SOBRE O SERMÃO DO MONTE - Parte 10
Por John Wesley
“Não julgueis, para que não sejais julgados; porque com o juízo com que julgais, sereis julgados; e a
medida de que uSais, dessa usarão convosco. Por que vês o argueiro no olho de. teu irmão, porém não
reparas na trave que tens no teu? Ou como poderás dizer a teu irmão: Deixa-me tirar o argueiro do teu
olho, quando tens a trave no teu? Hipócrita, tira primeiro a trave do teu olho, e então verás claramente
para tirar o argueiro do olho de teu irmão.
Não deis aos cães o que é santo, nem lanceis as vossas pérolas diante dos porcos, para que não suceda
que as calquem aos pés e, voltando-se, vos despedacem.
Pedi, e dar-se-vos-á; buscai, e achareis; batei e abrir-se-vos-á. Pois todo o que pede, recebe; o que
busca, acha; e a quem bate, abrir-se-lhe-á. Qual de vós dará a seu filho uma pedra, se ele lhe pedir
pão? Ou uma serpente, se pedir peixe? Ora, se vós, sendo maus, sabeis dar boas dádivas a vossos
filhos, quanto mais vosso Pai, que está nos céus, dará boas coisas aos que lhas pedirem? Portanto, tudo
o que quiserdes que os homens vos façam, fazei-o assim também vós a eles; porque esta é a Lei e os
Profetas.” (Mt 7.12)
1. NOSSO bendito Senhor, tendo agora terminado seu principal objetivo, acabando de enunciar a
súmula da verdadeira religião, cuidadosamente resguardada contra aquelas glosas dos homens, pelas
quais eles invalidavam a Palavra de Deus; e tendo, seguir: dado regras no tocante à reta intenção que
devemos preservar em todas as ações exteriores, passa a apontar os principais tropeços desta religião, e
conclui tudo com uma aplicação adequada.
2. No capítulo V nosso grande Mestre descreve perfeitamente a religião interior em suas várias
modalidades. Aí Ele coloca diante de nossos olhos as disposições de alma que constituem
o Cristianismo real; os caracteres que envolvem aquela “santidade sem a qual ninguém verá a Deus”; as
afeições que, quando jorram de sua fonte legítima, de uma fé viva em Deus, através de Cristo Jesus,
são intrínseca e essencialmente boas e aceitáveis ao Senhor. No seis, Ele nos mostra como, do mesmo
modo, as nossas ações, mesmo as que são. indiferentes por sua própria natureza, podem tornar-se
santas, boas e aceitáveis a Deus, por uma pura e santa intenção. O que é feito sem essa santa intenção
– declara Ele – é de nenhum valor à vista de Deus; ao revés, quaisquer obras externas que se
consagrem a Deus, com santa intenção, são, à sua vista, de subido preço.
3. Na primeira parte deste capítulo Jesus aponta o mais comum e fatal tropeço a essa santidade; na
última parte Ele exorta-nos, por vários motivos, a rompermos com tudo, fazendo certo o prêmio de
nossa alta vocação.
4. O primeiro tropeço contra a santidade, e a respeito do qual o Mestre nos adverte, é o juízo. “Não
julgueis, para que não sejais julgados.” Não julgueis os outros, para que não sejais julgados pelo
Senhor, para que a vingança não tombe sobre vossa própria cabeça. “Porque com o juízo com que
julgais, sereis julgados; e a medida de que usais, dessa usarão convosco” – uma regra nítida e razoável,
segundo a qual Deus vos permite determinar por vós mesmos o critério com que vai Ele proceder para
convosco no juízo do grande dia.
5. Não há estágio de vida, nem período de tempo, desde a hora de nosso primeiro arrependimento e
crença no Evangelho até que sejamos aperfeiçoados em amor, em que essa admoestação não seja
necessária a todo filho de Deus. Porque não faltam nunca ocasiões para o juízo, e as tentações que
induzem ao seu pronunciamento são inumeráveis; muitas dessas tentações vêm tão habilmente
disfarçadas, que caímos no pecado antes de suspeitarmos de qualquer perigo. E indizíveis são os
prejuízos que isto acarreta sempre àquele que julga a outrem, ferindo assim a sua própria alma e
expondo-a ao reto juízo de Deus, e frequentemente aos que são julgados, cujo esforço se detém,
tornando-se fracos e embaraçados em meio de sua atividade, sendo às vezes totalmente desviados do
caminho, e levados mesmo a recuar rumo à perdição. Como é frequente que essa “raiz de amargura,
brotando, leve muitos a se desviarem”, pela razão de ser o próprio caminho da verdade objeto de
maledicência e ser o santo nome blasfemado por aqueles que são chamados!
