamados filhos de Deus.
Bem-aventurados os que têm sido perseguidos por causa da 1ustiça, porque deles é o reino dos céus.
Bem-aventurados sois, quando vos injuriarem, vos perseguirem e, mentindo, disserem todo o mal contra
vós, por minha causa.
Alegrai-vos e exultai, porque é grande o vosso galardão nos céus; pois assim perseguiram aos profetas
que existiram antes de vós.” (Mateus 5.8-12)
I
1. Quantas coisas excelentes se dizem do amor ao próximo! É o “cumprimento da lei”, “o fim do
mandamento”. Sem ele tudo quanto temos, tudo quanto fazemos, tudo quanto suporta mos, nenhum valor
possui à vista de Deus. Trata-se, porém, do amor ao próximo que decorre do amor de Deus: não tendo tal
origem, nenhum mérito lhe pode ser atribuído. É-nos, pois, conveniente examinar com atenção os
fundamentos sobre que descansa nosso amor ao próximo”; se ele realmente repousa sobre o amor de
Deus; se amamos a Deus “porque Ele primeiro nos amou”; se somos limpos de coração: porque este é o
fundamento que jamais será abalado. “Bem-aventurados os limpos de coração, porque eles verão a Deus.”
2. “Os limpos de coração” são os que “Deus purificou como Ele é puro”; que são purificados de toda
afeição ímpia pelo sangue de Jesus; que, “sendo lavados de todas as impurezas da carne e do espírito,
aperfeiçoam a santidade no” amoroso “temor de Deus”. Eles são, pelo poder de sua graça, purificados do
orgulho pela mais completa pobreza de espírito; da ira, de toda maldade ou paixão turbulenta, pela
mansidão e pela ternura; de todo desejo, exceto o de gozar de Deus, conhecê-lo e amá-lo cada vez mais,
mediante aquela fome e sede de justiça que lhe empolgam toda a alma: deste modo agora amam ao
Senhor seu Deus de todo seu coração e de toda sua alma, mente e força.
3. Mas, quão pequeno apreço têm dado a essa pureza de coração os falsos mestres de todos os tempos!
Estes meramente ensinam ao homem o abster-se das impurezas exteriores que Deus taxativamente
proibiu, mas não chegam ao coração; e, desde que o coração não se ponha de sobreaviso, a lição desses
mestres antes serve para estimular as corrupções interiores.
Notável exemplo disto nosso Senhor no-lo forneceu nas seguintes palavras: “Tendes ouvido que foi dito:
Não adulterarás” (versículo 27); e, expondo este mandamento, aqueles cegos condutores de cegos
somente insistiam na abstenção, por parte dos homens, do ato exterior. “Eu, porém, vos digo que todo o
que põe seus olhos em uma mulher, para a cobiçar, já no seu coração adulterou com ela” (versículo 28) ;
porque Deus requer a verdade no íntimo: Ele sonda o coração e experimenta os rins, e se te inclinares
para a iniquidade com teu coração, o Senhor não te ouvirá.
4. E Deus não admite escusa pela conservação de qualquer coisa que seja ocasião de impureza. Por isso,
“se o teu olho direito te serve de pedra de tropeço, arranca-o e lança-o de ti; pois te convém mais que se
perca um dos teus membros do que todo o teu corpo seja lançado no inferno” (versículo 29). Se pessoas
que te sejam tão caras como teu olho direito, derem motivo a que ofendas a Deus, sejam meio de acender
em tua alma desejos ímpios, delas não hesites em separar-te radicalmente. “E se tua mão direita te serve
de pedra de tropeço, corta-a e lança-a de ti; pois te convém mais que se perca um dos teus membros, do
que todo o teu corpo vá para o inferno” (versículo 30). Se aquilo que te parece tão necessário como tua
mão direita, for ocasião de pecado, de desejo impuro, embora este jamais transbordasse do coração, nunca
se revelasse em palavras ou se traduzisse em atos, impõe-te a ti mesmo a separação completa e final:
corta-o pela base, abre mão de tudo por amor de Deus. Qualquer que seja a perda - de prazeres, de bens,
de amigos, - ainda é preferível à perda de tua alma.
Não será fora de propósito dar mais dois passos somente, antes de um rompimento final e absoluto.
Primeiro, experimenta se o espírito impuro não pode acaso ser expulso à força de jejum e oração, e por
cuidadosa abstenção de todo ato, palavra e olhar que julgaste serem ocasiões de pecado. Em segundo
lugar, se não fores libertado por esses meios, pede conselho àquele que vela sobre tua alma, ou, pelo
menos, alguém que tenha experiência nos caminhos de Deus, no tocante ao tempo e ao processo dessa
separação; mas não te aconselhes com a carne e com o sangue, para não “seres presa do forte engano de
crer na mentira”.
5. Nem o próprio matrimônio, santo e respeitável como é, deve ser usado como pretexto para expansões
de nosso desejo. Na verdade, “também foi dito: quem repudiar sua mulher, dê-lhe carta de divórcio” e
tudo estaria resolvido, embora não se alegasse motivo, a não ser o de que o esposo já não a quisesse, ou
quisesse mais profundamente a outra. “Eu, porém, vos digo que todo o que repudia sua mulher, a não ser
por causa de infidelidade” (isto é, adultério, visto a palavra porneia significar falta de castidade em geral,
dentro ou fora do matrimônio), “fá cometer adultério”, se ela se casar de novo; “e o que se casar com a
repudiada comete adultério” (versículos 31 e 32).
