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SOBRE O SERMÃO DO MONTE - Parte 8
Por John Wesley
“Não ajunteis para vós tesouros na terra, onde a traça e a ferrugem os consomem, e onde os ladrões penetram e roubam; Mas ajuntai para vós tesouros no céu, onde nem a traça nem a ferrugem os consomem, e onde os ladrões não penetram nem roubam: Porque onde está o teu tesouro, aí estará também o teu coração. A luz do corpo são os olhos. Se estes, pois, forem simples, todo o teu corpo será luminoso; Mas se forem maus, todo o teu corpo ficará às escuras. Se, portanto, a luz que há em ti, são trevas, quão densas são essas trevas!” (Mat. 6.19—23) 1. Das ações que são comumente designadas como ações religiosas, e que são ramos reais da verdadeira religião, desde que elas defluem de uma intenção reta e se cumprem de maneira coerente com sua fonte de origem, nosso Senhor passa às ações da vida comum e mostra que a mesma pureza de intenção é tão indispensavelmente requeri da em nossos negócios ordinários, como o é no dar esmolas, no jejuar ou no orar. Sem dúvida, a mesma pureza de intenção, “que torna nossas esmolas e devoções aceitáveis, deve também fazer de nosso trabalho ou emprego uma adequada oferenda a Deus. Se o homem movimenta seu negócio para que possa destacar-se e fazer figura entre os ricos deste mundo, ele não está servindo a Deus em sua ocupação, e não tem melhor título à recompensa que vem de Deus do que o que dá esmolas para ser visto dos homens, ou faz orações para que possa ser ouvido por eles. Os desígnios vãos p terrenos não são mais lícitos em nossos empregos do que em nossas beneficências e devoções. Tais desígnios não são maus apenas quando se insinuam em nossas boas obras” – em nossos atos religiosos - “mas eles têm a mesma natureza ruim quando entram nas operações triviais de nosso emprego. Se fosse legítimo misturá-los em nossas ocupações seculares, seria lícito também abrigá-los sob nossas devoções. Mas não sendo nossas esmolas e devoções serviço aceitável, salvo se procederem ele uma intenção pura, assim nosso trabalho comum não pode ser reconhecido como serviço feito a Deus, a não ser que ele se cumpra com a mesma piedade de coração”. 2. Isto nosso bendito Senhor o declara da maneira mais viva naquelas fortes e expressivas palavras, que Ele próprio explana, reforça e alarga, através de todo o capítulo. “A luz do corpo são os olhos: se estes, pois, forem simples, todo o teu corpo será luminoso; mas, se forem maus, todo o teu corpo ficará às escuras,” Os olhos são a intenção: o que os olhos são para o corpo, a intenção é para a alma. Como aqueles guiam todos os movimentos do corpo, esta conduz os impulsos da alma. Diz-se que os olhos da alma são simples, quando miram somente uma coisa, quando nosso desígnio não é outro senão “conhecer a Deus e a Jesus Cristo, a quem Ele enviou”; conhecê-lo através de afeições adequadas; amá-lo quanto Ele nos amou; agradar a Deus em todas as coisas; servir a Deus (como nós o amamos), de todo nosso coração, e mente, e alma, e força; gozar a Deus em tudo, e acima de todas as coisas, no tempo e na eternidade. 3. “Se os teus olhos forem” até este ponto “simples”, fixos em Deus, “todo o teu corpo será luminoso”. “Todo o teu corpo”: tudo que é orientado pela intenção, como o corpo o é pelos olhos; tudo quanto és; tudo que fazes; teus desejos, tendências, afeições; teus pensamentos, palavras e obras. Tudo isso “será luminoso”, cheio do verdadeiro, divino conhecimento. Esta é a primeira coisa que podemos entender pela palavra – LUZ. “Em sua luz tu verás a luz.”Aquele que outrora mandou a luz brilhar em meio das trevas, brilhará em teu coração: “Ele alumiará os olhos de teu entendimento com o conhecimento da glória de Deus. Seu Espírito te revelará as coisas profundas de Deus. A inspiração do Santo dar-te-á compreensão e em secreto te fará conhecer a sabedoria. Sim, a unção que dele recebeste “habitará em ti, ensinando-te todas as coisas”. Como a experiência confirma isto! Mesmo depois que Deus abriu os olhos de nosso entendimento, se algo buscamos ou desejamos fora de Deus, como se obscurece desde logo nosso estulto coração! Então outra vez descem as névoas sobre nossas almas. Dúvidas e trevas outra vez nos assaltam. Balançamo-nos em avanços e recuos e não sabemos que fazer, ou qual a estrada que devemos seguir. Quando, porém, nada desejamos e nada buscamos fora de Deus, as nuvens e as dúvidas se esvaem. Nós, que “em outro tempo éramos trevas, somos agora luz no Senhor”. A noite agora brilha como o dia, e constatamos que “a vereda da justiça é luz”, Mostra-nos Deus o caminho que devemos trilhar – e aplaina a vereda diante de nossa face. 4. A segunda coisa que pela palavra LUZ aqui podemos entender, é Santidade. Desde que buscas a Deus em todas as coisas, acha-lo-ás em tudo, – continuamente enchendo-te a fonte de toda santidade de sua própria semelhança, justiça, misericórdia e verdade. Enquanto olhas para Jesus, e somente para Ele, estás repleto da mente que nele havia. Tua alma se renovará dia a dia, segundo a imagem daquele que a criou. Se os olhos de tua mente não se apartarem