Evangelho 62
“6 Mas qualquer que fizer tropeçar um destes pequeninos que crêem em mim, melhor lhe fora que se lhe pendurasse ao pescoço uma pedra de moinho, e se submergisse na profundeza do mar.
7 Ai do mundo, por causa dos tropeços! pois é inevitável que venham; mas ai do homem por quem o tropeço vier!
8 Se, pois, a tua mão ou o teu pé te fizer tropeçar, corta-o, lança-o de ti; melhor te é entrar na vida aleijado, ou coxo, do que, tendo duas mãos ou dois pés, ser lançado no fogo eterno.
9 E, se teu olho te fizer tropeçar, arranca-o, e lança-o de ti; melhor te é entrar na vida com um só olho, do que tendo dois olhos, ser lançado no inferno de fogo.”
Nosso Senhor torna a repetir nesta passagem o seu ensino constante do Sermão do Monte, ao qual já nos referimos no comentário do quinto capítulo deste evangelho de Mateus.
Aqui, ele associa aquele ensino ao fato de nos esforçarmos para não cometermos o pecado do escândalo, ou seja, sermos pedra de tropeço na vida de outros, especialmente pecarmos contra aqueles que são os menores no corpo de Cristo, ou então aqueles que estão prontos a se converter, e que não se convertem por causa do nosso mau testemunho.
O Senhor dá grande valor à menor das Suas ovelhas. À que tiver menos importância no Seu corpo, Ele dará um maior cuidado. Deveríamos ter isto em lembrança para não desprezarmos com nossos sentimentos de vanglória a qualquer que julguemos não ter grande importância no reino de Deus.
Nosso Senhor diz que seria melhor arrancar um dos membros de nosso corpo do que cometer este pecado de servir de motivo para que outros venham a se escandalizar, e a recuarem na fé, por nossa causa.
Nós vimos em nosso comentário alusivo à passagem de Mateus 5.27-30 que nosso Senhor quis ensinar ao mesmo tempo a natureza verdadeira e horrível do pecado, o perigo terrível que o pecado significa para nós, e a importância de fazer frente ao mesmo e de repudiá-lo.
Por isso Ele o expressou deliberadamente desta maneira.
Fala de membros valiosíssimos, o olho e a mão, e especifica o olho direito e a mão direita. Por que? Nós cremos que o olho e a mão, e especialmente o olho direito e a mão direitos são mais importantes que os esquerdos.
Nosso Senhor quis dizer portanto que se aquilo mais precioso que temos, for a causa de pecarmos, devemos nos livrar disso. Porque é grande o poder do pecado para nos privar da verdadeira vida, que Jesus expressou este poder de tal maneira.
A coisa que devemos ter em conta é a importância da alma e o seu destino eterno. “Melhor é que se perca um dos teus membros do que todo o teu corpo ser lançado no inferno”. Adverte-nos nosso Senhor, e o repete duas vezes para colocá-lo em relevo. A alma é tão importante que se o olho direito é causa de queda no pecado, é melhor arrancá-lo, livrar-se dele, não num sentido físico.
Há muitas coisas na vida e no mundo que, em si mesmas, são muito boas e proveitosas. Porém nosso Senhor nos diz aqui que se inclusive estas coisas nos fazem tropeçar devemos repudiá-las, ainda que sejam tão importantes como um dos membros valiosos do nosso próprio corpo.
Se minhas faculdades, tendências, sentimentos, emoções, habilidades, me conduzem ao pecado, então devo repudiá-las. Devo levar estas coisas à morte da cruz, inclusive o afeto natural pelos meus familiares (Lc 14.26), caso eles venham a se tornar causa de tropeço para a minha santificação.
Tal é a importância do destino eterno da alma que tudo o mais deve lhe estar subordinado. Tudo o mais é secundário quando ela está em jogo.
Não devemos permitir que nada se interponha entre nós e o destino eterno da nossa alma.
Temos que nos dar conta de que tudo o que temos de fazer neste mundo é nos preparar para a eternidade.
Todo tipo de imagem virtual ou real que sejam sugestivas para o pecado devem ser repudiadas.
Tudo o que se ler, tudo que se ouvir, tudo o que se ver. Devemos evitar a todo custo. Ainda que isto nos traga o sentimento de estar cortando algum órgão nobre do nosso corpo.
