Legado Puritano
Quando a Piedade Tinha o Poder
Textos
Evangelho 50
“22 Logo em seguida obrigou os seus discípulos a entrar no barco, e passar adiante dele para o outro lado, enquanto ele despedia as multidões.
23 Tendo-as despedido, subiu ao monte para orar à parte. Ao anoitecer, estava ali sozinho.
24 Entrementes, o barco já estava a muitos estádios da terra, açoitado pelas ondas; porque o vento era contrário.
25 À quarta vigília da noite, foi Jesus ter com eles, andando sobre o mar.
26 Os discípulos, porém, ao vê-lo andando sobre o mar, assustaram-se e disseram: É um fantasma. E gritaram de medo.
27 Jesus, porém, imediatamente lhes falou, dizendo: Tende ânimo; sou eu; não temais.
28 Respondeu-lhe Pedro: Senhor! se és tu, manda-me ir ter contigo sobre as águas.
29 Disse-lhe ele: Vem. Pedro, descendo do barco, e andando sobre as águas, foi ao encontro de Jesus.
30 Mas, sentindo o vento, teve medo; e, começando a submergir, clamou: Senhor, salva-me.
31 Imediatamente estendeu Jesus a mão, segurou-o, e disse-lhe: Homem de pouca fé, por que duvidaste?
32 E logo que subiram para o barco, o vento cessou.
33 Então os que estavam no barco adoraram-no, dizendo: Verdadeiramente tu és Filho de Deus.” (Mateus 14.22-33)

Nosso Senhor não ensinou Seus discípulos somente com palavras.
Ele lhes ensinou sobretudo a aumentarem a Sua fé nEle, através das tribulações, que permitiu que tivessem, como esta que lemos nesta narrativa, da tempestade que lhes sobreveio no mar, quando atendendo à ordem do Senhor, estavam atravessando para o outro lado do mar da Galileia, na direção da cidade de Genesaré.
As ondas batiam fortemente contra o pequeno barco dos discípulos, e o vento lhes era contrário, ou seja, soprava na direção contrária à que eles pretendiam seguir.
John Knox, o reformador suíço, quando quis se referir às perseguições que a Igreja estava sofrendo em seus dias, utilizou-se desta ilustração das tempestades espirituais que atingem o pequeno barco da Igreja, enquanto esta atua no mar da humanidade para cumprir a missão que lhe fora dada por Cristo.
São suas palavras:
“A tribulação geralmente segue aquela igreja onde Cristo Jesus verdadeiramente é pregado.
A palavra que nós professamos, clama diariamente em nossos ouvidos: que nosso reino, nossa alegria, nosso descanso e alegria nunca estiveram, estão, nem estarão na terra (Jo 18.36), nem em qualquer coisa transitória daqui, mas no céu, no qual nós temos que entrar por muitas tribulações (Atos 14.22).
No evangelho de Mt 8.23-27 é relatada uma grande tormenta, que se lançou contra o barco em que os discípulos de Cristo se encontravam lutando contra a tempestade: mas isso foi à luz do dia, e então, tinham Cristo com eles no barco a quem pediram ajuda (porque  naquele momento ele dormia no barco), e assim, foram livrados rapidamente do seu temor súbito. Mas agora estavam no meio do mar furioso, e era noite, e Cristo o seu Consolador, estava ausente, e não lhes veio, nem na primeira, segunda, nem terceira hora. Que medo, você imagina que estavam então sentindo? E que pensamentos surgiram dos seus corações tão preocupados durante aquela tempestade? Como este dia em que grande perigo entrou no reino da Inglaterra, fazendo uma tão grande tempestade, que minha caneta possa expressar. Mas de uma coisa eu estou bem seguro, que a presença de Cristo se fará presente nesta grande perplexidade, como foi confortável aos apóstolos, e sendo ainda maior do que fora dantes.
Considere, amado no Senhor, que do que lemos dos discípulos de Cristo e do pobre barco deles, e você perceberá que a mesma coisa se aplica à verdadeira igreja e congregação de Cristo (que nada mais é nesta vida miserável do que um barco pobre), viajando nos mares deste mundo instável e problemático, para o porto divino, o porto da felicidade eterna, que Cristo preparou para os Seus eleitos.
