Legado Puritano
Quando a Piedade Tinha o Poder
Textos
Evangelho 41
“1 Naquele tempo passou Jesus pelas searas num dia de sábado; e os seus discípulos, sentindo fome, começaram a colher espigas, e a comer.
2 Os fariseus, vendo isso, disseram-lhe: Eis que os teus discípulos estão fazendo o que não é lícito fazer no sábado.
3 Ele, porém, lhes disse: Acaso não lestes o que fez Davi, quando teve fome, ele e seus companheiros?
4 Como entrou na casa de Deus, e como eles comeram os pães da proposição, que não lhe era lícito comer, nem a seus companheiros, mas somente aos sacerdotes?
5 Ou não lestes na lei que, aos sábados, os sacerdotes no templo violam o sábado, e ficam sem culpa?
6 Digo-vos, porém, que aqui está o que é maior do que o templo.
7 Mas, se vós soubésseis o que significa: Misericórdia quero, e não sacrifícios, não condenaríeis os inocentes.
8 Porque o Filho do homem até do sábado é o Senhor.
9 Partindo dali, entrou Jesus na sinagoga deles.
10 E eis que estava ali um homem que tinha uma das mãos atrofiadas; e eles, para poderem acusar a Jesus, o interrogaram, dizendo: É lícito curar nos sábados?
11 E ele lhes disse: Qual dentre vós será o homem que, tendo uma só ovelha, se num sábado ela cair numa cova, não há de lançar mão dela, e tirá-la?
12 Ora, quanto mais vale um homem do que uma ovelha! Portanto, é lícito fazer bem nos sábados.
13 Então disse àquele homem: estende a tua mão. E ele a estendeu, e lhe foi restituída sã como a outra.” (Mateus 12.1-13)

Uma leitura apressada desta passagem pode conduzir à interpretação errônea de que nosso Senhor descumpria o sábado sagrado da Lei de Moisés, ou então que estava ensinando a transgredir o mandamento relativo ao descanso do sétimo dia da semana.
Todavia, como poderia o próprio autor deste mandamento ordenar o seu descumprimento ou desonrá-lo?
Como lemos no Sermão do Monte, nosso Senhor afirmou que não veio revogar a Lei de Moisés, mas cumpri-la.
Nós vimos no comentário relativo ao Sermão do Monte, o quanto os escribas e fariseus haviam adulterado a Lei de Moisés, distorcendo os mandamentos da Lei, lhes acrescentando preceitos de homens, que desfiguravam os preceitos divinos relativos a estes mandamentos.  
E não havia mandamento que eles mais tivessem desfigurado do que o relativo ao dia de descanso, ou sábado, conforme prescrito na Lei de Moisés, para vigorar no período do Velho Testamento.
Eles levaram a ordenança de os judeus não se ocuparem com os seus negócios e interesses comuns diários, neste dia de descanso, separado especialmente  para se cultuar a Deus como Criador, a extremos que fugiam completamente do espírito da Lei, que era a de se cultuar a Deus, e não propriamente a cessação de qualquer tipo de atividade considerada não religiosa no referido dia, uma vez que é possível fazer-se isto e no entanto, não se tributar qualquer culto ou honra ao Senhor.
Os judeus haviam feito do sábado um fim em si mesmo em sua devoção religiosa.
Eles olhavam para o sábado e não para Deus.
Cultuavam o sábado e não o Senhor.
Com isso, estabeleceram proibições que nunca passaram pela mente de Deus, por exemplo, até mesmo proibindo coisas mínimas num dia de sábado, como o simples ato de dar um nó, porque segundo eles isto implicava em ação, e ação significa trabalho, e portanto, fazê-lo no dia de sábado configuraria uma violação da Lei.    
Foi este espírito errado que Jesus combateu, na expectativa de que o mandamento relativo ao sábado fosse interpretado da maneira correta.
Não havia portanto, qualquer pecado em se colher espigas para se matar a fome, no dia de descanso.
Davi e seus homens, quando fugiam de Saul, e estando exauridos de fome, não tiveram nenhum outro tipo de alimento para mantê-los em vida senão os pães do tabernáculo, que eram trocados no dia de sábado, e dos quais não poderiam comer segundo a Lei, porque isto era reservado somente aos sacerdotes.
No entanto, ficaram sem culpa diante de Deus, porque não o fizeram por motivo de sacrilégio, mas pelo consentimento do próprio Deus, que abriu uma exceção naquela situação para que continuassem vivos.  