A carne gosta destas coisas, portanto tenhamos cuidado e privemo-nos delas, contrariando a nossa vontade.
Estas coisas são fontes de tentação, e quando lhes dedicamos o nosso tempo nós estamos fazendo provisão para os desejos da carne. Nós estamos colocando combustível na chama do pecado que opera no nosso corpo.
Mas argumentam conosco que muitas destas coisas são de autores brilhantes, que elas são educativas, que elas servem para nos manter atualizados com o mundo; mas nosso Senhor diz que devemos arrancar o olho e a mão. Ainda que me tenham na conta de ignorante por evitar estas coisas é melhor ser ignorante para o bem da minha alma, do que prejudicá-la por manter contato com estas coisas.
Isto também significa evitar as conversações néscias e as estórias que são insinuantes e sujas. Digamos que não queremos ouvi-lo, que não nos interessa.
Se não formos cuidadosos com a nossa santificação é quase certo que de um modo ou de outro escandalizaremos não somente os pequeninos na Igreja do Senhor, mas a muitos, pelo nosso comportamento carnal.
Devemos ter cuidado com quem nos reunimos. Em outras palavras, devemos ter cuidado de evitar tudo aquilo que tende a manchar ou impedir a nossa santificação. Devemos também nos abster de toda aparência de mal, isto é, de qualquer forma de pecado. Não importa que forma assuma. Tudo o que sei que me prejudica, e tudo o que me perturba, transtorna e excita, seja o que for, devo evitá-lo. Devo colocar como o apóstolo, o meu corpo em servidão ao Espírito de Deus. Devo fazer morrer a natureza terrena.
Alguém poderá dizer que isto é um escrúpulo mórbido que me deixará atormentado e triste. Bem, há pessoas que se tornam mórbidas. Mas se há morbidez é porque a pessoa está relacionando a santidade consigo mesma, porque os escrúpulos mórbidos se concentram nas pessoas. Mas a verdadeira santidade se preocupa sempre em agradar a Deus. Em glorificá-lo e honrá-lo. Se isto estiver presente nunca há o risco de se tornar mórbido, e a santificação traz o fruto da paz e da alegria do Espírito Santo, que é contrário a toda forma de morbidez.
Devemos por fim vigiar e orar para fazer frente a todas as insinuações do mal.
Para o verdadeiro cristão não há maior estímulo e incentivo na luta para fazer morrer as obras da carne do que isto. O objetivo de nosso Senhor ao vir a este mundo e suportar toda sorte de sofrimentos até a morte na cruz foi para livrar-nos do presente século mau, para redimir-nos de toda iniquidade, e para escolher um povo exclusivo Seu, zeloso de boas obras. O propósito de tudo é que fôssemos santos e sem mancha diante dEle. Se seu amor e sofrimentos significam algo para nós, nos conduziriam inevitavelmente a estar de acordo com esse amor que exige em troca toda minha vida, toda minha alma, tudo o que tenho.
Se nos falta uma melhor apreciação dos Seus sofrimentos que culminaram com a Sua morte na cruz, façamos então uma pausa na nossa leitura desta parte e leiamos os comentários relativos aos últimos capítulos deste evangelho, que tratam dos Seus sofrimentos, e somente então, voltemos a ler do ponto em que paramos, para que possamos ter uma justa apreciação e avaliação destas verdades a que estamos nos referindo.
Finalmente, estas reflexões devem nos conduzir a ver a necessidade absoluta que temos do Espírito Santo. Vocês e eu temos que fazer estas coisas. Porém, necessitamos de poder e da ajuda que somente o Espírito Santo pode nos dar. É pelo Espírito que fazemos morrer as obras da carne. Se nos entregarmos a este trabalho de mortificação do pecado, o Espírito nos dará do Seu poder.
Portanto não devemos fazer o que sabemos que é mau. Vivamos no poder do Espírito.
Desenvolvamos nossa salvação com temor e tremor.
Conhecendo a natureza terrível do pecado nós não tentaremos mortificá-los com nossas próprias forças mas com o poder do Espírito, sabendo que é Deus quem realiza em nós o querer e o efetuar.
Nota: usamos neste comentário uma adaptação de um texto de autoria de Martyn Lloyd Jones
D. M. Lloyd Jones
Enviado por Silvio Dutra Alves em 14/06/2014