A poligamia é claramente proibida nas palavras pelas quais nosso Senhor expressamente declara que a
mulher, casando-se de novo tendo vivo o primeiro marido, é adúltera. Por igual razão, comete adultério o
homem que se casa outra vez, enquanto vive sua primeira mulher, embora estejam divorciados, a não ser
que o divórcio tenha sido decretado sob o fundamento de adultério: neste caso nenhuma Escritura há que
proíba novo casamento.
6. Tal é a pureza de coração que Deus requer e opera nos que creem no Filho de seu amor. E “bem-aventurados
são” os que assim se tornam “limpos de coração, porque eles verão a Deus”. O Senhor se
“manifestará a eles” não somente “como não se manifesta ao mundo”, mas como nem sempre se
manifesta a seus próprios filhos. Ele os abençoará com as mais claras comunicações de seu Espírito, com
a mais íntima “comunhão com o Pai e o Filho”. Deus sempre se fará presente “diante deles, e fará brilhar
sobre eles a luz de sua face. A rogativa incessante de seu coração será esta: “Eu te busco: mostra-me tua
glória”; e eles recebem o objeto de sua petição. Agora o contemplam pela fé (tornando-se transparente,
por assim dizer, o véu da carne), mesmo nas obras mais modestas, em tudo quanto os rodeia, em tudo
quanto Deus criou ou fez. Contemplam-no nas alturas e nas profundezas; contemplam-no como tudo em
todas as coisas: os que são limpos de coração veem todas as coisas cheias de Deus. Veem-no no
firmamento dos céus, na lua deslizando entre refulgências; no sol, quando se regozija como valente por
abrir caminho. Veem-no “fazendo das nuvens seus carros e cavalgando sobre as asas do vento”. Veem-no
“preparando a chuva para a terra e abençoando o aumento dela; dando gordura ao gado e erva tenra para o
sustento do homem”. Veem o Criador de todas as coisas, tudo dirigindo sabiamente e “sustentando tudo
pela palavra de seu poder”. “Ó Senhor, nosso Governador, quão excelente é teu nome em toda a terra!”
7. Em todas as providências relacionadas consigo mesmas, com sua alma ou com seu corpo, mais
particularmente o coração limpo vê a Deus. Os que têm o coração puro veem sua mão amparando-os para
o bem, dando-lhes todas as coisas pesadas e medidas, contando-lhes os cabelos, formando uma sebe ao
redor deles e dispondo todas as circunstâncias de sua vida segundo a profundidade de sua sabedoria e de
sua misericórdia.
8. Entretanto, de modo especial eles veem a Deus em suas ordenanças. Comparecendo perante a grande
congregação para “lhe render a glória devida a seu nome” e “prestando-lhe culto na beleza de sua
santidade”, ou “entrando no seu quarto” e ali derramando a alma diante de seu “Pai que está em secreto”;
buscando os Oráculos de Deus ou ouvindo os embaixadores de Cristo a proclamarem as novas alegres de
Salvação; ou, ao comer aquele pão e ao beber aquele calix , “anuncia sua morte até que Ele venha” nas
nuvens do céu, - em todos esses meios estabelecidos encontram uma tão intima aproximação de Deus, que
não pode ser traduzida em palavras. Eles o contemplam, por assim dizer, face a face e “falam com Ele
como fala o homem com seu amigo”, o que é uma preparação adequada para as mansões do Alto, nas
quais vê-lo-ão assim como Ele é.
9. Quão longe estavam da visão de Deus os que, tendo “ouvido que foi dito aos antigos: Não jurarás falso,
mas cumprirás para com o Senhor os teus juramentos” (versículo 33), assim interpretavam essa palavra:
Tu não perjurarás quando houveres jurado pelo Senhor Jeová; “cumprirás para com o Senhor” esses “teus
juramentos”; mas, quanto aos outros jura mentos, não lhes davam importância!
Assim ensinavam os fariseus. Estes não só admitiam todas as fórmulas de juramento na conversação
ordinária, mas reputavam o perjúrio como coisa insignificante, desde que não jurassem pelo nome
peculiar de Deus.
Nosso Senhor, todavia, aí proíbe terminantemente todo juramento vulgar, como todo juramento falso, e
mostra o caráter odioso de ambos pela mesma consideração terrível de que toda criatura é de Deus, e
Deus está presente por toda parte, em todos e sobre todos. “Eu, porém, vos digo que absolutamente não
jureis; nem pelo céu, porque é o trono de Deus” (versículo 34), sendo que jurar pelo céu é o mesmo que
jurar por aquele que se assenta sobre os altos céus; “nem pela terra, porque é o escabelo de seus pés”
(versículo 35), e Ele está tão presente na terra como no céu; “nem por Jerusalém, porque é a cidade do
grande Rei” - e Deus é bem conhecido em seus palácios. “Nem jures pela tua própria cabeça, porque nem
um só cabelo podes tornar branco ou preto” (versículo 36), visto que ela, é claro, não é tua, mas de Deus,
o único dispensador de tudo, nos céus e na terra. “Mas seja o vosso 1alar”, (versículo 37), vossa
conversação, vossa palavra trocada com os outros, “Sim, sim; Não, não”, uma simples, séria, afirmação
ou negação; “porque o que passa disto vem do maligno”: ek tou ponrou estin, e ao mau, procede do diabo
e é uma característica de seus filhos.