6. Não parece que nosso Senhor tenha dado preceito apenas, ou especialmente, aos filhos de Deus;
mas, antes, aos filhos do século, aos homens que não conhecem a Deus. Estes não podem aprender
senão com os que não são do mundo; com os que seguem a religião acima descrita; com Os que
procuram ser humildes, sérios, delicados, misericordiosos e puros de coração; com os que
profundamente almejam tais medidas de santas disposições a que não atingiram ainda, que por elas
esperam fazendo todo o bem a todos os homens e pacientemente suportando o mal. Quem quer que vá
tão longe não pode estar mais oculto do que “uma cidade edificada sobre um monte”. E por que os
“que veem as suas boas obras” não “glorificam a seu Pai que esta nos céus”? Que escusa têm para não
andar nas suas pegadas? Por que não tomarem seu exemplo, sendo seus seguidores, como eles o são de
Cristo? Porque, no afã de encontrarem uma desculpa para si mesmos, condenam àqueles a quem
deviam imitar. Gastam seu tempo procurando defeitos no próximo, em lugar de emendar os próprios.
Mostram-se tão solícitos acerca dos que saem um pouco do reto caminho, quando por este eles
próprios não andam de modo nenhum. Finalmente, nunca avançam, nunca vão além de urna forma de
piedade morta, vazia de poder.
7. A este último é que mais especialmente fala nosso Senhor: “Porque vês o argueiro no olho de teu
irmão” – as enfermidades, os erros, a imprudência, a fraqueza dos filhos de Deus – “porém não reparas
na trave que tens no teu?” Tu não olhas para a impenitência condenável, para o orgulho satânico, para
a maldita obstinação, para o amor idólatra do mundo, que estão em ti e que fazem de toda tua vida uma
abominação ao senhor. Acima de tudo, danças em supino desprezo e indiferença sobre a cratera do
inferno! E como, então, com aquela graça, com aquela decência ou modéstia, “poderás dizer a teu
irmão: deixa-me tirar o argueiro de teu olho” – o excesso de zelo acerca de Deus, a extrema
abnegação, o maior desapego dos cuidados do mundo e seus empregos, o desejo de estar dia e noite em
oração, ou ouvindo as palavras de vida eterna? “Eis uma trave em teus próprios olhos!” Não um
argueiro como qualquer outro. “Hipócrita!” – que pretendes ter zelo pelas outros e não tens cuidado de
tua própria alma; que afetas grande interesse pala causa de Deus, quando na verdade tu não o amas
nem o temes! “Tira primeiro a trave de teu olho”: tira a trave da impenitência! Conhece-te a ti mesmo!
Vê e sente em ti mesmo um pecador! Reconhece que tuas faculdades internas estão muito
corrompidas, que és ao mesmo tempo depravado e abominável – e que a ira de Deus habita em ti! Tira
a trave do orgulho; aborrece-te a ti mesmo; prostra-te como sobre o pó e as cinzas; sê cada vez menor,
e mesquinho, e baixo, e vil a teus próprios olhos. Tira a trave da obstinação! Aprende o que significa:
“Se alguém quer vir após mim, negue-se a si mesmo”. Nega-te a ti mesmo e toma diariamente tua cruz.
Grite toda tua alma: “Desci dos céus”, porque assim o fizeste, tu, espírito imortal, quer o saibas, quer
não – “não para fazer minha própria vontade, mas a vontade daquele que me enviou”. Tira a trave do
amor ao mundo! Não ames o mundo, nem as coisas que são do mundo. Considera-te crucificado para o
mundo e o mundo crucificado para ti. Usa, apenas, do mundo, mas regozija-te em Deus. Busca nele
toda tua felicidade! Acima de tudo, tira a grande trave, o supino desinteresse e indiferença! Considera
demoradamente que “uma coisa é necessária”, a coisa para a qual até agora não reservaste nenhum
pensamento. Conhece e sente que tu és um pobre, vil, culpado verme, rastejando à borda do grande
abismo. Quem és tu? Um pecador prestes a morrer, uma folha tangida pelo vento, um vapor que logo
se dissolve, que por um pouco aparece e logo se dispersa no ar, e que não mais se vê! Observa isto! “E
então verás claramente para tirar o argueiro do olho de teu irmão.” Então, se os cuidados relativos à
tua própria alma ainda te deixaram vagares, emprega-os em corrigir também a teu irmão.
