Evangelho 15
“1 Não julgueis, para que não sejais julgados.
2 Porque com o juízo com que julgais, sereis julgados; e com a medida com que medis vos medirão a vós.
3 E por que vês o argueiro no olho do teu irmão, e não reparas na trave que está no teu olho?
4 Ou como dirás a teu irmão: Deixa-me tirar o argueiro do teu olho, quando tens a trave no teu?
5 Hipócrita! tira primeiro a trave do teu olho; e então verás bem para tirar o argueiro do olho do teu irmão.” (Mt 7.1-5)
Examinamos o mandamento de nosso Senhor, “Não julgueis” e o que implica na prática. Agora, veremos nos versos 1 a 5 as razões que dá para não julgarmos.
A primeira razão que nos apresenta é a seguinte: “Não julgueis, para que não sejais julgados!” Se trata de uma razão muito prática e pessoal, porém, que significa exatamente?
Há um juízo que é definitivo e eterno, é o juízo que determina o estado do homem e sua posição diante de Deus. Este juízo decide a grande separação entre o cristão e o não cristão, entre as ovelhas e as cabras, entre os que alcançarão a glória e os que alcançarão a perdição. Este é um tipo de primeiro juízo, como um juízo básico que estabelece a grande linha divisória entre os que pertencem a Deus e os que não lhe pertencem. Isto é ensinado claramente em muitas passagens da Bíblia. Este é o juízo que determina e fixa o destino final do homem, sua condição eterna, se vai estar no céu ou no inferno.
Porém esse não é o único juízo que se ensina na Bíblia, há um segundo juízo, o juízo ao qual estamos submetidos como filhos de deus, e por ser filhos de Deus.
Para entender isso, deveríamos ler I Coríntios 11, onde Paulo expõe a doutrina relativa à santa ceia.
Ele diz: “27 De modo que qualquer que comer do pão, ou beber do cálice do Senhor indignamente, será culpado do corpo e do sangue do Senhor. 28 Examine-se, pois, o homem a si mesmo, e assim coma do pão e beba do cálice. 29 Porque quem come e bebe, come e bebe para sua própria condenação, se não discernir o corpo do Senhor.” (I Cor 11.27-29)
E Logo adiante afirma:
“30 Por causa disto há entre vós muitos fracos e enfermos, e muitos que dormem. 31 Mas, se nós nos julgássemos a nós mesmos, não seríamos julgados; 32 quando, porém, somos julgados pelo Senhor, somos corrigidos, para não sermos condenados com o mundo.” (I Cor 11.30-32).
Esta afirmação é muito importante e significativa. Indica claramente que Deus julga a seus filhos desta forma, que se somos culpados de pecado, ou de viver mal, é provável que Ele nos castigue. O castigo, diz Paulo, pode tomar a forma de enfermidade.
Há quem está enfermo por seu mal viver.
Não quer dizer necessariamente que Deus lhes tenha enviado a enfermidade, porém provavelmente significa que Deus retira sua proteção deles e permite que o Inimigo lhes ataque com a enfermidade. O mesmo tipo de afirmação é encontrada na mesma carta quando fala de entregar um homem a Satanás para que este lhe corrija dessa forma (capítulo 5). É uma doutrina sumamente grave e importante.
Deus permite que Satanás controle estas pessoas devido à sua negativa de julgarem-se a si mesmas e a arrepender-se e a voltar para Deus.
A exortação que faz, por conseguinte, é que devemos examinarmo-nos a nós mesmos, devemos nos julgar a nós mesmos e condenar o mal que há em nós, para que possamos evitar esse outro juízo.
Se engana, pois, o cristão que passa superficialmente pela vida dizendo que crê no Senhor Jesus Cristo, e que, por conseguinte, nada tem a ver com o juízo, que tudo está bem. Em absoluto, devemos andar com cautela, devemos examinarmo-nos e julgar em nossa consciência para que este tipo de juízo não venha sobre nós.