10. Que nosso Senhor não proíba ai o “juramento em juízo e verdade”, quando a isto somos chamados
pela autoridade competente, ressalta: (1) Do lugar em que se coloca esta parte de seu discurso: - Ele
estava reprovando os abusos, que eram o juramento falso e o Juramento habitual; o juramento perante o
magistrado está inteiramente fora de discussão. (2) Das próprias palavras com as quais Ele formula a
conclusão geral: “Seja vosso falar”, ou conversação, “Sim, sim; Não, não”, (3) De seu próprio exemplo;
porque Ele respondeu a um juramento, quando o magistrado o exigiu. Dizendo-lhe o sumo sacerdote:
“Conjuro-te pelo Deus vivo que nos declares se és o Cristo, o Filho de Deus”, Jesus imediatamente
respondeu pela afirmativa: “Tu disseste” (isto é, a verdade); “todavia (ou, antes, além disto), “Eu vos digo
que daqui por diante vereis o Filho do Homem sentado à direita do Todo-poderoso e vindo sobre as
nuvens do céu” (Mt 26.63 e 64). (4) Do exemplo de Deus, o Pai, que, “determinando mais
abundantemente mostrar aos herdeiros da promessa a imutabilidade do seu conselho, interpôs um
juramento” (Hb 6.11). (5) Do exemplo de S. Paulo, que julgamos possuía o Espírito de Deus e bem
compreendia a mente de seu Mestre. “Deus é minha testemunha - diz ele aos Romanos - de como
incessantemente faço menção de vós em todas as minhas orações” (Rm 1.9); aos Coríntios: “Tomo a Deus por testemunha sobre a minha alma, de que, para vos poupar, é que não fui mais a Corinto” (2Co 1.23); e aos Filipenses: “Pois Deus é minha testemunha das saudades que tenho de todos vós na tema misericórdia de Cristo Jesus” (Fl 1.8).
Daí resulta inegavelmente que, se o apóstolo, conhecendo a significação das palavras de seu Senhor, nelas não divisava proibição do juramento em ocasiões excepcionais, e partindo de homem para homem, menos ainda enxergaria em se tratando de juramento perante o magistrado! E, por último, da asserção do grande apóstolo, no tocante ao juramento solene em geral (sendo impossível que ele o mencionasse sem qualquer movimento de censura, se terminantemente seu Senhor o houvesse proibido): “Os homens juram, na verdade, pelo que é maior”, por alguém que seja maior do que eles; “e o juramento para confirmação é para eles o fim de todas as contadas” (Hb 6.16).
11. Mas a maior lição que nosso bendito Senhor aí inculca, e que confirma pelo seu exemplo, é a de que
Deus está em todas as coisas, e que vemos a Deus refletido no espelho de toda criatura; que não ousemos
encarar coisa alguma como separada de Deus, o que é, na verdade, uma forma de ateísmo; mas, com
verdadeira magnificência de pensamento, devemos considerar o céu e a terra, e tudo que neles há, como
sustentados por Deus na concha de sua mão, que por sua providência conserva o ser a todas as coisas,
pervade e estrutura de toda a Criação e atua sobre ela, e é, no sentido próprio, a alma do universo.
II
1. Assim, nosso Senhor muito mais diretamente se empenhou em ensinar a religião do coração. Tendo
mostrado como os cristãos deviam ser, passa agora a mostrar também o que eles devem fazer - até que
ponto a santidade interior deve infiltrar-se em nossa conversação exterior. “Bem-aventurados - diz Ele -
os pacificadores, porque eles serão chamados filhos de Deus”.
2. “Os pacificadores” - a palavra de original é oi eirhnopoioi, Bem sabido é que eirhnh nos Escritos
Sagrados, significa toda espécie de bem, toda bênção que se relacione quer com a alma, quer com o
corpo, no tempo e na eternidade. Portanto, quando S. Paulo, na introdução de suas epístolas, deseja graça
e paz aos Romanos e aos Coríntios, é como se ele dissesse: “Como fruto do livre, imerecido favor de
Deus gozai de todas as bênçãos, espirituais” e temporais: gozai de todas as boas coisas que Deus preparou
para os que o amam”.
3. Daí facilmente aprendemos em que amplo sentido se deve tomar o termo “pacificadores”. Em seu
sentido literal, designa os amigos de Deus e dos homens, que profundamente aborrecem e detestam toda
luta e debate, todo desacordo e contenda e, em consequência, trabalham com todas as forças para impedir
que se acenda esse fogo do inferno, ou, quando aceso, que se propague, alastrando-se ainda mais. Eles se
esforçam por acalmar o atormentado espírito dos homens, por lhes asserenar as paixões tumultuosas, por
abrandar a mente dos partidos digladiantes e, se possível, reconciliar uns com os outros. Usam de todas as
artes inocentes e empregam todo seu vigor, todos os talentos que Deus lhes deu, não só para preservar a
paz lá onde ela reine, mas para também restaurá-la lá onde ela não exista. A alegria de seu coração é
promover, confirmar, aumentar a mútua boa vontade entre os homens, mais especialmente entre os filhos
de Deus, quando divididos acerca de coisas de pequena importância, os quais, tendo “um mesmo Senhor e
uma só fé”, sendo todos “chamados em uma só esperança de sua vocação”, devem todos “andar de acordo
com a vocação segundo a qual foram chamados, com toda humildade e mansidão, com longanimidade,
suportando-se uns aos outros em amor, esforçando-se por guardarem a unidade do Espírito no vínculo da
paz”.
