Evangelho 21
“15 Guardai-vos dos falsos profetas, que vêm a vós disfarçados em ovelhas, mas interiormente são lobos devoradores.
16 Pelos seus frutos os conhecereis. Colhem-se, porventura, uvas dos espinheiros, ou figos dos abrolhos?
17 Assim, toda árvore boa produz bons frutos; porém a árvore má produz frutos maus.
18 Uma árvore boa não pode dar maus frutos; nem uma árvore má dar frutos bons.
19 Toda árvore que não produz bom fruto é cortada e lançada no fogo.
20 Portanto, pelos seus frutos os conhecereis.” (Mt 7.15-20)
No estudo relativo aos Falsos Profetas, nós vimos que o Senhor colocou em relevo a sutileza deles, porque vêm a nós vestidos de ovelhas, quando que no seu interior são lobos devoradores.
O falso profeta vestido de ovelha ensina que nunca se deve dizer nada que soe como crítica ou então que seja duro de se ouvir. Para não serem descobertos quanto à falta do verdadeiro fruto espiritual em suas vidas, é que ameaçam aos que estão debaixo da sua liderança a não efetuarem qualquer tipo de juízo, por este temor de ser revelado que eles são na verdade lobos vestidos de ovelhas.
Mas nosso Senhor queria enfatizar este ponto dizendo que os falsos profetas são conhecidos por seus frutos, e que não se pode colher uvas de espinheiros ou figos de abrolhos; porque toda boa árvore dá bons frutos, porém a má árvore dá maus frutos. E toda árvore que não dá bom fruto é cortada e lançada ao fogo.
E o Senhor quis destacar que apesar de duas árvores serem parecidas em seu aspecto exterior, quando são julgadas pelo tipo de fruto que dão, percebe-se que são totalmente diferentes. Um se pode comer, porém o outro não. É evidente que há aqui um ensino muito profundo.
Com isto Jesus quis mostrar que ser cristão é algo que está na essência mesma da personalidade, que é algo vital e fundamental. Não se trata de aparências superficiais quanto a crenças. Parece querer nos ensinar sobre o perigo de nos enganarmos com as aparências. É o mesmo caso do uso da metáfora relativa aos falsos profetas que vêm vestidos de ovelhas. Noutras palavras, está em foco o perigo de parecer ser cristão sem sê-lo na realidade.
Já vimos que isto sucede no campo do ensino e da doutrina. Alguém pode parecer estar pregando o evangelho quando, na realidade, quando é julgado por provas genuínas, vê-se que não o faz. O mesmo acontece no caso da conduta e da vida. O perigo, neste caso, está em querermos ser cristãos acrescentando coisas à nossa vida, em vez de chegar a ser algo novo, em vez de se receber vida interior, em vez de que a natureza que está em nós se renove segundo a imagem do Senhor Jesus Cristo.
Assim, segundo o Senhor, alguém pode falar de maneira adequada, pode parecer que vive bem, e contudo permanece sendo um falso profeta. Pode ter a aparência da vida cristã sem ser realmente um cristão. Isto tem sido uma fonte constante de problemas e perigos na história da Igreja. Porém o Senhor nos alerta desde o princípio que ser cristão significa uma mudança na vida e na própria natureza do homem. É a doutrina do novo nascimento. Nenhuma ação do homem vale nada para a sua salvação, a não ser que tenha mudado sua natureza.
Por isso devemos nos preocupar sobretudo com o estado do coração porque é o centro da personalidade. Assim é o que há no coração que sempre se manifesta. Manifestar-se-á nas crenças, no ensino e na doutrina.
E o Senhor diz que é por este fruto que sai do interior, da natureza mesma, do coração, que podemos reconhecer a pessoa, de modo que possamos saber se é um falso profeta, apesar da aparência de ser cristão.
Estão indissoluvelmente unidos o que alguém crê e a vida. O que o homem pensa, isso ele é. O homem atua da maneira pela qual pensa. Em outras palavras, manifestamos inevitavelmente o que somos pelo que cremos e pensamos.
Não importa o cuidado que tenhamos, num momento ou outro se manifestará. O fruto de nossas crenças e pensamentos se manifestará.