Tudo isto está confirmado em Hebreus 12.5,6:
“5 e já vos esquecestes da exortação que vos admoesta como a filhos: Filho meu, não desprezes a correção do Senhor, nem te desanimes quando por ele és repreendido; 6 pois o Senhor corrige ao que ama, e açoita a todo o que recebe por filho.”
Deus conduz seus filhos à perfeição, e em consequência os disciplina neste mundo. Julga seus pecados e suas imperfeições neste mundo para prepará-los para a glória.
O terceiro tipo de juízo que é ensinado na Bíblia é o juízo de recompensa. É o juízo para o povo de Deus depois da morte.
Nós o encontramos em Romanos 14 onde Paulo diz que todos compareceremos diante do tribunal de Cristo. Temos o mesmo em I Cor 13 onde se afirma que a obra de cada um será manifestada e o dia a declarará, se o homem tem edificado sobre o fundamento, se ouro, prata, pedras preciosas, madeira, feno ou palha, será julgado pelo fogo. Parte disso ficará completamente destruído, a madeira, o feno e a palha, porém o homem mesmo se salvará, “ainda que pelo fogo”. Tudo isto indica juízo, juízo de nossas obras desde que nos tornamos cristãos.
Este juízo se encontra também citado em Gál 6.5 onde se diz que “cada um levará a sua própria carga”, porque cada um de nós é responsável por sua própria vida e conduta. Também este tipo de juízo, não decide nosso destino eterno, porém vai constituir uma diferença, sendo um juízo de nossa vida desde que nos tornamos cristãos.
É a este tipo de juízo que nosso Senhor se refere em Mt 7.1: “Não julgueis para que não sejais julgados!”.
Não é simplesmente que se alguém não queira ser criticado por outros, que tampouco devem criticá-los. Isto está certo em ser dito, mas é muito mais importante o fato de que se alguém está se expondo a si mesmo a juízo, e que terá que responder diante de Deus por estas coisas. Se não vai perder a salvação, é evidente que vai perder algo.
Isto nos conduz à segunda razão que nosso Senhor apresenta para não julgar:
“Porque com o juízo com que julgais, sereis julgados; e com a medida com que medis vos medirão a vós.” Nosso Senhor declara que Deus mesmo, neste juízo que vimos descrevendo, nos julgará segundo nossa própria medida.
Esta é uma das afirmações mais alarmantes da Bíblia. Pretendo ter um conhecimento excepcional da Bíblia? Se é assim, serei julgado em função desse conhecimento. Pretendo ser um servo que conhece realmente estas coisas? Então não devo surpreender-me se me acoitam muito. Deveríamos ter muito cuidado, por conseguinte, em como nos expressamos. Se com autoridade julgamos a outros, não temos direito de nos queixarmos se somos julgados com a mesma norma. É completamente justo e adequado, e não temos razão nenhuma de nos queixarmos.
Se pretendemos ter este conhecimento, devemos demonstrá-lo vivendo de acordo com o mesmo. Segundo o que pretendo ser, serei julgado. Se, por conseguinte, ponho muito empenho em examinar a vida das outras pessoas, essa mesma norma se me aplicará, e não terei motivo para queixar-me. A resposta que se me daria, se me queixasse, seria esta: já o sabias, porque o fazias com os demais. Por que não também no teu próprio caso? É um pensamento surpreendente e alarmante.
Isto nos conduz à última razão que nosso Senhor apresenta nos versos 3 a 5:
“3 E por que vês o argueiro no olho do teu irmão, e não reparas na trave que está no teu olho?
4 Ou como dirás a teu irmão: Deixa-me tirar o argueiro do teu olho, quando tens a trave no teu?
5 Hipócrita! tira primeiro a trave do teu olho; e então verás bem para tirar o argueiro do olho do teu irmão.”
Nosso Senhor ensina a terceira razão para não julgarmos a outros é que somos incapazes de julgar. Não podemos julgar. Diz que nosso espírito é tal que não temos direito de julgar.