4. Na plena extensão do vocábulo, pacificador é, entretanto, aquele que, tendo oportunidade, “faz o bem a
todos os homens”; cheio do amor de Deus e de toda a humanidade, não se limita a expressá-lo aos
membros de sua própria família, ou aos amigos, conhecidos, correligionários, ou aos que tenham a mesma
opinião, - nem aos que são participantes de igual fé preciosa; mas ultrapassa todos os particularismos para
fazer o bem a todos os homens, de modo que, por qualquer forma, manifeste seu amor ao próximo e ao
forasteiro, aos amigos e aos inimigos. Faz o bem a todos, segundo as oportunidades, isto é, em todas as
ocasiões que se lhe apresentem, para isso “remindo o tempo”, monopolizando todos os ensejos, enchendo
todas as horas, não perdendo sequer um momento que possa ser útil a outrem. Ele faz o bem, não de
gênero particular, mas o bem em geral, de todo o modo possível, empregando nisto todos os talentos de
toda ordem, todos os seus poderes e faculdades de corpo e de alma, toda sua fortuna, seus interesses, sua
reputação; apenas desejando que, quando seu Senhor vier, possa Ele dizer: “Bem está, servo bom e fiel!”
5. Faz o bem, usando do máximo de suas forças, ao corpo de todos os homens. Regozija-se em repartir
“seu pão com o faminto” e “cobrir a nudez com o seu manto”. Alguém é peregrino? Recolhe-o e auxilia-o
segundo suas necessidades. Está alguém doente ou encarcerado? Visita-o e lhe presta todo o serviço de
que careça - e tudo isso faz, não ao homem, mas lembrando-se daquele que dissera: “Aquilo que fizeres a
um desses meus irmãos mais pequeninos, a mim o fizeste”.
6. Como se regozija ele, em muito maior escala, se pode fazer o bem à alma de qualquer homem! Este
poder, na verdade, pertence a Deus. Somente Deus pode mudar o coração, sem o que outra qualquer
mudança será tão inútil como a própria vaidade. Não obstante, é do agrado daquele que opera tudo em
todas as coisas, auxiliar o homem especialmente por intermédio do homem, comunicar ao homem seu
próprio poder, bênção e amor, por intermédio do homem. Assim, embora seja certo que “o bem que é
feito sobre a terra é Deus quem o faz”, não é justo que o homem, fundado neste motivo, permaneça ocioso
em sua vinha. O pacificador não pode estar ocioso: trabalha nela e, como instrumento nas mãos de Deus,
prepara o terreno para uso de seu Senhor, ou semeia a semente do Reino, ou rega o que já se tenha
semeado, para que Deus lhe dê o crescimento. Segundo a medida da graça que tenha recebido, usa de toda
diligência no repreender os grandes pecadores, no prevenir aos que correm sem peias através da larga
estrada que leva à perdição, ou “iluminando o que está de assento nas trevas” e estão a ponto de “perecer
por falta de conhecimento”, ou suportando o fraco, confortando “as mãos cansadas e os joelhos
vacilantes”, e reconduzindo ou guiando o cego que se desviava do caminho. Não menos zeloso é em
confirmar os que já se esforçam por entrar pela porta estreita, em fortalecer os hesitantes, de modo que
“corram com paciência a carreira que lhes está proposta”; em edificar em sua santíssima fé os que sabem
em quem têm crido; em exortá-los a que reacendam o dom de Deus que neles há, de modo que, crescendo
diariamente na graça, “seja-lhes facultada abundantemente uma entrada no reino eterno de nosso Senhor e
Salvador Jesus Cristo”.
7. “Bem-aventurados” os que assim se encontram empenhados continuamente na obra da fé e no trabalho
do amor, “porque eles serão chamados” isto é, serão (um hebraísmo comum), “os filhos de Deus”. Deus
continuará neles a obra do Espírito de Adoção e, ainda mais, este se derramará com maior abundância em
seu coração. Deus os abençoará com todas as bênçãos reservadas a seus filhos; reconhecê-los-á como
filhos diante dos homens e dos anjos. E, “sendo filhos, são também herdeiros; herdeiros de Deus e co-herdeiros de Cristo”.
III
1. Alguém poderia imaginar que uma tal pessoa, como acima se descreveu, tão cheia de genuína
filantropia, tão séria sem afetação, tão doce e delicada, tão livre de todo desígnio egoístico, tão devotada a
Deus e amiga tão ardorosa dos homens, fosse o ídolo da humanidade. Mas nosso Senhor conhecia melhor
a natureza humana em seu presente estado. Por isso, concluindo o esboço do caráter de seu homem de
Deus, mostra-lhe o tratamento que deveria esperar da parte do mundo. “Bem-aventurados” — diz Ele—
“os que são perseguidos por causa da justiça, porque deles é o reino dos céus.”