dele, se perseverares “vendo o invisível” e nada mais buscando, seja nos céus ou na terra, então, contemplando a glória do Senhor, serás transformado “à mesma imagem, de glória em glória, pelo Espírito do Senhor”. É também matéria de experiência diária que “pela graça somos” assim “salvos mediante a fé”. É pela fé que os olhos da mente se abrem à visão da luz do glorioso amor de Deus; e desde que eles se fixem atentamente em Deus, – no Deus revelado em Cristo, reconciliando o mundo consigo mesmo – mais e mais nos enchemos do amor de Deus e dos homens, de doçura, de mansidão, de paciência; enchemo-nos de todos os frutos de santidade que são por Cristo Jesus, para a glória de Deus Pai. 5. A luz que pervade aquele que tem os olhos simples implica, em terceiro lugar, tanto na felicidade como na santidade. “A luz é seguramente doce, e agradável coisa é ver o sol.” Quão melhor é, entretanto, ver o Sol da Justiça continuamente brilhando sobre a alma! E se há alguma consolação em Cristo, algum conforto de amor, alguma paz que exceda a toda compreensão, algum regozijo na esperança da glória de Deus, tudo isso pertence àquele cujos olhos são simples. Assim é “todo o seu corpo cheio de luz”. Ele anda na luz como Deus está na luz, regozijando-se sobremodo, orando sem cessar e em tudo dando graças, comprazendo-se na vontade de Deus, não importa qual seja, a ele concernente em Cristo Jesus. 6. “Mas, se teus olhos forem maus, todo o teu corpo ficará às escuras.” “Se teus olhos forem maus”: vemos que não há meio termo entre olhos simples e olhos maus. Se teus olhos não forem simples, então eles serão maus. Se a intenção, em tudo que fizermos, não for unicamente para Deus, se outra coisa buscarmos alhures, então nossa mente e nossa consciência se acham poluídas. Nossos olhos são maus se, em qualquer obra que fizermos, nosso alvo tender para outro fim que não seja Deus; se tivermos outro objetivo à parte do conhecer e amar a Deus, servir e agradar-lhe em todas as coisas; se acalentarmos qualquer outro desígnio que não seja o de comprazer-nos em Deus, sermos felizes nele, agora e para sempre. 7. Se teus olhos não se fixarem unicamente em Deus, “todo o teu corpo será tenebroso”. O véu permanecerá ainda sobre teu coração. Tua mente será cada vez mais cega por obra “do deus deste mundo”, “temeroso de que a luz do glorioso Evangelho de Cristo brilhe sobre ti”. Encher-te-ás de ignorância e de erros no tocante às coisas de Deus, sendo incapaz de as receber e discernir. Ainda quando tiveres algum desejo de servir a Deus, estarás cheio de incerteza quanto à maneira de o servir; cercado de dúvidas e dificuldades por todos os lados, não verás caminho algum por onde te escapes. Se teus olhos não forem simples, se buscares qualquer das coisas da terra, estarás repleto de impiedade e de injustiça; desorientados estarão teus desejos, inclinações e afetos; em ti tudo serão trevas, vileza e vaidade. Tua conversação será tão má como teu coração, não “temperada com sal”, nem “apta a ministrar graça aos ouvintes”, mas ociosa, inútil, corrupta, ofensiva ao Santo Espírito de Deus. 8. A destruição e a infelicidade estão em teus caminhos, já que “não conheceste o caminho da paz”. Não há paz, nem sossego, nem sólido descanso para os que não conhecem a Deus. Não há verdadeiro contentamento, nem contentamento duradouro, para os que não buscam a Deus de todo seu coração. Enquanto aspiras a qualquer coisa que perece, “tudo quanto vem é vaidade”, e não apenas vaidade, mas “vexação de espírito”, tanto no ardor do desejo como na decepção do prazer. Corres, na verdade, em pós de uma sombra vã e te inquietas em vão. Andas em trevas tão espessas que se podem apalpar. Dormes, mas não repousas. Os sonhos da vida podem engendrar sofrimento, o que bem sabes; tranquilidade, porém, eles não podem dar. A não ser em Deus, alvo dos espíritos, neste mundo não há descanso – nem no mundo vindouro. “Se a luz que há em ti são trevas, quão densas são essas trevas!” Se a intenção, que deve iluminar a toda alma para enchê-la de conhecimento, de amor, de paz, o que de fato se verifica quando ela é simples, aspirando tão somente a Deus, – se a intenção, dizíamos, são trevas; se ela suspira por alguma coisa apartada de Deus, recobrindo, consequentemente, a alma de escuridão, em lugar de claridade; mergulhando-a na ignorância e no erro, no pecado e na miséria, - quão densas são essas trevas! É o verdadeiro fumo que sobe do abismo insondável! É a noite absoluta que reina na profundidade mais profunda, na terra das sombras da morte! 