Isto implica que por mais que alguém se afirme correto e santo, ortodoxo, reto e aplicado em obedecer o ensino de Jesus, isto será detectado se é verdade ou não, pelo tipo de ação que produzir em sua vida. Como pode o mau praticar o que é bom?
Talvez nos enganemos por um tempo. As aparências podem enganar muito, porém não duram. Os puritanos gostavam muito de tratar em detalhes a quem chamavam de “cristãos temporais”. Com isto queriam se referir às pessoas que pareciam estar debaixo da influência do evangelho, pessoas que davam a impressão de serem verdadeiramente convertidas e regeneradas. Falavam de forma adequada e mostravam mudança na vida, pareciam cristãos. Porém os puritanos lhes chamavam de cristãos temporais porque chegavam depois a dar provas inconfundíveis e claras de que nunca haviam chegado a ser verdadeiramente cristãos. Isto ocorre muito nos avivamentos. Quantas vezes ocorre um despertamento religioso, ou emoção religiosa em que se costuma encontrar pessoas que, das quais podemos dizer, seguem a corrente. Não se dão conta do que acontece, porém caem sob a influência geral do Espírito Santo e por um tempo se sentem realmente afetados, porém, segundo este ensino, talvez nunca cheguem a ser verdadeiramente cristãos.
Em II Pedro 2 há uma exposição relativa a isto. O apóstolo descreve de forma clara e gráfica casos assim. Fala de pessoas que haviam entrado na igreja e haviam sido aceitas como cristãs, porém logo haviam saído. Descreve-as como cães que voltam ao vômito, e porcos lavados que voltam à lama. A porca pode ser lavada, e parecer limpa no exterior, porém sua natureza não foi mudada e isto a levará a amar a sujeira.
Em II Pe 1.4, ao se referir a verdadeiros cristãos o apóstolo diz que por terem se tornado participantes da natureza divina, escaparam da corrupção, que pela concupiscência há no mundo.
Mas quando se refere a estes cristãos temporais, no capítulo segundo, não diz que escaparam da corrupção, mas das contaminações. E isto porque há uma espécie de purificação superficial que não muda a natureza. A purificação é importante, porém pode ser muito enganadora. O que somente purifica o exterior, poder parecer cristão, porém, segundo a argumentação de nosso Senhor o que torna alguém um cristão é a natureza íntima, e essa natureza interior tem que se manifestar.
O Juízo Final há de revelar muitas surpresas para muitos que pensam ser cristãos zelosos por esta grande aplicação à simples purificação exterior, sem que tenham de fato nascido de novo. E alguns destes conseguem enganar a muitos por muito tempo, porque são meticulosamente farisaicos em sua atitude religiosa, levando até mesmo verdadeiros cristãos a pensarem que eles são de fato nascidos de novo, quando na verdade não são.
Mas na convivência com eles, os que são maduros espiritualmente, poderão observar que há algo que se manifesta na natureza deles, pelo fruto de sua conversação e modo de compreensão da vida cristã que revela que há algo muito duvidoso na alegada conversão que alegam terem experimentado.
A verdadeira crença básica do homem se manifestará na sua vida. Acaso se colhem uvas de espinheiros ou figos de abrolhos? Estas coisas nunca podem ser separadas. A natureza íntima se manifestará. Devemos portanto ter cuidado em admitir como cristão verdadeiro quem na realidade não passa de impostor em sua aparência externa. E somos exortados a nos disciplinarmos para buscar com cuidado o fruto.
Lembremos que é necessário também examinar quais são as características do bom fruto. Devemos buscá-las em nós mesmos e nos demais. Devemos ter cuidado, porque aquele que se encontra fora da porta estreita nos dirá: “Não há necessidade de fazer tudo isto. Este é o caminho”. E podem nos enganar. Por isso devemos aprender a discriminar, e também, ao examinar o fruto, devemos ter presente este elemento de sutileza. Há tipos de vida que se parecem muito com o verdadeiro cristianismo, e obviamente, são as mais perigosas de todas. Parece cada vez mais claro que o maiores inimigos da fé cristã genuína não são os que se acham no mundo, perseguindo de forma agressiva o cristianismo ou prescindindo de forma aberta ao seu ensino; são muito mais aqueles que possuem um cristianismo falso e espúrio. São os que receberam a condenação que o Senhor lança nesta passagem contra os falsos profetas. Se alguém examinar a história da Igreja, desde seus começos, descobrirá que sempre foi assim. O cristianismo falso e fingido sempre tem sido o maior obstáculo e inimigo da verdadeira espiritualidade. E não há dúvida de que o maior problema nos dias atuais é o estado mundano da Igreja. Deveria preocupar-nos muito mais o estado da própria Igreja que o estado do mundo fora da Igreja. Parece cada vez mais evidente que a explicação do estado atual da Cristandade, se encontra dentro da Igreja e não fora.