2. Para que devidamente se compreenda isto, perguntemos, em primeiro lugar: “Quais são os
perseguidos?” Podemos sabê-lo facilmente, através de S. Paulo: “Como no passado, o que fora nascido
segundo a carne perseguia ao que nascera segundo o Espírito, assim acontece agora” (Gl 4.29). “Sim, diz
o apóstolo, “e todo o que deseja viver piamente em Cristo Jesus, sofrerá perseguição” (2Tm 3.12). O
mesmo nos ensina S. João: “Não vos maravilheis, meus irmãos, se o mundo vos aborrecer. Sabemos que
passamos da morte para a vida, porque amamos os irmãos” (1Jo 3.13,14). É como se ele houvesse dito:
Os irmãos cristãos, não podem ser amados, a não ser por aqueles que passaram da morte para a vida. Mais
expressamente ensina o Senhor: “Se o mundo vos aborrece, sabei que ele primeiro me aborreceu a mim.
Se fosseis do mundo, o mundo vos amaria; mas, como não sois do mundo, o mundo vos aborrece.
Lembrai-vos da palavra que eu vos disse: o servo não é maior do que seu Senhor. Se eles me perseguiram,
também vos perseguirão a vós” (Jo 15.18ss).
De todas essas Escrituras manifestamente ressalta quais são os perseguidos: são os justos; o “que é
nascido do Espírito”; “todos os que desejam viver piamente em Cristo Jesus”; os que “passaram da morte
para a vida”; os que “não são do mundo”; todos os que são mansos e humildes de coração, que choram
por Deus, que têm fome de sua semelhança; todos os que amam a Deus e ao próximo e que, por esta
razão, fazem, segundo as oportunidades que tenham, todo o bem a todos os homens.
3. Se se perguntar, em segundo lugar, porque são eles perseguidos, igualmente clara e óbvia será a
resposta: “Por causa da justiça”; porque são justos; porque são nascidos do Espírito; porque “desejam
viver piamente em Cristo Jesus”; porque “não são do mundo”. Qualquer que seja o pretexto, esta é a
causa real: fossem suas fraquezas em escala maior ou menor, isso não seria motivo de perseguição: o
mundo as suportaria, amando o que é seu. São perseguidos por serem pobres de espírito, isto é, serem o
que o mundo chama “desanimados, medíocres, covardes, não prestando para nada, inaptos para viverem
no mundo”. Porque choram: “são tristes, entorpecidas, estúpidas criaturas, bastante capazes de embotar o
espírito de quem as contemple. São simples cabeças-mortas: matam a alegria inocente e estragam a
sociabilidade, onde quer que se apresentem”. Porque são mansos: “covardes, loucos passivos, exatamente
talhados para a humilhação”. Porque têm fome e sede de justiça: “uma parcela de fanatismo escaldante,
abrindo a boca para não se sabe quê, não se contentando com a religião racional, mas correndo como
loucos para exaltações e terrores”, Porque são misericordiosos, amigos de todos, amigos dos maus e dos
ingratos, - estão “estimulando toda classe de maldade e, além disto, incitando o povo, pela impunidade, a
fazer o mal; e, homens que são para temer, têm sua religião para a ruína, justamente para a negação de
seus princípios”. Porque são limpos de coração: “criaturas descaridosas, que perdem o mundo inteiro,
exceto os de sua própria casta! Ímpios blasfemos, que pretendem fazer a Deus mentiroso, já que
professam viver sem pecado!” O mundo os persegue, acima de tudo, porque são pacificadores, porque se
servem de todas as oportunidades para fazer o bem a todos os homens. Esta é a grande razão pela qual
têm sido perseguidos em todos os tempos e sê-lo-ão até a consumação dos séculos: “Se eles não
cuidassem de outra coisa senão de guardar sua religião para si mesmos, ainda seriam toleráveis, mas essa
divulgação de seus erros, essa contaminação dos outros, é que se não pode tolerar. Eles produzem tal
perturbação no mundo, que não podem ser suportados por mais tempo. É verdade que fazem algumas
coisas proveitosas: auxiliam alguns pobres; mas isto é feito para atrair novos aderentes ao seu partido e,
assim, para causar maior perturbação.” Sinceramente assim pensam e falam os homens do mundo. E
quanto mais prevalece o Reino de Deus, mais os pacificadores se habilitam à propagação da humildade,
da mansidão e de todos os outros traços do caráter divino, e maior soma de mal lhes é atribuída; em
consequência, quanto mais os homens se irritarem contra os autores desse bem, mais encarniçadamente os
perseguirão.
4. Em terceiro lugar, perguntemos: Quais são os perseguidores? Responde S. Paulo: “O que é nascido da
carne”; todo aquele que não é “nascido do Espírito”, ou, pelo menos, não deseja sê-lo; todos os que não se
esforçam por “viver piamente em Cristo Jesus”; todos os que não “passaram da morte para a vida” e,
consequentemente, não podem “amar os irmãos”; “o mundo”, isto é, no conceito de nosso Senhor, “os
que não conhecem Aquele que me enviou”; os que não conhecem a Deus, o Deus de amor e de perdão,
através do ensino de seu próprio Espírito.
A razão disto é clara: o espírito que há no mundo diretamente se opõe ao Espírito que é de Deus. Deve,
pois, necessariamente acontecer que os que são do mundo se oponham aos que são de Deus. Entre eles
existe o mais profundo antagonismo, em todas as opiniões, desejos, intenções e tendências. E por isso o
leopardo e o cabrito não podem coabitar em paz. O orgulhoso, pelo fato de ser orgulhoso, não pode deixar
de perseguir o humilde; o folgazão e o frívolo hão de perseguir os que choram; e assim por diante. A
dessemelhança de disposição (ainda que outra causa não houvesse), é motivo perpétuo de inimizade.