9. “Não ajunteis para vós tesouros na terra, onde a traça e a ferrugem os consomem, e onde os ladrões penetram e roubam”. Se o fazes, é que teus olhos são maus, não se fixando unicamente em Deus. Em relação à maior parte dos mandamentos de Deus, ligados ao coração e à vida, os pagãos da África ou da América se elevam muito mais alto do que os que se chamam cristãos. Os cristãos os observam (com poucas exceções), mais ou menos como os pagãos. Por exemplo: a generalidade dos naturais da Inglaterra, comumente chamados cristãos, são de sobriedade e temperança iguais aos vulgares pagãos das cercanias do cabo da Boa Esperança. Os cristãos holandeses ou franceses são tão humildes e castos como os índios Choctaw ou Cherokee. Quando se compara o grosso das nações da Europa com o grosso das nações americanas, não é fácil dizer para que lado pende a superioridade. Afinal, os americanos levam escassa vantagem. Isto não se pode afirmar, todavia, em relação ao mandamento em estudo. Aí cabe folgadamente aos pagãos a preeminência. O pagão deseja e procura apenas o alimento comum com que mata a fome e o trapo vulgar com que se cobre - e busca estas coisas somente para as necessidades que se apresentem cada dia. Nada reserva, nada armazena, a não ser os cereais, que só se colhem numa estação do ano, até sua florescência nova à volta da estação. Assim, os pagãos constante e pontualmente observam o mandamento em debate, embora o não conheçam. Não “ajuntam tesouros na terra”, nem fazem provisão de púrpura ou linho fino, de ouro ou prata, que “a traça e a ferrugem os consomem e os ladrões penetram e roubam”. Que fazem, entretanto, os cristãos na observância daquilo que professam receber como um mandamento do altíssimo Deus? Nada, em absoluto; nada, em medida alguma; o mesmo que fariam se tal mandamento jamais tivesse sido dado aos homens. Mesmo os bons cristãos, considerados tais por outros que são tão bons quanto os primeiros, nenhum apreço dão a este mandamento. Parece até que o mandamento continua oculto em seu grego original, porque nenhuma notícia os homens têm a seu respeito. Em que cidade encontraste um homem entre quinhentos, que tenha escrúpulo de amontoar tanto tesouro quanto possa - e amontoar seus bens na medida de sua capacidade? Na verdade alguns existem que quereriam fazer isto sem injustiça: muitos há que não seriam capazes de furtar ou de roubar; alguns não defraudariam o próprio, nem se aproveitariam de sua ignorância ou necessidade. Mas esta é outra questão. Há escrúpulo quanto à maneira de alcançar certos resultados, mas não quanto à coisa em si. Eles não têm escrúpulo de “ajuntar tesouros na terra”, mas de os ajuntar por meios desonestos. Mesmo esses homens honestos não obedecem melhor ao mandamento do que o fazem um salteador ou um ladrão. Nunca desejaram obedecer ao mandamento. O mandamento jamais lhes passou pela ideia. Foram educados por seus pais, mestres e amigos cristãos, sem qualquer ensino alusivo a ele – a não ser no sentido de o quebrar tão logo e tanto quanto possa, e continuar quebrando – o até o fim da existência. 10. Não existe no mundo exemplo de enfatuação espiritual mais divertida do que esta. Muitos homens leem a Bíblia, ou, ouvem sua leitura, todos os dias do Senhor. Leram ou ouviram aquelas palavras uma centena de vezes e ainda assim jamais suspeitaram de que estavam por elas condenados mais claramente do que por aquelas que proíbem os pais de oferecerem seus filhos ou filhas a Moloque. Quem nos dera que Deus falasse a esses miseráveis enganadores de si mesmos por sua própria voz, sua voz poderosa, de modo que conseguissem escapar do laço do diabo e dos olhos lhes caíssem as escamas! 11. Perguntas o que quer dizer “ajuntar tesouros na terra?” É necessário examinar atentamente a questão. Seja-nos permitido observar, primeiro o que não é proibido neste mandamento, para que vejamos depois, com clareza, seu real ensino. Não nos é proibido neste mandamento, em primeiro lugar, “prover-nos de coisas honestas à vista de todos os homens”, prover-nos das coisas que possamos dar a quem forem devidas – seja qual for a coisa de nós requerida com justiça, tanto mais quanto Deus nos ensina a “não devermos nada a pessoa alguma”. Devemos, pois, usar de toda diligência em nossa vocação, de modo a “não devermos nada a ninguém”, o que vem a ser uma clara lei de justiça comum, que nosso Senhor “veio, não a destruir, mas a cumprir”. Em segundo lugar, o mandamento não proíbe a provisão de coisas que nos sejam necessárias ao corpo; suficiente dose de simples e sadio alimento para nutrir-nos e vestuário limpo para cobrir-nos. Mais ainda: angariar essas coisas, desde que Deus nos faculte os meios, é de nosso dever, uma vez que devemos comer nosso próprio pão para não sermos pesados a ninguém. Também não somos proibidos, em terceiro lugar, de prover o necessário a nossos filhos e aos de nossa própria família. Tal dever somos compelidos a cumprir, mesmo à luz da moral pagã. Todo homem deve ganhar o necessário à vida de sua esposa e filhos e torná-las capazes de manutenção própria, quando o chefe se vai deste mundo e não mais é visto. Quando digo –_o manutenção – quero falar das necessidades singelas da vida e não de gulodices, superfluidades, porque o homem não é obrigado a abastecer aos seus, nem a si próprio, de meios de luxúria e ociosidade. Se, porém, o homem não cuida de seus próprios filhos (assim como das viúvas de sua parentela, de quem primariamente tratava Paulo nas bem conhecidas palavras a Timóteo), praticamente tem “negado a fé e é pior do que um infiel”, ou pagão. Finalmente, por aquelas palavras não nos é vedado reunir, de tempos em tempos, os fundos necessários ao custeio de negócios