Legado Puritano
Quando a Piedade Tinha o Poder
Textos
A Negação do Eu – Parte I
“Então, disse Jesus a seus discípulos: Se alguém quer vir após mim, a si mesmo se negue, tome a sua cruz e siga-me.” (Mateus 16.24)
Em que sentido um cristão não deve negar a si mesmo?
1. Ele não deve negar sua promessa. A promessa de um homem deve ser sagrada. Ele deve guardá-la, embora seja para a sua perda - Salmo 15:1,4. Aquele que não faz conta de sua promessa - Deus não faz conta de sua profissão.
2. Um cristão não deve negar sua graça. Ele não deve negar qualquer boa obra realizada por ele, mas não deveria dizer que  uma árvore seca  - pois tem o orvalho do céu sobre os seus ramos. Assim isto é um pecado porque um homem deve fazer-se melhor do que ele é - e isso, o torna pior. Dizer que ele tem graça quando ele não a tem, é presunção. Dizer que ele não tem a graça quando ele a possui - é ingratidão. É falso testemunho contra o Espírito de Deus.
Em que sentido deve um cristão negar a si mesmo?
Em geral, ele deve negar aquela parte carnal, que é mais achegada  a ele do que a menina dos seus olhos. Mas, mais particularmente:
1. Um cristão deve negar sua razão. Não digo renunciar a ela, mas negá-la. Alguns clamam à deusa Diana da razão, tornando-a a regra e norma de fé. Na verdade, que há um Deus e que esse Deus deve ser adorado, é uma lei escrita no coração do homem e está em consonância com a razão. Mas quem Deus é, e o modo correto da adoração, é um assunto tão sublime, que a razão não poderia decifrá-lo mais do que os filisteus puderam em relação ao enigma de Sansão.  
"Porventura, desvendarás os arcanos de Deus ou penetrarás até à perfeição do Todo-Poderoso?" (Jó 11.7).
A razão deve ser negada para aceitar DOUTRINAS propostas para serem cridas:
A doutrina da Trindade . O poço é fundo, e quem pode compreendê-lo com o fio de prumo da razão! As três pessoas da Trindade são distintas, mas não divididas. São três subsistências, mas uma essência. A Trindade é puramente um objeto de fé. Existem algumas verdades na religião verdadeira que são demonstradas pela razão, como a de que devemos fugir do vício e fazer aos outros o que gostaríamos que fizessem a nós. Mas a Trindade de pessoas, na unidade da essência, é da revelação divina, e deve ser consentida pela fé.
A doutrina da Encarnação. Esta doutrina ensina: que a eternidade – deveria nascer, para que Aquele que governa as estrelas - devesse sugar os seios, de uma virgem - que deveria conceber, que o ramos deveriam suportar a raiz - que em Cristo deveria haver duas naturezas, ainda que uma só pessoa, que a sua natureza divina não deveria ser transformada na natureza humana, mas a natureza humana deveria ser assumida pela pessoa do Filho de Deus - a natureza humana não é Deus, mas uma com Deus. Aqui, a frágil razão humana deve ser negada.
A doutrina da Ressurreição. Que o corpo sepultado, ou melhor, se desintegrando em mil pedaços - e as cinzas espalhadas sobre a terra - deve ressuscitar, está acima da frágil razão humana poder entendê-lo. Os epicuristas e estóicos ridicularizaram Paulo, quando lhes pregou sobre a ressurreição, Atos 17:22. Aqui a razão deve ser negada, João 5:28. "Não vos admireis disso, porque vem a hora em que todos os que estão nos sepulcros ouvirão a sua voz e sairão!" - 1 Coríntios 15:42-43.
As doutrinas da fé não se opõem à razão, mas a transcendem!
A razão deve ser negada em DEVERES que devem ser praticados. Há muitos deveres na piedade, contra os quais a razão  carnal luta.
Deus diz: "É a glória de um homem suportar ofensas" - Provérbios 19:11.
"Não!" diz a razão carnal", isto é covardia!" Os pagãos pensam em bravura de espírito, para se vingarem de ofensas.
Deus diz que os caminhos da santidade são um mar de rosas. Provérbios 3:17 - "Os seus caminhos são caminhos de delícias".
"Não!" diz razão carnal", eles são severos e cínicos. Devo crucificar o meu prazer e minha alegria deve ser afogada em lágrimas!"
Deus diz que a piedade é recompensada. 1 Timóteo 6:8, "a piedade é grande fonte de lucro." Ela traz contentamento em decorrência do favor de Deus. Ela traz riquezas temporais. Provérbios 03:16: "Em sua mão há riquezas e honra." A maneira de ser próspero é ser piedoso.
"Não!" diz a razão carnal, “se eu seguir o comércio da piedade irei à falência!" Neste caso, a razão carnal deve ser negada e combatida.
2. Um cristão deve negar a sua VONTADE. Brugensis disse: "A vontade é a grande roda na alma que move todos os afetos." A vontade, no estado de inocência era regular. Ela ecoava a vontade de Deus. Mas, desde a queda, no entanto, mantém a sua liberdade em ações morais – ainda que espiritualmente esteja corrompida. "Se a vontade pudesse deixar de pecar", diz Bernard, "não haveria inferno." A maior ferida repousa sobre a vontade. A bússola dos marinheiros, sendo acometida pelo trovão, faz com que a ponta da agulha aponte para a direção errada. A natureza do homem estando corrompida, faz com que a vontade aponte de modo errado; ela aponta para o mal. Há na vontade, não só  a impotência, mas a  obstinação. Atos 7:51: "Vocês sempre resistiram ao Espírito Santo."