5. Se se perguntasse ainda, em quarto lugar: Como os perseguidores executam sua obra? - responderíamos
de modo geral: exatamente da maneira por que o sábio Dispensador de todas as coisas considera ser mais
adequado à sua glória, e na medida necessária à consecução desse fim; do modo que tender mais
pronunciadamente para o crescimento de seus filhos em graça e para a distensão de seu Reino. Nenhum
aspecto há do governo de Deus que seja mais digno de admiração do que este. Seus ouvidos nunca se
mostram surdos às injúrias do perseguidor ou ao grito dos perseguidos. Seus olhos estão sempre abertos e
suas mãos sempre estendidas para dirigir as mínimas circunstâncias. Quando começa a tempestade, Deus
calculará o vulto que ela possa ter, assinalará o rumo que ela deva tomar, marcará quando e como deva ter
fim. Tudo é determinado por sua sabedoria infalível. O ímpio é somente uma espada de Deus, um
instrumento de que Ele se serve como lhe apraz e que Ele próprio lançará ao fogo, uma vez preenchidos
os graciosos objetivos de sua Providência.
Em algumas raras ocasiões, como quando o cristianismo foi inicialmente estabelecido e ia enraizando-se
na terra, como também quando a pura doutrina de Cristo começou a ser pregada em nosso país, Deus
permitiu que a tempestade se avolumasse muito, - e seus filhos foram chamados a resistir até o sangue. Há
uma razão particular pela qual Ele permitiu isso em relação aos apóstolos: queria que a evidência cristã se
tornasse mais irrecusável. Mas dos anais da Igreja aprendemos outra e mui diversa razão, pela qual eles
sofreram as tremendas perseguições que se levantaram no segundo e terceiro séculos: “o mistério de
iniquidade” tão fortemente “operou” em razão da monstruosa corrupção que reinava na Igreja; Deus os
castigou e ao mesmo tempo se esforçou por sanar, servindo-se daquelas severas, mas necessárias
visitações.
Talvez o mesmo reparo se possa fazer em relação à grande perseguição em nosso país. Deus havia tratado
nossa nação mui graciosamente; havia derramado várias bênçãos sobre nós; tínhamos concedido
abundante paz doméstica; pusera um rei sábio e bom à frente de seus destinos; e, acima de tudo, havia
feito acender e brilhar entre nós a pura luz do Evangelho. Mas, que retribuição recebeu o Senhor? “Ele
esperava justiça, mas ouviu o clamor”, o clamor da opressão e da maldade, da ambição e da injustiça, da
malícia, da fraude, da cobiça. Sim, o clamor dos que então expiravam nas chamas, subindo até os ouvidos
do Senhor Sabaoth. Então Deus se levantou para sustentar sua própria causa contra os que retinham a
verdade em injustiça; entregou-os então às mãos de seus inimigos, por meio de um juízo temperado de
misericórdia, - trazendo uma aflição para punir e um remédio para curar a terrível apostasia de seu povo.
6. Mas é raro que Deus permita que tão alto se levante a tormenta, engendrando a tortura, a morte, ou
cadeias e prisões. Seus filhos são, ao contrário, chamados a suportar mais cruciantes espécies de
perseguição: frequentemente sofrem o abandono dos parentes, a perda de amigos que eram como sua
própria alma. Experimentam o cumprimento da palavra de seu Senhor (acerca do jato, embora não do
objetivo de sua vinda): “Pensais que vim trazer paz à terra? Digo-vos. que não, mas a divisão” (Lc 12.51).
E daí necessariamente se seguirá a perda de negócios ou de emprego e, em consequência, do sustento.
Mas todas essas circunstâncias estão igualmente sob a sábia direção de Deus, que concede a cada um
segundo o que lhe seja mais necessário.
7. A perseguição que todos os filhos de Deus devem esperar é, entretanto, a que nosso Senhor descreve
nas seguintes palavras: — “Bem-aventurados sereis quando os homens vos injuriarem e perseguirem” —
sereis perseguidos por injúrias — “e de vós disserem falsamente todo o mal por minha causa”. Isto não
pode falhar: é a própria insígnia de nossa preparação; é um dos selos de nossa chamada; é a porção segura
transmitida a todos os filhos de Deus. Se não a tivermos, seremos bastardos, e não filhos. Romper através
da difamação, tanto quanto através da boa fama, faz parte do caminho que leva ao Reino. Os mansos,
sérios, humildes amigos de Deus e dos homens, são de boa fama entre seus irmãos, mas de péssima
reputação do conceito do mundo, que os avalia e trata como “o refugo e a escória de todas as coisas”.