seculares, na medida e grau reclamados pelos fins previstos, de maneira tal que, primeiro, “não se deva nada a pessoa alguma”; em segundo lugar, procure o homem aquilo que é necessário à vida; e, em terceiro lugar, forneça aos de sua própria casa o necessário enquanto viver, e os meios com que se possam prover, quando tiver ido para Deus. 12. Podemos agora discernir com clareza (a menos que não estejamos dispostos a tal discernimento), o que é de fato proibido. É proibido buscar os bens deste mundo em maior cópia do que o exijam as necessidades previstas. Mourejar em busca de um amontoado maior de fortuna terrena, de um maior acumulo de ouro e prata - estendendo a possessão para além das exigências normais –, isto é o que o mandamento expressa e absolutamente condena. Se as citadas palavras têm qualquer sentido, este deve ser o que se acaba de definir; elas não comportam nenhum outro. Consequentemente, uma vez que o sentido do mandamento é este, desde que o homem não deva, tenha alimento e vestuário para si e para os seus, possuindo as reservas indispensáveis à movimentação de seus negócios temporais – e isto na medida estrita dos propósitos razoáveis; quem quer que seja, afirmo, que, estando em tais circunstâncias, busca na terra quinhões ainda maiores – vive em aberta e habitual negação do Senhor que o resgatou. “Esse tal” praticamente “negou a fé e é pior do que” um africano ou americano “infiel”. 13. Ouvi isto, todos vós que habitais o mundo e amais o mundo em que tendes morada! Podeis ser “altamente apreciados pelos homens”, mas sois “abominação à vista de Deus”. Até quando vossas almas se apegarão ao pó? Até quando vos carregareis de espesso barro? Quando despertareis e vereis que os especulativos pagãos estão mais perto do reino dos céus do que vós? Quando vos persuadireis a escolher a parte melhor, a parte que vos não será arrebatada? Quando procurareis apenas “ajuntar tesouros nos céus”, renunciando, temendo, aborrecendo aos demais? Se ambicionais “ajuntar tesouro na terra”, não somente estais perdendo vosso tempo e gastando vosso rigor em troca daquilo que não é pão –porque, qual será o fruto, se fordes bem sucedidos? – mas assassinastes vossa própria alma! Extinguistes a última centelha de vida espiritual que nela havia! Agora, na verdade, em meio da vida, estais mortos! Sois um homem vivo, mas um cristão morto! “Porque, onde estiver vosso tesouro, aí estará vosso coração”. Vosso coração está sepultado no pó; vossa alma está plantada no chão. Vossas afeições estão postas, não nas coisas de cima, mas nas coisas da terra, em pobres detritos que podem envenenar, mas não podem satisfazer o espírito imortal, criado por Deus. Vosso amor, vossa alegria, vosso desejo, têm por objetivo coisas que se gastam e que perecem. Perdestes a Deus e a Cristo. Ganhastes riquezas e fogo infernal! 14. Oh, “quão dificilmente entrarão no reino dos céus os que possuem riquezas!” Perante os discípulos atônitos, nosso Senhor, longe de retirar essas palavras, repete a mesma importante verdade em termos ainda mais fortes: “É mais fácil passar um camelo pelo fundo de agulha, do que um rico entrar no reino de Deus!” Quão duro é para aqueles cujas palavras são todas aplaudidas, não serem sábios a seus próprios olhos! Quão duro é para eles não se julgarem melhores do que o pobre, desprezível, ignorante rebanho de homens! Quão duro é para eles não buscarem a felicidade nas riquezas ou nas coisas que delas dependem, na gratificação do desejo da carne, da cobiça dos olhos e da vaidade da vida! Ó vós, ricos, como podereis escapar à perdição do inferno? Somente se deve levar em conta que para Deus todas as coisas são possíveis! 15. Se não vos sairdes bem, qual será o fruto de vossa fadiga em amontoar tesouros sobre a terra? “Os que querem ser ricos” (oi de boulomenoi ploutein, aqueles que desejam, que esforçam por alguma coisa, sejam ou não bem sucedidos), “caem em tentação e laço” - armadilha, esparrela do diabo, “e em muitas impurezas loucas e ruins” – epiqumiav anohtouv, desejos em que a razão não entra, pertencendo tais desejos mais propriamente às bestas, que não têm entendimento, e não aos homens, seres racionais e imortais; “que mergulham os homens na destruição e perdição”, em miséria temporal e eterna. Basta que abramos nossos olhos e veremos diariamente as evidências disto: homens que, desejando, resolvendo ser ricos, ambicionando a posse de dinheiro, raiz de todos os males, traspassam-se de muitos desgostos e antecipam o inferno a que vão descendo! É sumamente notável a cautela com que ó apóstolo fala. Ele não afirma absolutamente a perdição do rico, porque é possível que um homem seja rico, sem qualquer das faltas mencionadas, por uma vigilante Providência que lhe evite as próprias escolhas; mas ele afirma isto de oi de boulomenoi ploutein, aqueles que desejam ou procuram ser ricos. As riquezas, perigosas como são, nem sempre “mergulham o homem na destruição e perdição”; mas o desejo de riquezas o faz. Aqueles que calmamente desejam e buscam deliberadamente atingi-las, venham eles de fato a ganhar o mundo ou não, infalivelmente perdem a própria alma. Estes são os que vendem Aquele que os comprou pelo próprio sangue, em troca de umas tantas moedas de ouro ou prata. Estes são os que entram em pacto com a morte e o inferno – e esse pacto continua, porque eles diariamente se fazem dignos de partilhar sua herança com o diabo e seus anjos. 