O mesmo ocorre agora, querido amado, com a Igreja aflita de Deus no reino da Inglaterra. A toda a hora a verdadeira Palavra de Deus sofre contradição e repugnância. E assim o vento tem soprado contra nós, até mesmo desde o princípio do recente espalhar do evangelho na Inglaterra. Mas a nossa viagem não pôde ser parada, apesar de ultimamente, ventos furiosos estarem soprando nos mares instáveis, nos quais nos encontramos nesta hora em meio à escuridão.    
Devo escrever claramente a vocês, irmãos amados, que este vento que sempre soprou contra a Igreja de Deus, é a malícia e ódio do diabo, que justamente, neste caso, é comparado ao vento.
Porque como o vento é invisível, e ainda os discípulos pobres sentem que aborrece e bate contra o barco deles; assim é a pestilenta inveja do diabo, enquanto sempre trabalhando nos corações dos ímpios, tão sutil e astuciosamente, que não pode ser visto pelos eleitos de Deus, mas eles sentem as primeiras explosões do vento que sopra sobre o seu barco, empurrando-o para trás.
Inglaterra, você tem experiência manifesta disso; porque, no tempo do Rei Henrique VIII, pelo vento veemente de seis artigos sangrentos (inventados pelo diabo), pretendia subverter o barco pobre e os discípulos de Cristo. Entretanto nós tivemos Jesus Cristo conosco dormindo no barco e Ele não menosprezou o clamor fiel dos que estavam  então em dificuldade; mas pelo Seu poder poderoso, bondade, graça, e força invencível da Sua santa Palavra, Ele compeliu esses ventos maus a cessarem, e a fúria desses mares a ser acalmada.
A terceira hora ainda não terminou; lembre que Cristo veio aos discípulos à quarta hora, e eles não se achavam em nenhum menor perigo do que aquele em que você se encontra agora; porque a fé deles desfaleceu, e os seus corpos estavam correndo perigo de vida. Mas Jesus veio quando não O  esperavam; e assim Ele fará com você caso permaneça na profissão de fé que você fez. Isto eu ouso ser corajoso em prometer, no nome dEle, de quem você ouviu e recebeu a verdade eterna e o evangelho glorioso; que põe também em meu coração uma sede sincera (Deus sabe que eu não minto) da sua salvação, e um pouco de cuidado também pela saúde e integridade dos seus corpos.
Há muitos exemplos na Bíblia que mostram de modo muito evidente, que quanto mais a salvação e libertação se aproximam, mais veemente é a tentação e a dificuldade.
Isto que eu escrevo para lhes prevenir, que embora vocês vejam a  tribulação abundar ainda mais, e que nada aparecerá senão miséria extrema, sem qualquer esperança de conforto; contudo você não deve apostatar de Deus. E que embora às vezes você seja movido a odiar os mensageiros de vida, e que por isso você julgará que Deus nunca mostrará misericórdia depois, queridos irmãos, como ele ajudou outros antes de você, assim ele fará o mesmo por você.
Deus fará a tribulação e a dor abundarem, que nenhum tipo de conforto será visto no homem, porque a intenção do Senhor é que quando o livramento vier, a glória possa ser somente dEle, porque é o único que pode pacificar as tempestades mais veementes.
Ergam seus ouvidos, queridos irmãos, e deixem seus corações entenderem, que como nosso Deus é imutável, assim a mão graciosa dEle não está encurtada neste dia. Nosso medo e dificuldade são grandes; a tempestade que sopra contra nós é dolorosa e veemente; e  parecemos estar submergidos no fundo. Mas se nós conhecermos o perigo, pediremos libertação, porque a mão do Senhor está mais próxima que a espada de nossos inimigos.
Embora Pedro desfalecesse na fé, e então fosse nitidamente merecedor de ser reprovado, contudo Cristo não deixou que ele afundasse no mar, nem permitiu que a tempestade continuasse. Mas primeiro, ambos entraram no barco, e depois disso, o vento cessou, e o barco chegou sem maior demora ao seu lugar de destino.    
Ó abençoados e felizes são aqueles que aguardam pacientemente este livramento do Senhor. O mar furioso não os devorará. Embora eles desfaleçam, contudo Cristo não lhes deixará para trás no mar tempestuoso, mas repentinamente estirará o Seu braço poderoso, e colocará seu discípulo no barco entre os irmãos dele; isto é, Ele administrará o número dos eleitos e Sua igreja aflita, com quem ele continuará até ao fim do mundo (Mt 28.20).