8. Mas, qual é, na realidade, a significação destas palavras: “Não julgueis”? Qual é o juízo que é ai
proibido? Não é o mesmo que a maledicência, embora esta figure no seu conteúdo. Maledicência é
qualquer imputação de mal, feita a pessoa ausente, enquanto que o juízo pode referir-se
indistintamente a ausentes e presentes. Nem isto necessariamente implica em falar, mas também em
pensar mal de outrem. Nem todo pensamento mau no tocante a terceiros coincide com o juízo que o
Senhor condena. Se assisto à perpetração de um furto ou homicídio, se ouço alguém blasfemar o nome
de Deus, não posso abster-me de pensar mal do ladrão ou do homicida. Ainda isto não é mau juízo; ai
não há pecado, nem qualquer atitude contrária à afeição compassiva.
9. Pensar de alguém de modo contrário ao amor vem a ser aquele juízo que é condenado; e este pode
ser de várias espécies. Porque podemos, primeiro, pensar que alguém seja culpado, quando não o seja.
Podemos atribuir a alguém (mesmo em nosso foro intimo), ações de que não seja culpado – palavras
que na realidade jamais proferiu, ou atos que nunca praticou. Podemos pensar que sua maneira de agir
fora errada, embora, de fato, não o fosse. Ainda mais: lá onde nada existe de reprovável, nem na coisa
em si, nem no modo de fazê-la, podemos descobrir uma intenção má, e assim condenar o agente sob
aquele fundamento intencional; ao mesmo tempo que Aquele que sonda o coração vê a sua
simplicidade e piedosa sinceridade.
10. Não incorremos no pecado de mau juízo somente quando condenamos o inocente: caímos nesta
falta, em segundo lugar condenando o culpado mais severamente do que ele merece. Esta espécie de
juízo é ao mesmo tempo atentatória à justiça e à misericórdia –e dela não podemos guardar-nos, a não
ser que nos abriguemos sob a mais forte e terna afeição. Sem esta, facilmente supomos que aquele que
foi achado em falta seja mais faltoso do que na realidade o é. Esquecemos qualquer parcela de bem
que nele exista. E não é fácil sermos induzidos a crer que ainda permaneça algum traço apreciável
naquele em quem encontramos alguma coisa de mau.
11. Tudo isto evidencia uma falta manifesta daquele amor que ou logizetai to kakon– não suspeita
mal; que jamais tira conclusão injusta ou má de premissas de qualquer espécie. O amor não Inferirá da
queda de uma pessoa, por uma vez, em ato de ostensivo pecado, que ela esteja acostumada a sempre
agir assim; e se ela foi, nos tempos passados, habitualmente dada a certas práticas reprováveis, o amor
não concluirá disto que ela ainda o seja no presente; menos ainda concluiria o amor ser tal pessoa
culpada de outros pecados, mesmo que em determinada espécie de transgressão seja agora colhida. O
mau raciocínio pertence ao juízo pecaminoso contra o qual o Senhor nos adverte e que devemos com o
maior empenho evitar, se é que amamos a Deus e a nossas próprias almas.
12. Suponhamos que não se condene o inocente e, condene o inocente e, condenando o culpado, não se
vá além da justa reprovação merecida: ainda assim não estamos livres de cair no laço tentador. Há uma
terceira ordem de juízo pecaminoso: é a condenação sumária de uma pessoa, contra a qual não exista
suficiente evidência de culpabilidade. Se os fatos que supomos sempre fossem verdadeiros, ainda isto
não nos justificaria, porque tais fatos devem ser, não meramente supostos, mas provados; e, até que o
sejam, não devemos. Digo – “até que o sejam”, porque não somos escusados, desde que os fatos
admitam sempre mais fortes provas, a não ser que a prova seja produzida antes que formulemos juízo,
sendo, por outro lado, comparada tal prova com a evidência em contrário. Também não podemos ser
escusados, se proferimos definitiva sentença antes que o acusado tenha sido ouvido. Mesmo um judeu
poderia ensinar-nos isto, como elementar lição de justiça, abstração feita da misericórdia e do amor
fraternal: “Condena porventura a nossa lei – disse Nicodemus – algum homem, antes de o ouvir, e
antes de se informar de suas ações?” (Jo 7.51) Sim, um pagão podia replicar, quando o chefe da nação
judaica pretendia condenar seu prisioneiro: “Não é costume dos romanos” julgar “nenhum homem,
antes que o acusado se tenha avistado com seus acusadores e tenha tido permissão para responder por
si mesmo acerca do crime contra ele arguido”.