16. Oh! quem persuadira esta raça de víboras a fugir da ira vindoura! Não serão os que batem à sua porta, ou rastejam a seus pés, desejando saciar-se das migalhas que tombam de sua mesa; nem os que mendigam seu favor, ou temem seu olhar carregado; não será nenhum dos que se embaraçam com as coisas terrenas. Se houver, entretanto, um cristão sobre a terra, se este for homem que tenha dominado o mundo, que nada deseje fora de Deus e a ninguém tema, senão Aquele que pode destruir no inferno tanto o corpo como a alma; tu, ó homem de Deus, fala e não te cales; levanta tua voz como uma trombeta! Clama com torça, e mostra a esses pecadores ilustres a desesperada condição em que se encontram! Pode ser que um em mil tenha ouvidos para ouvir; pode ser que se levante e sacuda o pó de sobre si; pode ser que rompa as cadeias que o prendem à terra, e afinal entesoure riquezas no céu. 17. Se isto acontecer, se um desses ricos, pelo poder de Deus, acordar perguntando: “Que devo eu fazer para ser salvo?” - a resposta, segundo os Oráculos de Deus, seja clara, plena e pronta. Deus não te ordena: “Vende tudo quanto possuis”. Na verdade, Aquele que vê os corações viu ser isto necessário em um caso particular, o do jovem rico. Mas Ele nunca disse isto como regra geral aplicável a todos os ricos, em todas as gerações que se sucedem. Sua direção geral é, primeiro, “não sejas pretensioso”. Deus não vê como vê o homem. Ele te avalia, não por tuas riquezas, por tua grandeza ou aparato, por qualquer qualificação ou talento, que direta ou indiretamente se relacione com tua riqueza e que esta possa comprar ou atrair. Tudo isso é para Ele esterco e escória. Seja-o também para ti. Guarda-te de pensar sejas um nada mais sábio ou melhor em razão de todas aquelas coisas. Pesa-te em outra balança: avalia-te somente pela medida de fé e amor que Deus te concedeu. Se tens mais conhecimento e amor de Deus do que o que está com os cães de teus rebanhos, então, és, por esta razão e não por outra, mais sábio e melhor do que ele, de maior valia e mais ilustre. Mas, se não possuis esse tesouro, és mais insensato, mais vil, mais verdadeiramente desprezível, não direi do que o mais baixo servo de sob teu teto, mas do que o mendigo atirado à tua porta, cheio de úlceras. 18. Em segundo lugar: “não confies na incerteza das riquezas”. Não confies nelas como socorro; nelas não confies como felicidade. Primeiro: não confies nelas como socorro. Tu estás miseravelmente iludido, se esperas auxílio de teu ouro ou de tua prata, que não são mais capazes de elevar-te acima do mundo do que o são para erguer-te acima do diabo. Sabe que tanto o mundo como o príncipe deste mundo zombam de todas as precauções tomadas contra eles. As riquezas serão de pequena vantagem no dia da provação, caso elas permaneçam até a hora amarga. Não é certo, entretanto, que permaneçam, porque quão frequentemente elas não “criam asas e voam para longe!” Ainda que assim não aconteça, que socorro trarão elas, mesmo nas turbações comuns da vida? O desejo de teus olhos, a esposa de tua mocidade, teu filho, teu filho único, ou o amigo que era como tua própria alma, parte repentinamente. Podem tuas riquezas reanimar a argila sem sopro, ou fazer regressar a ela o antigo habitante? Podem as riquezas guardar-te da doença, da morte, da dor? Visitam essas calamidades somente os pobres? Entretanto, o que pastoreia teus rebanhos ou lavra teu campo, adoece menos do que tu. É mais raramente visitado por esses desagradáveis convivas; e, se estes aparecem, são mais facilmente enxotados da choupana estreita do que o seriam dos palácios que ferem as nuvens. E, durante o tempo em que teu corpo é fustigado de dores, ou consumido de enfermidade penosa, em que podem os tesouros servir-te de auxilio? Que o pobre pagão responda: “Ut lippum pictae tabulae, fomenta podagrum, Auriculas citharae collecta sorde dolentes”. 19. Está, porém, à mão um embaraço maior do que todos os que já foram mencionados. Tu hás de morrer! Tu hás de tornar-te pó, hás de voltar à terra de que foste tomado, hás de misturar-te ao barro comum. Teu corpo irá à terra de onde era e teu espírito voltará para Deus que o deu. E o tempo urge: os anos deslizam num passo veloz, posto que silencioso. Talvez já se tenha gasto a maior parte de teu dia: a manhã da vida se escoou e as sombras da noite começam a descer sobre ti. Sentes em ti mesmo a segura aproximação do declínio. As fontes da vida rapidamente se estacam. Que auxilio podem prestar agora tuas riquezas? Podem elas açucarar a morte? Podem elas adiar aquela hora solene? Pelo contrário. “Ó morte, como és cruel para o homem que vive no descanso de suas possessões! “Quão inaceitável é a seus olhos aquela terrível sentença: “Esta noite se pedirá tua alma!” Poderão as riquezas prevenir o desagradável acontecimento ou protelar a hora mortal? Poderão elas libertar-te a alma, para que não veja a morte? Podem elas restaurar os anos que se foram? Podem elas acrescentar a teus anos já contados um mês, um dia, uma hora, um momento? As coisas boas que escolheste por tua porção nesta vida, seguir-te-ão elas na passagem do grande abismo? Não será assim: nu aportaste a este mundo; nu tornarás a partir. “Linquenda tellus, et domus, et plaeens Uxor; neque harum, quas colis, arborum, Te, paeter invisas cupressos Ulla brevem dominum sequetur!” Certamente, se estas verdades não fossem tão fáceis de perceber, sendo elas em demasia evidentes para serem negadas, nenhum homem sujeito à morte possivelmente confiaria na ir,certeza das riquezas. 