A majestade da Sua presença silenciará este vento tumultuoso, a malícia e a  inveja do diabo, que chega até os corações de príncipes, prelados, reis, e de tiranos terrestres que se levantam contra Deus e o Seu Ungido, Jesus Cristo (Sl 2), mas Ele conduzirá o Seu rebanho extremamente atacado, à vida e ao descanso pelos quais eles trabalham.  
Embora, às vezes eles desfaleçam na sua viagem, embora aquela fraqueza de fé lhes permite afundarem, contudo não poderão ser tirados da mão de Cristo, e Ele não os deixará se afogarem. Mas para a glória do Seu próprio nome, Ele tem que livrá-los, porque foram entregues pelo Pai ao Seu cuidado e proteção (Jo 10); e então Ele os manterá e defenderá do pecado, da morte, do diabo e do inferno.    
Deus tem mil meios pelos quais Ele livrará, apoiará e confortará a Sua Igreja aflita.
Então, querido amado em Jesus Cristo, considerando que nós entramos nesta viagem por ordem de Cristo, considerando que nós sentimos que o mar será contrário a nós (como antes foi profetizado a nós), e que veremos a mesma ira de tempestade contra nós, e também sentindo que estamos prontos a desfalecer, e ser oprimidos por estes mares tempestuosos; prostremo-nos diante do trono da graça, na presença de nosso Pai divino, e na tristeza de nossos corações, confessemos nossas ofensas; e por causa de Jesus, deixe-nos buscar depois a libertação e misericórdia, enquanto dizemos, com soluços e gemidos de nossos corações preocupados:
“Ó Senhor!  Tua sabes que nós somos de carne, e que não temos nenhum poder de nós mesmos para resistir à tirania deles; e então, Ó Pai, abra os olhos da Tua misericórdia sobre nós, e confirma o Teu trabalho em nós, que a Tua própria misericórdia começou. Nós reconhecemos e confessamos, Ó Deus, que somos castigados justamente, porque  consideramos o tempo de nossa visitação misericordiosa muito superficialmente. Teu bendito evangelho estava em nossos ouvidos como a canção de um amante, enquanto nos agradando durante um tempo; mas ai! Nossas vidas não fizeram nada de acordo com os teus estatutos e mandamentos santos. E assim, reconhecemos que nossas iniquidades compeliram a Tua justiça para levar a luz da Tua Palavra a todo o reino da Inglaterra. Mas Tu estás atento, Ó Deus, que é verdade que os teus inimigos blasfemam o teu santo nome, e nossa profissão, sem nenhuma causa. Teu evangelho santo é chamado de heresia, e nós somos acusados como traidores por professá-lo. Então, seja misericordioso Ó Deus! E seja a nossa salvação neste tempo da nossa angústia (Is 33). Embora nossos pecados nos acusem e nos condenem, contudo faça de acordo com o Teu próprio nome. Nossos pecados e transgressões são sem número; e ainda Tu estás no meio de nós. Ó Deus! Embora os tiranos sujeitem nossos corpos com regras, contudo nossas almas têm sede do conforto da Tua Palavra (Jer 4).            
Assim queridos amados, vigiem, orem, resistam ao diabo, remem contra esta tempestade violenta, e brevemente o Senhor trará conforto aos seus corações que agora estão oprimidos com angústia e cuidado. E com alegria vocês dirão: Vejam, este é nosso Deus, nós esperamos nEle, e Ele nos salvou. Este é nosso Deus; nós tivemos muito tempo sede pela vinda dEle, e agora devemos nos alegrar na sua salvação (Is 26). Assim seja. O grande Bispo de nossas almas, Jesus nosso Senhor, assim fortalece e ajuda seus corações preocupados com o conforto poderoso do Espírito Santo, que nenhum tirano terreno, nem tormentos mundanos têm poder para exterminar a esperança daquele reino que está preparado para os eleitos desde a fundação do mundo por nosso Pai divino, a quem seja todo o louvor e honra, agora e para sempre. Amém.  
Lembrem-se de mim, queridos irmãos, em suas orações diárias. A graça de nosso Senhor Jesus seja com todos vocês. Amém.”
Não conheço palavras melhores do que estas de John Knox para comentar esta passagem, as quais traduzimos, reduzimos e adaptamos de um longo texto que foi escrito pelo reformador suíço.
Silvio Dutra Alves
Enviado por Silvio Dutra Alves em 12/06/2014
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