8. É verdade que alguns supõem que, antes que entre a plenitude dos gentios, cessará o escândalo da cruz;
que Deus fará que os cristãos sejam estimados e amados mesmo por aqueles que ainda estiverem em seus
pecados. Sim, é certo que, mesmo agora, Deus por algum tempo suspende a má vontade e a ferocidade
dos homens; “faz que os inimigos do homem estejam em paz com este” por certo tempo e concede que o
cristão ache graça à vista de seus piores perseguidores. Mas, ao lado dessa intermitência ocasional, não
cessa o escândalo da cruz, mas pode o homem ainda dizer: “Se isto agrada aos homens, deixo de ser servo
de Cristo”. Que ninguém, pois, encare aquela sugestão agradável (agradável, sem dúvida, à carne e ao
sangue), de “os maus somente pretenderem odiar e desprezar os bons, mas, na verdade, amá-los e estimá-los
em seu coração”. Não é assim: eles podem algumas vezes empregar os bons, mas somente para seu
proveito, próprio. Podem confiar neles, porque sabem que seus caminhos não são como os dos outros
homens. Mas não os amam; menos ainda se o Espírito de Deus estiver lutando com eles. As palavras de
nosso Senhor são claras: “Se fosseis do mundo, o mundo amaria os que eram seus; mas, porque não sois
do mundo, assim o mundo vos aborrece”. Sim, (mesmo pondo de lado quaisquer exceções que se abram
pela graça preventiva de Deus ou por sua providência especial), o mundo odeia os filhos de Deus tão
cordial e sinceramente, como odiou seu Senhor.
9. Resta somente perguntar: Como se devem conduzir os filhos de Deus em face das perseguições?
Primeiro, não devem voluntária e deliberadamente chamá-las sobre si. Isto seria contrário tanto ao
exemplo como à advertência de nosso Senhor e de seus apóstolos, que nos ensinam a não buscá-las, mas a
evitá-las, tanto quanto seja possível fazê-lo sem ofender à nossa consciência, sem abandonar qualquer
porção da justiça que devemos preferir à própria vida. Assim diz expressamente nosso Senhor: “Quando
vos perseguirem numa cidade, fugi para outra”, providência que é, quando possível, o meio mais eficaz de evitar a perseguição.
10. Não pensamos que sempre possais evitá-la, seja por esse ou por quaisquer outros meios. Se jamais
essa imaginação ociosa se insinuar em vosso coração, fazei-a fugir, tomando a precaução segura inculca
da pelo Mestre: “Lembrai-vos da palavra que vos disse: o servo não é maior do que seu Senhor. Se eles
me perseguiram, também vos perseguirão a vós”. “Sede prudentes como as serpentes e simples como as
pombas”. Isto vos subtrairá, todavia, à perseguição? De modo nenhum, a não ser que tenhais mais
sabedoria do que vosso Senhor e maior inocência do que o Cordeiro de Deus.
Nem desejeis evitá-la, dela escapando inteiramente; porque, se o fizerdes, não sereis seus discípulos. Se
escapardes à perseguição, fugireis à bênção reservada aos que são perseguidos por causa da justiça. Se
não fordes perseguidos por causa da justiça, não podereis entrar no reino dos céus: “Se sofrermos com
Ele, com Ele também reinaremos. Mas, se o negarmos, Ele também nos negará.”
11. Não seja assim, mas, antes; “alegrai-vos e regozijai-vos abundantemente”, quando os homens vos
perseguirem por causa de Cristo; quando vos perseguirem, injuriando-vos e “dizendo toda sorte de mal
contra vós, falsamente”, o que eles não deixarão nunca de misturar a todo gênero de perseguição: eles vos
devem denegrir para se inocentarem: “Porque assim perseguiram aos profetas que foram antes de vós”—
os quais foram mais eminentemente santos de coração e de vida, assim como todos os justos que
existiram desde que começou o mundo. Regozijai-vos, porque também por esse sinal sabereis a quem
pertenceis e “porque grande é o vosso galardão nos céus”, a recompensa merecida pelo sangue do
concerto e livremente comunicada em proporção aos vossos sofrimentos, à vossa santidade de coração e
de vida. “Regozijai-vos abundantemente”, sabendo que essa “ligeira aflição”, que não dura senão um
momento, vos produz um “mais excelente e eterno peso de glória”.
12. Entretanto, que a perseguição não vos afaste do caminho da humildade e da mansidão, do amor e da
beneficência. “Ouvistes”, na verdade, o que foi dito: “olho por olho e dente por dente” (Mt 5.38); e
vossos miseráveis doutrinadores daí deduziram o ensino, que vos transmitem, da vingança, da retribuição
do mal com o mal: “Mas eu vos digo que não resistais ao homem mau”, desse modo retribuindo-o na
mesma moeda. “Mas”, em lugar disto, “a quem quer que te bata na face direita, volta-lhe também a outra.
E se alguém quiser demandar contigo para te retirar a túnica, abandona-lhe também: a capa. E se alguém
te obrigar a ir com ele mil passos, vai ele dois mil.”
Seja, assim, invencível tua mansidão - e teu amor seja coerente com essa mansidão. “Dá ao que te pede e
não voltes as costas ao que pede que lhe emprestes.” Somente não dês a outrem aquilo que não te
pertence, mas a terceiros. Deste modo, (1) Toma cuidado em não deveres coisa alguma a ninguém, porque
aquilo que deves não é teu, mas do credor. (2) Provê o necessário aos de tua própria casa. Também isto
Deus exige de ti; e o que é necessário ao sustento da vida e da saúde dos teus, também não te pertence.
Depois, (3) dá ou empresta o que sobrar cada dia, ou de ano em ano: visto que não podes dar nem
emprestar a todos, lembra-te, primeiro, dos que pertencem à família da fé.