20. E nelas não se pode confiar com o objetivo de alcançar a felicidade: também neste terreno “serão decepcionantes além de toda a medida”. Na verdade, todo homem razoável pode inferir isto do que até agora se tem observado. Porque, se nem os milhões em ouro e prata, nem as vantagens ou prazeres que decorrem da fortuna, podem guardar nosso ser miserável, evidentemente se conclui que elas, as riquezas, não nos podem fazer felizes. Que felicidade podem as riquezas proporcionar àquele que, em meio de tudo que é agradável, é constrangido a bradar: “Em meus novos amores tristes pensamentos ainda repontam, E de toda a extensão de meus tetos doirados pendem angústias esvoaçantes”? Na verdade que a experiência aí aparece tão bradante, forte e inegável, que torna inúteis quaisquer argumentos. Apelemos, pois, para os fatos: somente os ricos e os grandes são felizes? Cada um deles é mais ou menos feliz, segundo o vulto de suas riquezas? São eles realmente felizes? Quase posso afirmar que de todos os homens eles são os mais desgraçados! Rico, dize desta vez a verdade de teu coração! Dize-a, tanto de ti mesmo como acerca de teus colegas! “Em meio de nossa opulência, algo ainda Está faltando a mim, a ti, a ele! Esse algo doloroso, inatingido, Corrompe e fermenta tudo mais”. Sim , e assim será, até que teus dias enfadonhos, cheios de vaidade, se dissipem na morte. Confiar nas riquezas, como condição de felicidade, é, pois, a maior ele todas as loucuras que se praticam debaixo do sol! Não estás convencido disso? É possível que ainda esperes encontrar no dinheiro a felicidade, ou que tudo possa o dinheiro comprar? Como! Podem então a prata e o ouro, comida e bebida, cavalos e servos, vestidos deslumbrantes, diversões e prazeres (como são chamados), fazer-te feliz? Dentro em pouco essas coisas também te farão imortal! 21. Todas essas coisas são ostentações vazias. Não as contemples. Confia no Deus vivo: assim serás salvo debaixo da sombra do Onipotente; sua fidelidade e verdade ser-te-ão por escudo e defesa. Ele é um auxílio sempre presente na provação; um auxílio que nunca pode falhar. Poderás dizer, quando todos os teus amigos passem: “O Senhor vive, e bendito seja meu forte Amparador!” Ele se lembrará de ti quando estiveres estendido sobre o leito da enfermidade, nesses transes em que se torna vão todo auxilio humano. Quando todas as coisas da terra não te puderem dar alívio, Ele fará teu leito em tua doença, Ele suavizara tuas penas: as consolações de Deus te farão bater palmas com entusiasmo. E ainda quando esse tabernáculo terreno for subitamente abalado, estando a ponto de ruir até o pó, Ele te ensinará a dizer: “Ó morte, onde está teu aguilhão? ó sepulcro, onde está tua vitória? Graças a Deus que” me concede a vitória através de” meu “Senhor Jesus Cristo”. Oh! Confiai nele tanto para a felicidade como para auxílio. Todas as fontes de felicidade estão nele. Confiai “naquele que nos deu todas as coisas para proveito”, pareconti hmin panta plousiwv eiv apolousin, – aquele que, de sua própria misericórdia, livre e rica, no-las estende como em. suas próprias mãos, para que, recebendo-as como suas dádivas e como penhores de seu amor, possamos gozar de tudo quanto possuímos. É próprio de seu amor dar encanto a todas as nossas cogitações – infundir vida e doçura a tudo, de modo que toda criatura nos leve ao grande Criador, e toda a terra seja uma escada que conduza ao céu. Ele comunica as alegrias que estão à sua destra á tudo que concede a seus filhos agradecidos, os quais, tendo comunhão com o Pai e com seu Filho Jesus Cristo, nele se regozijam em tudo e acima de tudo. 22. Em terceiro lugar: Não procures aumentar os bens. “Não ajunteis” para vós mesmos “tesouros na terra”. Trata-se de um mandamento claro, positivo; tão claro como “Não adulterarás.” Como pode ser possível ao rico aumentar ainda mais sua riqueza, sem negar o Senhor que o resgatou? Ainda mais: como pode um homem, que tem com largueza o necessário à vida, ganhar e ambicionar ainda, e ser inculpável? “Não ajunteis”, diz o Senhor, “tesouros na terra”. Se, a despeito disso, tens e ainda desejas amontoar dinheiro e bens, que “a ferrugem e a traça consomem e os ladrões penetram e roubam”; se desejas unir casa a casa ou campo a campo, porque ainda te chamas cristão? Não obedeces a Jesus Cristo. Não intentas obedecer-lhe. Por que, então, ainda te nomeias pelo seu nome? “Por que me chamas Senhor, Senhor,” – diz Ele próprio – “e não fazes. as coisas que ordeno?” 