13. Em verdade não cairíamos mui facilmente em juízo pecaminoso, se apenas observássemos aquela
regra que outro romano pagão afirma ter sido a norma de sua conduta: “Estou tão longe de
esclarecidamente crer na evidência do testemunho de todo homem ou de qualquer homem contra
outro, que nem mesmo fácil ou imediatamente creio na veracidade do testemunho que o homem preste
contra si mesmo. Sempre lhe concedo o direito de retratar-se e, muitas vezes, lhe dou atenuantes”. Vai,
tu que és chamado cristão, e faze o mesmo, para que o pagão não se levante e te condene naquele dia!
14. Quão raramente, entretanto, poderíamos condenar ou julgar a outrem, ou pelo menos quão
reduzidas seriam as ocasiões de tais pronunciamentos, se andássemos segundo aquela regra expressa e
clara que nosso Senhor em pessoa nos ensinou! “Se teu Irmão pecar contra ti”, ou se tu ouves ou
acreditas que ele o tenha feito, “vai e repreende-o entre ti e ele”. Este é o primeiro passo que tens de
dar. “Mas se te não ouvir, toma ainda contigo uma ou duas pessoas, para que por boca de duas ou três
testemunhas fique tudo esclarecido.” Este é o segundo passo. “E se os não ouvir, dize-o à Igreja”, aos
superintendentes dela ou a torta a congregação. Terás feito então a tua parte. Não penses mais nisso,
mas tudo entrega a Deus.
15. Suposto tenhas tirado, pela graça de Deus, “a trave de teus próprios olhos”, e possas agora ver
claramente o “argueiro” ou a trave “que está nos olhos de teu irmão”, ainda assim deves evitar teu
próprio dano, ao empreender a tarefa de auxiliá-la. “Não deis aos cães o que é santo”: não reputeis
levianamente que alguém seja desse número: mas se evidentemente resulta que eles justifiquem o
titulo, então “não lanceis as vossas pérolas diante dos porcos”. Guarda-te de um tal zelo, que não é
segunda o conhecimento. Porque esse é outro grande tropeço posto no caminho daquele que deseja ser
“perfeito como seu Pai celestial é perfeito”. Os que isto desejam não podem senão ambicionar que
toda a humanidade participe da bênção comum. Quando primeiro participamos do dom celestial, da
divina evidência das coisas não vistas”, maravilhamo-nos de que toda a humanidade não veja as coisas
que tão claramente vemos; e nada nos deve perturbar tanto como o anelo de abrirmos os olhos de todos
os homens com os quais estejamos em contacto. Então estamos prontos a aproximar-nos, sem perda de
tempo, de todos que encontramos, e constrangê-los a que vejam, quer queiram, quer não; em
consequência do insucesso desse zelo intemperante, sempre sofremos em nossas próprias almas. Para
prevenir essa dissipação inútil de nossas energias, o Senhor acrescenta este necessário aviso
(necessário a todos, mas especialmente àqueles que ora se abrasam em seu primeiro amor): “Não deis
aos cães o que é santo, nem lanceis as vossas pérolas diante dos porcos, para que não suceda que as
calquem aos pés e, voltando-se vos despedacem”.