13. A mansidão e o amor que devemos revelar, a bondade que devemos demonstrar para com os que nos
perseguem por causa da justiça, nosso bendito Senhor os enuncia a seguir nestes versículos: (oh! que eles
se gravem em nossos corações!) “Ouvistes que foi dito: amarás a teu próximo e aborrecerás a teu
inimigo” (Mt 5.43ss). Deus havia dito a primeira parte: “Amarás a teu próximo”; os filhos do maligno
acrescentaram a última: “e aborrecerás a teu inimigo”; “mas eu vos digo: (1) Amai a vossos inimigos”:
vede que demonstreis uma terna boa vontade para com aqueles que mais amargo tenham o espírito contra
vós, que vos desejem toda sorte de mal. (2) “Bendizei aqueles que vos amaldiçoam.” Há alguém cuja
amargara de espírito transborde em palavras acrimoniosas? Que esteja constantemente vos amaldiçoando
e censurando quando estais presentes, e “dizendo todo o mal contra vós”, quando estais ausentes? O mais
depressa possível fazei vossa obra de bênção: conversando com os tais, usai de toda doçura e delicadeza
de linguagem. Reprovai-os, mas repetindo diante deles uma lição mais excelente: mostrai-lhes como
devem falar. Falando a respeito desses homens, dizei todo o bem que puderdes, sem violar as regras da
veracidade e da justiça. (3) “Fazei o bem aos que vos odeiam”: que vossas ações demonstrem que sois tão
exatos no amor quanto eles o são no ódio. Retribui o mal com o bem. “Não te deixes vencer do mal, mas
vence o mal com o bem”. (4) Se nada mais puderdes fazer, pelo menos “orai por aqueles que vos odeiam
e vos perseguem”. Nunca podereis ser impedidos de fazer isto, nem pode toda sua malícia ou violência
servir-vos de empecilho. Derramai vossas almas diante de Deus, não somente por aqueles que vos fizeram
o mal uma vez, e agora se arrependem: isto é pouco: “Se teu irmão, sete vezes no dia, voltar-te e te disser:
arrependo-me”, (Lc 17.4), isto é, se depois de muitas reincidências, ele vos der razão de acreditar que
esteja real e profundamente mudado, então deveis perdoar-lhe, confiando nele, pondo-o em vosso
coração, como se jamais houvesse pecado, por qualquer forma, contra vós; orai, todavia, e insisti com
Deus, por aqueles que não se arrependem, que contra vós procedem dolosamente e vos perseguem.
Assim, perdoai-lhes, “não até sete vezes, mas até setenta vezes sete” (Mt 18.22). Quer se arrependam ou
não, quer se cheguem para mais perto disso ou se afastem para mais longe, mostrai-lhes aquele exemplo
de bondade, “para que possais ser filhos”, para que possais dar provas de legítimos filhos “de vosso Pai
que está nos céus”, que mostra sua bondade, concedendo bênçãos, segundo a capacidade receptiva que
tenham, mesmo a seus mais irreconciliáveis inimigos; “que faz levantar-se o sol sobre os maus e os bons e vir sua chuva sobre os justos e injustos.” “Porque, se amardes somente aos que vos amam, que
recompensa tereis? Não fazem o mesmo os publicanos” (Mt 5.46), que pretendem não ter religião, que
vós considerais estarem sem Deus no mundo? “E se saudardes”, demonstrando consideração em palavras
ou atos, “somente a vossos irmãos”, vossos amigos ou parentes, “que fazeis de mais?”do que os que não
têm nenhuma religião? “Não fazem também assim os publicanos?” (Mt 5.47). Não seja assim; mas
demonstrai um padrão mais elevado do que o deles. Em paciência, em longanimidade, em misericórdia,
em beneficência de todo gênero, demonstradas a todos, mesmo aos vossos mais implacáveis
perseguidores, - “sede vós”, cristãos, “perfeitos” em espécie, embora não em grau, “como vosso Pai
celestial é perfeito”. (Mt 5.48).
IV
Eis aí o Cristianismo em sua forma inicial, como revelado por seu grande Fundador! Esta é a genuína
religião de Jesus Cristo! Esta é a religião tal como Jesus a apresenta àquele cujos olhos estejam abertos.
Vede o retrato que é de Deus, o qual é inimitável por parte do homem! Um retrato traçado pela própria
mão de Deus! “Vede, escarnecedores, maravilhai-vos e desaparecei.” Ou, antes, maravilhai-vos e adorai!
Clamai, antes, com toda a força: “Esta é a religião de Jesus de Nazaré? A religião que eu persigo? Que
Jamais seja eu encontrado a lutar contra Deus! Senhor, que queres que eu faça?” Que beleza transparece
do conjunto! Que simetria exata! Que proporção perfeita entre todas as partes! Como é desejável a
felicidade ali descrita! Quão venerável, quão amável é a Santidade! Este é o espírito da religião; a
quintessência dela. Estes são, na verdade, os fundamentos do Cristianismo. Oh! Que não sejamos
ouvintes apenas, “como o homem que mira no espelho sua própria face e, indo-se, imediatamente se
esquece”. Não seja assim, mas, antes, “contemplemos constantemente a lei perfeita da liberdade e nela
permaneçamos”. Não descansemos, até que cada linha dessa lei se transcreva em nosso coração.
Vigiemos e oremos, creiamos e amemos, e esforcemo-nos até que “o mistério”, em todas as suas partes,
se esclareça às nossas almas, nelas se gravando pelo próprio dedo de Deus; até que sejamos “santos como
é Santo aquele que nos chamou”, “perfeitos como é perfeito nosso Pai celestial!”
John Wesley
Enviado por Silvio Dutra Alves em 11/05/2014