Evangelho 63
“10 Vede, não desprezeis a nenhum destes pequeninos; pois eu vos digo que os seus anjos nos céus sempre vêm a face de meu Pai, que está nos céus.
11 [Porque o Filho do homem veio salvar o que se havia perdido.]
12 Que vos parece? Se alguém tiver cem ovelhas, e uma delas se extraviar, não deixará as noventa e nove nos montes para ir buscar a que se extraviou?
13 E, se acontecer achá-la, em verdade vos digo que maior prazer tem por esta do que pelas noventa e nove que não se extraviaram.
14 Assim também não é da vontade de vosso Pai que está nos céus, que venha a perecer um só destes pequeninos.”
Nosso Senhor, para ilustrar o cuidado que devemos ter com os pequeninos, contou uma parábola, a da ovelha perdida, que encontramos nesta passagem.
Para comentar esta passagem, nos valeremos de um sermão adaptado de Lutero, baseado no texto paralelo de Lc 15.1-7.
“Ora, chegavam-se a ele todos os publicanos e pecadores para o ouvir. E os fariseus e os escribas murmuravam, dizendo: Este recebe pecadores, e come com eles. Então ele lhes propôs esta parábola: Qual de vós é o homem que, possuindo cem ovelhas, e perdendo uma delas, não deixa as noventa e nove no deserto, e não vai após a perdida até que a encontre? E achando-a, põe-na sobre os ombros, cheio de júbilo; e chegando a casa, reúne os amigos e próximos e lhes diz: Alegrai-vos comigo, porque achei a minha ovelha que se havia perdido. Digo-vos que assim haverá maior alegria no céu por um pecador que se arrepende, do que por noventa e nove justos que não necessitam de arrependimento.”.
Nas tábuas da lei, os quatro primeiros mandamentos descrevem o dever do cristão para com Deus e os seis últimos o seu dever para com o seu próximo. O que isto quer indicar é que os dois grandes mandamentos são em resumo o amor a Deus e ao próximo! Amar a Deus é amar o próximo, e amar o próximo é amar a Deus. Ambos estão de tal forma relacionados que não podem ser separados.
E este amor ao próximo, num mundo sujeito ao pecado será um amor de busca de perdidos, aonde quer que eles se encontrem, e depois de achar para Deus aqueles que estavam mortos em seus pecados, carregá-los em nossos próprios ombros, assim como demonstra Jesus na parábola da ovelha perdida, de modo a conduzi-los em segurança para o aprisco de Deus.
É por isso que não devemos permitir que a nossa justa indignação pelo pecado que há no mundo, nunca venha a nos tornar inúteis para Deus e para o próximo, em razão de sermos achados cheios daquele mesmo zelo hipócrita que tornou os fariseus dos dias de Jesus inúteis para Deus.
Devemos ter muito cuidado enquanto condenamos o pecado, em não nos tornarmos pessoas amargas e distanciadas dos pecadores, porque a missão da igreja é a mesma missão de Jesus, e na verdade é Ele quem faz a Sua obra através da igreja. E devemos lembrar sempre que na presente dispensação da graça Deus tem sido longânimo para com todos os pecadores que se encontram perdidos, na expectativa de que se arrependam de seus pecados e assim sejam livrados da condenação à morte eterna, para a vida eterna que está em Jesus Cristo.
Por isso Jesus disse em Jo 12.47 que não veio, nesta dispensação da graça (enquanto ela durar), julgar o mundo como Juiz, mas salvar como Salvador. E aqui tem definido não somente a Sua missão como também a da Sua igreja. Ele virá em Sua segunda vinda como Juiz para julgar tanto vivos quanto mortos, e até lá devemos anunciar a todos o evangelho, que é boa nova de grande alegria, porque oferece salvação e não condenação a todas as pessoas. A condenação é consequência da rejeição voluntária desta grande salvação que está sendo oferecida de modo tão gracioso por Deus para todos aqueles que venham a se arrepender de seus pecados e a confiar inteiramente em Cristo como o Seu único e suficiente Salvador.