16. “Não deis aos caos o que é santo.” Guarda-te de pensar que alguém mereça este qualificativo, até
que haja provas incontestes, a cuja evidência não possas resistir. Quando, porém, estiver clara e
incontestavelmente provado que eles são injustos e maus, não somente estranhos mas também
inimigos de Deus, de toda justiça e verdadeira santidade – “não deis o que é santo”, to agion, “a coisa
santa”, enfaticamente assim chamada, a esses homens. As santas, peculiares doutrinas do Evangelho –
que estiverem ocultas às eras e gerações do passado e agora se tornaram manifestas a nós, somente
pela revelação de Jesus Cristo e inspiração de seu Santo Espírito – não são destinadas à profanação por
parte desses homens, que nem ao menos sabem que existe um Espírito Santo. Não que os
embaixadores de Cristo possam furtar-se ao desejo de as proclamar perante a grande congregação, em
cujo meio alguns deles possam algumas vezes encontrar-se. Devemos falar, quer os homens ouçam ou
se abstenham de ouvir; mas este não é o caso dos cristãos em caráter particular. Eles não devem
suportar aqueles caracteres maus; nem estão obrigados por qualquer forma de compromisso a incutir
as grandes e gloriosas verdades no ânimo daqueles que contradizem e blasfemam e que contra elas
mantêm arraigada inimizade. Tais pessoas não devem ser tratadas como inimigos, mas, ao contrário,
devem ser conduzidas segundo sua capacidade de ouvir. Não se comece falando com elas acerca da
remissão dos pecados ou do dom do Espírito Santo; fale-se, porém, de acordo com seus pendores e
segundo suas próprias normas. Com o racionalista, ilustre e injusto epicurista, discorra-se em torno da
“justiça, temperança e juízo vindouro”. Este é o caminho que mais provavelmente leva os Félix a
tremerem. Reserva os temas de maior elevação aos homens de mais elevado alcance,
17. Nem “lanceis as vossas pérolas diante dos porcos”. Ponde o mais vivo cuidado no pronunciar
semelhante juízo contra qualquer homem; mas se o fato se tornar patente e inegável, e sua clareza
ultrapassar a toda evidência, se os porcos não procuram disfarce, mas antes se gloriam em sua
ignomínia, não tendo pretensão de pureza de coração ou de vida, mas praticando com avidez toda
impureza, neste caso não lanceis as vossas pérolas diante deles, Não lhes faleis dos mistérios do reino;
das coisas que Os olhos não viram nem os ouvidos ouviram: coisas que, consequentemente, não tendo
eles meios de conhecimento, nem sentidos espirituais adequados, não lhes podem entrar no coração,
nem ser discernidas, Não lhes faleis dás excessivamente grandes e preciosas promessas que Deus fez
através do Filho de seu amor. Que concepção podem eles ter de seres que se tornam participantes da
natureza divina, eles que nem sequer desejam fugir da corrupção que existe no mundo, por obra da
concupiscência! Aqueles que se acham imersos no lamaçal deste mundo, em prazeres, desejos e
cuidados profanos, têm tanto conhecimento dos mistérios do Evangelho como os porcos o têm de
pérolas, e tanto gosto pelas coisas profundas de Deus como os porcos têm-no pelas mesmas pérolas.
Oh! Não lanceis aquelas pérolas diante deles, “para que não suceda que, as calquem aos pés!” -
inteiramente desprezem aquilo que não podem compreender, e falem mal das coisas que não
conhecem. Ademais, é provável que esse não seja o único inconveniente a temer: não será para
admirar se eles, agindo segundo sua natureza, “voltando-se, vos despedacem”, caso se decidam a vos
retribuir o bem com o mal, a benção com a maldição e a benevolência com o ódio. Tal é a inimizade da
mente carnal contra Deus e contra todas as coisas de Deus. Tal e o tratamento que estais expostos a
receber, se lhes fizerdes a imperdoável afronta de vos esforçar por lhes salvar a alma da morte,
arrancando-os como lenha à fogueira crepitante.
18. Depois de tudo, ainda não é caso para que vos desespereis daqueles que, no presente, “voltam-se
para os despedaçar”. Porque, se todos os vossos argumentos e palavras persuasivas falham, outro
remédio ainda há, com frequência eficaz ainda nos casos em que nenhum outro método triunfa: existe
a oração. Qualquer que seja o desejo ou a aspiração que tenhais, no tocante aos outros ou acerca de
vossa própria alma, “pedi e dar-se-vos-á; buscai e achareis; batei e abrir-se-vos-á”. A negligência deste
preceito é um terceiro tropeço armado á santidade, Até agora “não tendes porque não pedistes”. Oh!