Por isso somos chamados a provar os espíritos.
Temos diante de nós alguém que fez profissão de cristão. Não diz nada que seja obviamente errado, e parece viver uma boa vida cristã. A qual prova submeteremos tal pessoa? Podemos ter pessoas simpáticas, moralmente corretas, com uma norma e código de vida pessoal elevados; parecem muito com os cristãos, embora talvez não o sejam. Como podem ser distinguidas? Temos aqui algumas perguntas às quais têm que responder. Antes de tudo, por que esta pessoa vive este tipo de vida? Tomemos o caso de um homem bom que não pretende ser cristão, ou um homem que assiste regularmente a um lugar de culto, porém que, julgado segundo as normas do Novo Testamento, não é cristão. Por que vivem como o fazem? Existem muitas razões para isso. Pode ser simplesmente questão de temperamento. Há pessoas com boa natureza. Têm um temperamento e caráter equilibrados; são tranquilos, não há neles nada naturalmente vicioso e ofensivo. Não têm que fazer nenhum esforço para ser assim; nasceram assim, são assim. É algo puramente físico e natural.
Em segundo lugar, essa pessoa vive este tipo de vida porque tem certas crenças ou aceita certo ensino moral? Há pessoas que são o que se pode chamar de bons pagãos. Essas pessoas têm normas muito elevadas e as praticam diariamente. Pode-se fazer isto completamente aparte do cristianismo. Assim pois, se julgamos somente pelas aparências gerais da vida de alguém, é possível nos enganarmos. Frequentemente se diz que há melhores cristãos fora da Igreja do que dentro. Isto quer dizer que podemos encontrar excelente moralidade fora da Igreja. Porém a moralidade talvez não tenha nada a ver com o cristianismo. Não tem conexão necessária com o mesmo. Os grandes filósofos gregos propuseram seus grandes ensinos morais antes que Cristo viesse. E é ainda mais significativo que os filósofos gregos foram às vezes opositores violentos do evangelho cristão, eles foram os que consideram como loucura a pregação da cruz.
Em consequência é necessário não olhar somente ao homem e sua vida em geral. Temos que descobrir as razões e motivos de seus atos. Desde o ponto de vista cristão, existe uma só prova vital a este respeito. Este homem dá a impressão de que vive esse tipo de vida porque é cristão e devido à sua fé cristã? Se não vive assim por ser cristão, de nada vale; é o que nosso Senhor chama de maus frutos. O Antigo Testamento se refere a isto com muito vigor quando diz que todas as nossas justiças são como trapo de imundície. Aos olhos de Deus o que tem valor, em última instância é somente o que é fruto do caráter cristão, o que nasce da nova natureza.
Esta é a prova geral. Vejamos agora algumas provas específicas. Nisto devemos ter cuidado para não nos expormos a que nos acusem de espírito de crítica; ademais devemos ter o cuidado para que aquilo que dissermos não julgue a nós mesmos.
Ainda que a vida de alguém se conforme a um código moral geral, mas se não vê que a mensagem da cruz é que a justiça do homem nada vale e que o homem é um pecador sem esperança, tudo isto se revelará em sua vida. Haverá assim pontos falhos quanto ao que se exige para se caminhar no caminho apertado. E se no modo de viver geral é muito parecido com o cristão, se observará que nos detalhes haverá muitas falhas. Há neles uma falta de qualidade e uma ausência da atmosfera peculiar que sempre se encontra na pessoa verdadeiramente espiritual.
Mas a grande prova que se deve buscar em todo aquele que se diz cristão é a prova das bem-aventuranças, porque o cristão verdadeiro é pobre de espírito, chora pelo pecado, é manso, tem fome e sede de justiça, é pacificador, é puro de coração etc.