Os próprios sacerdotes tinham que realizar muitas atividades no tabernáculo, e depois no templo, especialmente quanto à oferta dos dois cordeiros, que deveriam ser oferecidos à manhã e à tarde deste dia, e no entanto, apesar de ser aquele o trabalho deles, não poderiam cessá-lo porque afinal era o trabalho do próprio Deus, na antiga dispensação, e assim, ficavam sem culpa perante Ele.
Então, a questão de não trabalhar em dia de sábado não era para ser tomada literal e legalmente, para impedir toda e qualquer forma de atividade e trabalho, mas impedir que se deixasse de celebrar ao Senhor como Criador neste dia, e também para garantir a manutenção do culto que Lhe era devido por Israel, de maneira que não caísse no esquecimento a obrigação que tinham para com Ele.
Todavia, em vez de garantirem o objetivo de Deus com a lei do sábado, os escribas e fariseus levaram o povo a cultuar o próprio sábado, e não ao Senhor.  
Jesus, no entanto, não era apenas maior do que o dia de descanso, mas do que o próprio templo, onde eram realizados os serviços religiosos previstos para o sábado.
A pretexto de guardarem o sábado, os líderes religiosos de Israel, para manterem os ritos e cerimonial que eles próprios haviam criado, acabavam condenando pessoas inocentes, que não tinham descumprido o mandamento relativo a tal dia, mas que eram condenáveis segundo o parecer deles, baseado na interpretação incorreta que haviam feito da lei, e principalmente por causa da sua falta de misericórdia para com o próximo, porque preferiam ver alguém morrer de fome do que dar-lhe comida em dia de sábado.
Eles comprovaram esta falta de misericórdia quando condenaram os discípulos de Jesus por estarem colhendo espigas por estarem muito famintos.
Jesus como Senhor de tudo e de todos, é também o Senhor do sábado, e como dissemos antes, foi Ele, que juntamente com o Pai e o Espírito Santo, deram a Lei do sábado a Israel, através de Moisés.
Portanto, se houvesse violação da Lei por parte dos discípulos por colherem espigas e comê-las, Ele seria o primeiro a proibi-los de fazê-lo.
Como os escribas e fariseus pretendiam pegar Jesus em alguma falta para terem motivo de acusá-lo e condená-lo à morte, passaram a tentar enquadrá-lo como culpado por transgredir o sábado, porque perceberam que não teriam muita dificuldade para fazê-lo uma vez que, como dissemos antes, haviam adulterado esta lei a tal ponto, que seria impossível que não achassem oportunidade em algum momento para acusar Jesus de estar violando o mandamento relativo ao dia do descanso.
E realmente, como vemos no evangelho de João, o que precipitou a grande perseguição que culminaria com a morte de Jesus na cruz, foi o fato de ter curado um enfermo junto ao tanque de Betesda, que significa no hebraico, casa da misericórdia.
Nesta passagem dos versos 9 a 13 do evangelho de Mateus nós vemos esta intenção maligna dos judeus em apanharem Jesus com a falsa acusação de estar violando o sábado, quando curou na sinagoga deles um homem que tinha uma das mãos atrofiadas.
Segundo eles, fazer isto seria uma violação da lei, e tentaram ao Senhor perguntando-Lhe se era lícito curar nos sábados.
Eles não estavam esperando uma resposta esclarecedora, mas levarem Jesus a afirmar que era lícito, e assim terem motivo de acusá-lo, porque segundo eles não era lícito curar alguém em dia de sábado.
Nosso Senhor lhes mostrou o quanto eram cegos e hipócritas, porque lhes mostrou que caso tivessem uma só ovelha, e se ela caísse numa cova em dia de sábado, eles logo se apressariam em tirá-la do buraco.
Eles teriam misericórdia de si mesmos, para não terem prejuízo com a perda da ovelha, e não propriamente com a ovelha, mas nosso Senhor considerou o caso como sendo, em todo o caso uma ação movida por misericórdia, em relação a um animal, e por que então não se deveria demonstrar misericórdia para com um homem, que vale muito mais do que uma ovelha? A conclusão lógica então é a de que não havia nenhuma violação da lei em curar um homem no dia de sábado.

Silvio Dutra Alves
Enviado por Silvio Dutra Alves em 12/06/2014
Comentários
Site do Escritor criado por Recanto das Letras