Quão modestos e mansos, quão humildes de coração, quão cheios de amor de Deus e dos homens, hoje
poderíeis ser, se somente tivésseis pedido, se perseverásseis insistindo em oração! Todavia, ainda
agora “pedi e dar-se-vos-á”. “Pedi”, para que possais inteiramente experimentar e perfeitamente
praticar, em sua plenitude, aquela religião que nosso Senhor tão belamente aí expõe. Ser-vos-á dado
serdes santos como Ele é santo, de coração, e em toda maneira de conversação. “Buscai”, pelos meios
por Ele ordenados, estudando as Escrituras, ouvindo sua Palavra, meditando-a, jejuando, participando
da Ceia do Senhor – e certamente acharei: achareis aquela pérola de grande preço, aquela fé que vence
o mundo, aquela paz que o mundo não pode dar, aquele amor que é o penhor de vossa herança.
“Batei”, continuai em oração e nas demais veredas do Senhor: não vos fatigueis nem vos enfraqueçais
em vossa mente; insisti em visar o alvo; não desfaleçais; não o deixeis ir sem que tenhais sido
abençoados. “E a porta” da misericórdia, da santidade, dos céus, “abrir-se-vos-a”.
19. Foi para usar de misericórdia em face de nossa dureza e coração, tão tarde para crer na bondade de
Deus, que nosso Senhor houve por bem explanar este assunto, repetindo e confirmando aquilo que
tinha sido dito antes. “Porque qualquer” diz Ele, “que pede, recebe”; de modo que ninguém precisa
fica~ em falta de bênçãos; “e o que busca”, quem quer que busque “acha” o amor e a imagem de Deus;
“e àquele que bate”, a que quer que bata à porta da justiça, essa porta lhe será aberta. Assim é que não
há lugar para que alguém se desanime, pensando que poderia pedir, buscar ou bater em vão. Somente é
necessário que vos lembreis sempre de orar, de buscar, de bater sem esmorecimento. Então a promessa
permanecerá segura firme como pilares do céu – e ainda mais firmes: porque passará o céu e a terra;
mas sua palavra não há de passar.
20. Para remover todo pretexto de incredulidade, nosso bendito Senhor, nos versículos que se seguem,
ilustra mais gradativamente o que havia ensinado, fazendo um apelo àquilo que se passa em nossos
próprios corações: “Qual de vós” – diz Ele – dará a seu filho uma pedra, se ele lhe pedir pão?” A
afeição natural vos permitirá desatender ao pedido razoável que fizer aquele a quem amais? “Ou uma
serpente, se pedir peixe?” Dará ele coisas que causem dano, em lugar de bens proveitos? Assim,
mesmo através daquilo que vós sentis e praticais, recebeis a mais completa segurança de que, por um
lado, nenhum efeito ruim pode possivelmente resultar de vosso pedido, e, por outro lado, que tal
pedido terá o melhor efeito, trazendo-vos plena satisfação de todas as vossas aspirações. Pois que “se
vós”, sendo maus, sabeis dar boas dádivas a vossos filhos, quanto mais vosso Pai que está nos céus”,
que é puro, igual, a bondade absoluta, “dará boas coisas àqueles que lhas pedirem?” ou (como Ele se
expressa em outra ocasião), “dará o Espírito Santo àqueles que lho pedirem?” No Espírito estão
compendiadas todas as coisas boas; toda sabedoria, paz, alegria, amor; todos os tesouros de santidade
e felicidade; tudo que Deus preparou para aqueles que o amam.
21. Para que vossa oração tenha pleno efeito à vista de Deus, é necessário, entretanto, que tenhais
caridade para com todos os homens. Porque, de outra maneira, é mais verossímil que vos sobrevenha
maldição em lugar de Bênção; nem podeis esperar nenhum favor da parte de Deus, enquanto não
tiverdes amor ao próximo. Remova-se esse tropeço sem demora! Confirmai vosso amor uns para com
os outros e para com todos os homens. Amai-os, não apenas em palavras, mas em obras e em verdade.
“Portanto, tudo o que quiserdes que os homens vos façam, fazei-o assim também vos a eles; porque
esta é a Lei e os Profetas.”
22. Esta é a lei real, a regra áurea tanto da misericórdia orno da justiça, que mesmo o imperador pagão
fez inscrever sobre a porta de seu palácio; norma que muitos creem estar naturalmente gravada na
mente de todo homem que vem a este mundo. Tanto isto é certo, que ela se impõe por si mesma, logo
que ouvida, à consciência e compreensão de todo homem, de tal maneira que ninguém pode
conscientemente pecar contra ela, sem atrair sobre si a condenação.