Aqui devemos negar a nossa vontade, e submetê-la à vontade de Deus. Se uma vara torta é colocada em cima de um solo nivelado, nós não tentamos amoldar o chão à vara, mas fazemos com que a vara se amolde a ele. Assim, a vontade de Deus não é para ser ajustada à nossa, mas a nossa vontade torta deve ser amoldada à vontade de Deus. Nós oramos, "Seja feita a Tua vontade". A maneira de conduzir a nossa vontade, é negá-la.
3. Um cristão deve negar sua JUSTIÇA PRÓPRIA, suas moralidades, deveres, e boas obras. Filipenses 3:9: "Para que eu possa ser encontrado nele não tendo justiça própria." A aranha tece uma teia de seu próprio corpo. Um hipócrita iria tecer uma teia de salvação de sua própria justiça. Mas Paulo, como a abelha, sugou a salvação a partir da flor da justiça de Cristo. Isaías 64:6: "Toda a nossa justiça é como trapo da imundícia". Nossos melhores deveres estão cheios de pecado. Coloque o ouro no fogo e sai a escória. Nossos serviços mais dourados estão misturados com incredulidade. O anjo derramando fragrâncias doces para as orações dos santos - Apocalipse 8:03, mostra que elas são em si desagradáveis e precisam das doces fragrâncias de Cristo para perfumá-las.
Nunca devemos confiar em nosso deveres, mas apenas na justiça de Cristo para a salvação. A pomba de Noé usou suas asas para voar - mas confiou na arca para a sua segurança.
E, se devemos negar nossas coisas santas no ponto de justificação, então muito mais nossas civilidades e moralidades. Um caule pode ser finamente pintado - mas não ter raiz. Um homem pode ser pintado com a moral e ainda não ter a raiz da graça. Uma pessoa moral é apenas externamente lavada, não mudada internamente. A vida pode ser civilizada para os homens enquanto o coração é mau contra Deus; assim como o mar que pode estar calmo – mas sua água é salgada. O fariseu poderia dizer que ele não era adúltero - Lucas 18:11, mas ele não podia dizer que ele não tinha orgulho.
A pessoa moralista pode ter uma antipatia secreta contra a piedade. Ela pode odiar a graça, tanto quanto o vício. A moralidade é apenas um título rasgado para o céu. Um pedaço de latão pode brilhar, mas, sem a imagem do rei, não vai passar como moeda. Um homem pode brilhar com virtudes morais, mas sem a imagem de Deus que consiste na santidade, ele não vai passar como moeda no dia do julgamento. A moral é boa, mas Deus dirá: "ainda lhe falta uma coisa!" - Lucas 18:22. A moralidade é uma boa companhia para Jacó andar com os homens, mas é uma má escada para Jacó subir para o céu!
4. Um cristão deve negar toda AUTOCONFIANÇA. Quão confiante estava Pendleton em si mesmo: "Esta minha gordura se derreterá no fogo, para Cristo!" Mas em vez disso foi sua coragem que foi derretida.
A mesma palavra hebraica significa tanto confiança e insensatez.
A autoconfiança revela insensatez. Pedro presumiu demais de sua própria força: “Disse-lhe Pedro: Ainda que venhas a ser um tropeço para todos, nunca o serás para mim." - Mateus 26:33. Mas quanto tempo ficou a sua confiança abalada e derrubada com uma ameaça de uma jovem! Mateus 26:71-72: "Ele negou com juramento, dizendo: Não conheço esse homem!". Pedro negando a Cristo, foi o resultado de não negar a sua autoconfiança.
Romanos 11:20: "Não te ensoberbeças, mas teme." A cana rachada frequentemente permanece quando o cedro confiante cai. Quem conhece a ferocidade de uma provação, ou a falsidade de seu coração – e que não temerá? Como é que alguns mestres brilharam como estrelas na igreja, e mesmo assim foram estrelas cadentes? Porfírio, Julian, Cardinal Pool, Gardener, Judas. Os apóstolos têm sido chamados por alguns dos antigos, por termos como "os olhos do mundo", "pés de Cristo", "seios da igreja." Judas era um destes, mas um traidor.
Não, alguns dos santos, pela retirada das influências do Espírito de Deus, caíram por um tempo, como Cranmer e Orígenes, cujo coração desmaiou sob perseguição, e ele ofereceu incenso ao ídolo.
Negue a autoconfiança. 1 Coríntios 10:12: "Aquele que pensa estar em pé, tome cuidado para que não caia." É justo para Deus, que aquele que confia em si mesmo, deva ser deixado a si mesmo! A videira sendo fraca, agarra-se ao carvalho para apoiá-la. Um bom cristão, estando consciente de sua própria fraqueza, agarra-se pela fé a Cristo. Filipenses 4:13, "Eu posso todas as coisas em Cristo que me fortalece." A força de Sansão estava em seu cabelo. A nossa está na nossa cabeça, Cristo.
Thomas Watson
Enviado por Silvio Dutra Alves em 26/05/2014
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