Contudo alguém dirá: “Mas não há cristãos em que não há evidências visíveis destas bem-aventuranças, por viverem carnalmente?”. Isto é a verdade, e é daí que decorre a dificuldade para se saber quem é verdadeiramente cristão hoje em dia, porque são poucos os que procuram confirmar a sua eleição vivendo diligentemente em santificação. Mas, em todo o caso, quantos destes não correm o risco, por falta destas evidências, de se julgarem cristãos, quando na verdade podem não sê-lo efetivamente, porque se exige evidência de santificação, exige-se segundo nosso Senhor, este fruto positivo do Espírito Santo na vida, para a plena certeza da esperança. Aquele que não o possui não pode estar seguro da sua salvação.
É por estas provas que se excluem os bons pagãos, os falsos profetas e os cristãos temporais, porque são provas da natureza íntima do homem e do seu verdadeiro ser.
Somente a árvore boa pode produzir o fruto do Espírito Santo. O homem que for somente moralmente justo não pode produzi-lo.
O Senhor nos recorda nesta passagem que se alguém não é humilde, tem que se ter muita cautela com ele. Pode estar vestido de ovelha, porém não é verdadeira humildade, não é verdadeira mansidão. E se a doutrina de alguém é equivocada se manifestará nisto. Será afável, e agradável, será atraente para o homem natural e carnal, porém não dará a impressão de ser alguém que se tem visto como pecador a caminho do inferno e que tem sido salvo somente pela graça de Deus.
O homem do Novo Testamento é sóbrio, grave, humilde, manso. Possui o gozo do Senhor no coração, se, porém, não é efusivo, não é ruidoso, não é carnal em sua vida. É alguém que diz com Paulo: “os que estamos neste tabernáculo gememos com angústia” (II Cor 5.4). Não se interessa na sua maneira de vestir com a pompa e com o externo, não se interessa em causar impressão; é manso e se preocupa com Deus e com sua relação com Ele. E a prova definitiva, sem dúvida, é a humildade. Se em nós há a soberba da vida e do mundo, necessariamente, não sabemos grande coisa da verdade; e deveríamos examinarmo-nos de novo para nos assegurarmos da nova natureza. O que temos no interior se manifestará no exterior. Se tenho mente mundana, ainda que pregue uma grande doutrina, e ainda que tenha renunciado a certas coisas, se manifestará em minhas palavras ociosas (Mt 12.36). Mostramos realmente o que somos quando não estamos de sobreaviso. Podemos dar a impressão que somos cristão, porém nossa verdadeira natureza se manifestará.
A forma como alguém prega pode ser mais significativa do que diz, porque pela maneira com que fala revela quem realmente é. Os métodos de uma pessoa às vezes desmentem a mensagem que prega. O que prega o juízo e a salvação, e contudo, ri, e brinca, nega o que está pregando. A confiança em si mesmo, o depender da habilidade humana e da personalidade, proclamam que este homem possui uma natureza muito afastada do Filho de Deus, que foi manso e humilde de coração. Um homem assim não é como o apóstolo Paulo, que ao pregar em Corinto, não foi confiando em si mesmo e na sua sabedoria, senão com fraqueza e muito temor e tremor. Como nos traímos, quando manifestamos o que realmente somos com nossos atos espontâneos!
Mas ainda que nos enganemos em nossos juízos quanto a identificar se somos e quem é de fato verdadeiramente cristão, lembremos que Deus nunca se engana. Toda árvore que não dá bom fruto é cortada e lançado no fogo. Que nos esforcemos então para achar este bom fruto em nós, andando humildemente na presença do Senhor. Que Deus tenha misericórdia de nós. Que nos abra os olhos para estes princípios vitais e nos capacite a exercer este discernimento relativamente a nós mesmos e a todos os que possam se tornar perigosos para nossas almas e que estejam falsificando gravemente a causa de nosso bendito Senhor neste mundo pecador e necessitado. Concentremo-nos em assegurar-nos que possuímos a natureza divina, e que participamos da mesma, que a árvore é boa, porque se a árvore for boa, o fruto também será necessariamente.
Por D. M. Lloyd Jones ( traduzido e adaptado por Silvio Dutra)
D. M. Lloyd Jones
Enviado por Silvio Dutra Alves em 10/06/2014