23. “Esta é a Lei e os Profetas”: tudo quanto está escrito na lei que Deus antigamente revelou à
humanidade, e todos os preceitos que Deus nos transmitiu pelos santos profetas que se levantaram
desde que o mundo teve começo, tudo está resumido nessas poucas palavras, tudo está condensado
nessa breve norma. E isso, devidamente compreendido, abraça toda a religião que nosso Senhor veio
estabelecer sobre a terra.
24. Essa regra pode ser compreendida quer em sentido positivo, quer em sentido negativo.
Compreendida em sentido negativo, sua significação é: “O que não quiserdes que os homens vos
façam, não no façais a eles”. Aí está um preceito claro, sempre à mão, sempre fácil de aplicar-se. Em
todas as questões relativas a vosso próximo, fazei de sua causa a vossa causa. Suponde as
circunstâncias mudadas, estando vós colocados agora exatamente na posição em que se acha vosso
próximo: guardai vos de acariciar disposições ou pensamentos, nem pelos vossos lábios passem
palavras, nem assumais atitudes que teríeis reprovado nele, observada a suposta mudança de
circunstâncias. Compreendida em sentido direto ou positivo, a plena significação desta regra é: “O que
puderdes razoavelmente desejar dele, suponde-vos colocados em suas circunstâncias fazei isto até o
derradeiro limite de vossas forças, a todo homem”.
25. Apliquemos esta regra a uma ou duas situações compreensíveis: é claro à consciência de todo
homem, que nós não quereríamos que os outros nos julgassem, pensando mal gratuita e
maliciosamente de nós; muito menos quereríamos que dissessem mal de nós, publicando nossas faltas
ou fraquezas reais. Aplicai isto a vós mesmos. Não façais aos outros o que não quereis que vos façam;
e jamais julgareis vosso próximo, nunca suspeitareis gratuita e maliciosamente, mal de alguém; menos
ainda direi mal; nunca divulgareis mesmo as faltas reais de pessoa ausente a não ser que estejais
convencidos de ser isto absolutamente necessário ao bem de outras almas.
26. Mais: quereríamos que todos os homens nos amassem e estimassem, e procedessem segundo a
justiça, a misericórdia e a verdade. Poderíamos razoavelmente desejar que eles nos fizessem todo o
bem que pudessem fazer, sem prejuízo de sua parte; ainda, que em coisas exteriores (segundo a regra
conhecida), suas superfluidades se ajustassem às nossas conveniências; suas conveniências às nossas
necessidades; e suas necessidades a nossas extremidades. Andemos, portanto, conforme a mesma lei:
façamos a todos como quereríamos que eles nos fizessem. Amemos e honremos a todos os homens,
que a justiça, a misericórdia e a verdade governem nossa mente e nossas ações. Que aquilo que nos
sobeje preencha o que falte a nosso próximo (e quem não terá alguma coisa de sobra?) e que nossas
comodidades sirvam às necessidades do próximo; e que nossas necessidades sejam sua oportunidade
de serviço.
27. Esta é a pura e genuína moral. Fazei isto e vivereis. “A quantos vivam segundo esta regra, paz a
eles e misericórdia”, pois que eles são “o Israel de Deus”. Observe-se, porém, que ninguém pode andar
segundo esta regra (nem isto se conseguiu desde o começo do mundo) ; ninguém pode amar o próximo
como a si mesmo, sem que primeiro ame a Deus. E ninguém pode amar a Deus, a não ser que creia em
Cristo, tendo redenção através de seu sangue e o Espírito Santo testificando com seu espírito ser ele
filho de Deus. A fé, pois, ainda é o fundamento de tudo da salvação presente assim como da futura
salvação. Podemos dizer, ademais, a cada pecador: “Crê em Jesus Cristo -– serás salvo”: serás
salvo agora, para que sejas salvo para que sejas salvo na terra, para que possas ser salvo nos céus. Crê
nele e tua fé operara por amor. Amaras o Senhor teu Deus, porque Ele primeiro te amou; amarás a teu
próximo como a ti mesmo; e então tua glória e tua alegria consistirão em praticar e aumentar esse
amor; não apenas com absteres-te do que seja contrário a ele, de todo mau pensamento, palavra e ação,
mas demonstrando para com todos aquela bondade que desejaras usassem eles para contigo.
John Wesley
Enviado por Silvio Dutra Alves em 12/05/2014