Antes de tudo, indica que não nos preocupa a justiça e o verdadeiro juízo, porque se estivéssemos preocupados com isso, nos ocuparíamos disso em nós mesmos. Porém, não o fazemos, e por conseguinte nosso interesse não é realmente a verdade.
Se alguém tiver um verdadeiro interesse pela justiça e pela verdade, será tão critico de si mesmo quanto dos demais.
O verdadeiro desejo do hipercrítico é condenar a pessoa, muito mais do eliminar o mal que exista nela.
Isto nos faz incapazes de emitir um verdadeiro juízo. Se há parcialidade, se há sentimento e animosidade pessoais, não podemos ser verdadeiros examinadores.
No verso 4 nosso Senhor mostra que nossa própria condição é tal que somos completamente incapazes de ajudar a outros. Pretendemos estar preocupados por essas pessoas e por suas faltas, e tratamos de dar a impressão de que estamos preocupados somente com o seu bem. Dizemos que estamos inquietos por essa pequena mancha que vemos neles, e que estamos desejosos de eliminar esta palha. Porém, diz nosso Senhor, não o podemos fazer, porque é um processo sumamente delicado. A viga que está em nossos próprios olhos nos torna incapazes disso.
Nosso Senhor afirma que é preciso ver claramente para que se possa tirar o diminuto argueiro do olho de outra pessoa pela qual demonstramos interesse em ajudá-la. Não se pode ajudar a outros quando não enxergamos bem por causa da viga que há no nosso próprio olho.
Quem não remove a viga de seu próprio olho é chamado de hipócrita pelo Senhor, porque é um falso ajudador.
Isto pode ser interpretado assim. Se desejas realmente ajudar aos outros, e ajudá-los a eliminar suas manchas, faltas, fragilidades e imperfeições, antes de tudo tens que dar-te conta que o espírito de juízo, hipercrítica e censura que há em ti é realmente como uma viga, se for comparada com a pequena palha no olho alheio.
A outra pessoa talvez tenha caído em imoralidades, em algum pecado da carne, ou talvez seja ré de algum pequeno erro de vez em quando. Todavia, isto não é mais do que uma pequena palha no olho quando comparado com o espírito de hipercrítica que há em ti, que é como uma viga.
Por isso tens que começar com teu próprio espírito, diz em outras palavras; “enfrenta-te contigo mesmo com toda honestidade e sinceridade e admite a verdade acerca de ti mesmo!
Quando o homem se tem visto a si mesmo, nunca julga aos demais de maneira equivocada. Dedica todo o tempo a condenar-se a si mesmo, a lavar as mãos e a tratar de purificar-se. Há somente um modo de se livrar do espírito de censura e hipercrítica, e é julgar-se e condenar-se a si mesmo. Isto nos humilha até o pó, e logo se segue, necessariamente, que havendo-nos, desta maneira, nos livrada da viga dos próprios olhos, estaremos em condições adequadas para ajudar a outros, tirando-lhes a palha dos olhos.
O processo de tirar a palha do olho é difícil. Não há órgão mais sensível que o olho. Quando o dedo o toca, se fecha. Por isso, ao fazer isto necessitamos acima de tudo de afeto, paciência, calma e equilíbrio. Isto é o que se necessita, devido à delicadeza da operação.
Transportemos tudo isso para o âmbito espiritual. Vamos nos ocupar de uma alma, vamos tocar a parte mais sensível do homem. Como podemos tirar dela a palha? Somente uma coisa importa quanto a isto, é que se seja humilde, compassivo, e estr consciente do próprio pecado e da própria indignidade, a fim de que ao encontrá-la em outra pessoa, longe de condená-la, sintamos vontade de chorar.
Por D. M. Lloyd Jones ( traduzido e adaptado por Silvio Dutra)
D. M. Lloyd Jones
Enviado por Silvio Dutra Alves em 09/06/2014