23. Talvez perguntes: “Que faremos, logo, de nossos bens, visto que temos mais do que precisamos gastar, se os não pudermos guardar? Devemos atirá-los fora?” Respondo: se os atirasses ao mar ou se os lançasses ao fogo para os consumir, eles teriam depois disso melhor emprego do que o têm agora. Não podes encontrar maneira mais ruinosa de os deitar fora, do que deixá-los para tua posteridade, ou conservá-los para teu proveito imediato, em loucuras e superfluidade. De todos os possíveis métodos de lançar fora as riquezas supérfluas, esses dois são os piores: os mais contrários ao Evangelho de Cristo e os mais perniciosos à tua própria alma. Quão pernicioso à tua própria .alma seja o último desses métodos, excelentemente o mostrou um escritor recente: “Se dissiparmos nosso dinheiro, somos não somente culpados de dissipação de um talento que Deus nos deu, mas de fazermos a nós mesmos dano maior, convertendo esse talento útil em meios poderosos de nossa própria corrupção, porque, à medida que gastamos erradamente, alimentamos alguma tendência má, lisonjeamos algum desejo fútil ou desarrazoado, a que, como cristãos, sumos obrigados a renunciar”. “Como os dotes de espírito e beleza não podem ser apenas dissipados, mas expõem seus portadores a loucuras maiores, assim o dinheiro não pode ser somente gasto, mas, se o não for segundo os ditames da razão e da crença, faz a gente viver vida mais tola e extravagante do que teria vivido sem ele; assim, se não gastares teu dinheiro fazendo o bem aos outros, tu o gastarás em teu próprio dano. Tu procedes como o individuo que, não podendo tomar um cordial sem correr o risco de aquecer o próprio sangue, recusa-o, entretanto, a um amigo enfermo. Este é o caso do dinheiro supérfluo: se o dás a quem dele precisa, é um cordial; se o gastas contigo mesmo, é alguma coisa que não desejaras, e somente inflama e de desorienta teu espírito”. “Usando riquezas lá onde elas não tenham real emprego, nem real utilidade, nós apenas as usamos para nosso grande mal, criando desejos insensatos ou nutrindo paixões perigosas, acariciando vícios loucos e experimentando vãos transtornos mentais. Porque alta cozinha e bebida requintada, roupas finas e casas opulentas, luxo e equipagem, prazeres e diversões alegres, tudo isto prejudica a nosso coração e o desorienta. São o alimento e a nutrição de todas as loucuras e debilidades de nossa natureza. São o sustentáculo de alguma coisa que não deve ser mantida. São contrários àquela sobriedade e piedade de coração que dão sabor às coisas divinas. São pesos amontoados sobre nossa mente, que nos tornam menos capazes, menos inclinados a erguer os pensamentos e afeIções às coIsas do Alto.” “Assim, o dinheiro gasto dessa forma não é meramente dissipado ou perdido, mas é prodigalizado em maus propósitos e miseráveis efeitos, em corromper e desordenar-nos o coração, em fazer-nos incapazes de seguir as sublimes doutrinas do Evangelho. A mesma coisa é sonegar o dinheiro aos pobres e com ele adquirirmos veneno.” 24. Igualmente inescusáveis são os que amontoam aquilo de que não necessitam para qualquer propósito razoável. “Se um homem tivesse mãos, olhos e pés que pudesse ceder àqueles que têm necessidade dessas coisas; e se ele as trancasse num cofre, em lugar de as dar a seu irmão que fosse cego e coxo. poderíamos deixar de reconhecer nesse indivíduo um miserável desumano? Se ele preferisse divertir-se com escondê-las,” em vez de habilitar-se a uma recompensa eterna, dando-as aos que necessitassem de olhos ou mãos, poderíamos deixar de nele reconhecer, com justiça, um louco? Pois o dinheiro possui muito da natureza de olhos e pés. Se nós o prendermos num cofre, enquanto o pobre e o desditoso o desejam para seus usos necessários, não estaremos longe da crueldade daquele que prefere esconder as mãos e Os olhos, antes de os dar a quem deles necessite. Se preferimos ocultá-lo a fazermos jus a uma recompensa eterna, dispondo bem de nosso dinheiro, somos culpados da insânia dos que preferissem lançar fora olhos e mãos, a tornar-se benditos para sempre, por os terem dado àqueles que necessitam.” 25. Pode isto deixar de ser outra razão pela qual tão dificilmente os ricos entrarão no reino dos céus? Uma vasta maioria deles está debaixo da maldição, debaixo da especial maldição de Deus, quanto mais que, no teor geral de suas vidas, estão não apenas roubando a Deus, continuamente dissipando os bens de seu Senhor e, por esse meio, corrompendo suas próprias almas, mas também roubando o pobre, o faminto, o miserável; defraudando a viúva e os órfãos e fazendo-se responsável por todas as necessidades, aflições e desesperos que eles podem remover e não o fazem. Contra os tais não clama desde a terra o sangue de todos os que perecem à mingua daquilo que eles ou guardam, ou gastam inutilmente? Que contas darão Aquele que está habilitado a julgar os vivos e os mortos! 26. O meio verdadeiro de empregar aquilo que te não aproveita, podes aprendê-la, em quarto lugar, das palavras de nosso Senhor, que são a compensação do que vem antes: “Ajuntai para vós tesouros no céu, onde a traça e a ferrugem não os consomem, e onde os ladrões não penetram nem roubam.” Coloca onde podes economizar e em melhor segurança do que este mundo oferece. Deposita teus tesouros no banco celestial; e Deus tos restituirá naquele dia. “Aquele que tem piedade do pobre empresta a Deus; e atenta que, aquilo que Ele toma, será restituído novamente.” “Põe aquilo” - diz Ele - “em minha conta. Todavia, tu me deves até tua própria pessoa.” Dá ao pobre com olhos simples, com um coração reto; escreve: “Dado tanto a Deus”. Porque, “tudo quanto fizeres a um dos mais pequeninos de meus irmãos, a mim o fizeste”. Esta é a parte de um “despenseiro fiel e prudente”: não vender nem sua casa ou terras, ou principais provisões, sejam elas grandes ou pequenas, a não ser que alguma circunstância especial o aconselhe; e não desejar aumentá-las, nem por esse objetivo se bater, principalmente para as dissIpar em vaidade; mas empregá-las totalmente nos sábios e razoáveis propósitos para os quais o Senhor as depositou em suas mãos. O sábio despenseiro, depois de ter provido sua própria casa com aquilo que é necessário à vida e piedade, faz amigos com o que sobra, de tempos em tempos, do “Mamon da iniquidade, de modo que, quando este faltar, eles o recebam nos tabernáculos eternos”; para que, quando seu tabernáculo terreno for desfeito, os que tiverem sido levados antes para o seio de Abraão, depois de terem comido seu pão e usado a lã de seu rebanho, e dado graças a Deus pela consolação, possam dar-lhe as boas-vindas no paraíso, na “Casa de Deus, eterna, nos céus”. 27. Nós vos “exortamos”, pois, “a vós que sais ricos neste mundo”, como quem tem autoridade da parte de nosso grande Senhor e Mestre, a estardes habitualmente jazendo o bem, a cumprirdes uma carreira de boas obras. “Sede misericordiosos, como vosso Pai celestial é misericordioso”, fazendo o bem sem cessar. “Sede misericordiosos” – em que extensão? Até o limite de vossas forças; com toda a diligência que Deus vos conceder. Fazei desta regra vossa medida única de praticar o bem; não vos embaraceis com nenhuma outra máxima ou costume que haja no mundo. “Nós vos exortamos a que sejais ricos em boas obras”; se tendes muito, dai abundantemente. “De graça recebestes, de graça dai”, como quem não amontoa tesouros a não ser no céu. Sede “prontos em distribuir” a todos, segundo a necessidade de cada um. Gastai com largueza; dai aos pobres; reparti vosso pão entre os famintos; cobri a nudez com um manto; abrigai o forasteiro; levai ou mandai socorro aos que se acham na prisão. Curai o enfermo, não por milagre, mas através da bênção de Deus sobre vosso auxílio oportuno. Que a bênção daquele que estava a ponto de morrer de fraqueza desça sobre vós. Defendei o oprimido, pleiteai a causa do órfão, e fazei o coração da viúva salmodiar de alegria. 28. Nós vos exortamos, em nome de nosso Senhor Jesus Cristo, a que “desejeis comunicar”; koinwnikouv einai; a serdes do mesmo espírito (embora não no mesmo estado exterior), daqueles crentes dos antigos tempos, que permaneciam firmes th koinwnia, naquela santa e bendita camaradagem, em cujo seio “ninguém dizia que qualquer coisa era sua própria, mas possuíam todas as coisas em comum”. Sede um despenseiro, um despenseiro prudente e fiel, de Deus e do pobre, diferindo deste somente em duas circunstâncias: que vossos desejos sejam primeiro supridos, da porção de bens de nosso Senhor que ainda permanece em vossas mãos, e que tenhais a bem-aventurança de dar. Assim, “armazenai para vós mesmos um bom fundamento”, não no mundo que agora é, mas antes “para o tempo por vir, para que vos possais manter na vida eterna”, o grande fundamento de todas as bênçãos de Deus, quer temporais, quer eternas, é, na verdade, o Senhor Jesus Cristo - sua justiça e seu sangue, o que fez e o que sofreu por nós. E “outro fundamento”, neste sentido, “não pode ser posto”, nem por um apóstolo, nem por um anjo dos céus. Mediante seus méritos, qualquer coisa que fizermos em seu nome é, todavia, fundamento para uma boa recompensa, no dia em que “todo homem receberá sua recompensa, segundo seu próprio labor”. Trabalhai, pois, “não pela comida que perece, mas por aquela que permanece para a vida eterna”. Assim, “aquilo que vossas mãos” agora “acharem para fazer, fazei-o com diligência”. Por isso “Nenhuma ocasião formosa passe descuidadamente: agarrando os momentos áureos à medida que eles voam, Por uns poucos anos velozes tu te assenhoreias da eternidade!” “Pela paciente perseverança em fazer o bem, procurai a glória, a honra e a imortalidade.” Em uma constante, zelosa realização de todas as boas obras, suspirai por aquela hora feliz em que o Rei vos dirá: “Estava faminto, e destes-me de comer; estava com sede, e destes-me” de beber; era peregrino, e recolhestes-me; nu, e vestistes-me; estava enfermo, e visitastes-me; estava preso, e fostes ver-me. Vinde, benditos de meu Pai, recebei o reino preparado para vós desde a fundação do mundo!”
John Wesley
Enviado por Silvio Dutra Alves em 12/05/2014
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