1. As palavras do Evangelho são vivas e operantes, somente se nós as compreendemos corretamente. E, para que nós possamos aprender e entender melhor este Evangelho, nós colocaremos agora diante de nós duas classes de homens, isto é, os pecadores de todo o povo e os fariseus, e façamos com que Cristo seja o juiz deles. Você tem ouvido frequentemente que é nosso dever, por causa do amor, servir o nosso próximo em todas as coisas. Se ele for pobre, nós devemos servi-lo com nossos bens; se ele estiver em desgraça, nós devemos cobri-lo com o manto de nossa honra; se ele for um pecador, nós devemos adorná-lo com a nossa retidão e devoção. Isso é o que Cristo fez por nós, que sendo rico, se esvaziou para que fôssemos enriquecidos pela Sua graça. Ele foi feito pecado em nosso lugar para que nós pudéssemos ser feitos justiça de Deus nele.
2. E de fato, um dos maiores trabalhos do amor é aquele que faz com que eu coloque a minha própria retidão a serviço do tratamento do pecado do meu próximo. Porque o amar exteriormente fazendo serviços e ajudando por meio de bens as pessoas é o amor somente em seu aspecto externo; mas ajudar e corrigir por meio da nossa retidão é algo grande e pertence ao homem interior. Isto significa que eu tenho que amar o pecador e devo desejar o seu bem, especialmente o que se refere à sua salvação eterna. Ainda que eu deva ser hostil aos seus vícios e ter que reprová-los com seriedade, contudo eu tenho que amá-lo com todo o meu coração, para cobrir os seus pecados com a minha retidão.
3. Em resumo, eu devo amar tão afetuosamente o meu próximo que eu correrei para achá-lo no deserto em que ele se encontra perdido, assim como o pastor da parábola saiu à procura da ovelha perdida no deserto. E isto é feito por uma pessoa piedosa que esta investindo toda a sua honra no pecador.
4. Agora, um trabalho assim nunca poderá ser feito por pessoas que pensam somente na própria honra e que são impelidas somente pela razão, que estão prontas a provar a sua devoção olhando de cima para baixo aqueles que são pecadores, tal como faziam os fariseus nos dias de Jesus, e como fazem aqueles que seguem os seus passos nos nossos próprios dias.
5. Os que desprezam os pecadores em vez de amá-los não podem ser misericordiosos para com eles. Eles se tornam muito orgulhosos e severos e não podem manifestar nenhum amor ou compaixão. Às vezes Deus permite que tais pessoas caiam em pecados grosseiros de modo a perceberem que todos somos farinha do mesmo saco. Mas nem assim são ajudados, pois tal como o fariseus, não conseguem enxergar os seus pecados e a sua condição de pecadores diante de Deus, e que igualmente às demais pessoas necessitam da Sua graça e misericórdia.
6. Na parábola da ovelha perdida Jesus está falando que os fariseus, em vez de julgarem os pecadores e publicanos, já que se consideravam homens santos a serviço de Deus, deveriam se inclinar, pegar tais pecadores e publicanos e carregá-los em seus ombros para que se convertessem de seus pecados. Mas como fariam isso já que os consideravam indignos de se aproximarem deles?
7. Um trabalho verdadeiramente Cristão é exatamente isto: nós devemos descer e nos levantarmos tão misturados ao lodo do pecador, tão profundamente quanto ele mergulhou lá, enquanto tomamos o pecado dele como se fosse o nosso próprio pecado, para interceder poderosamente em seu favor diante de Deus. Nós devemos reprová-lo e lidar com ele seriamente, ainda que não devemos de modo nenhum menosprezá-lo, antes devemos amá-lo sinceramente. Nós deveríamos entrar em nosso quarto e dizer em oração: “Oh Deus, em peço em favor de fulano de tal, que está caído em seus pecados. Oh Deus ajude-o a se levantar novamente.”.
8. Moisés agiu assim quando os Israelitas adoraram o bezerro de ouro. Ele intercedeu insistentemente em favor deles, confessando os pecados deles como fossem os seus próprios pecados.
9. Paulo também agiu assim. Ele desejava ser anátema por amor aos seus irmãos judeus.
10. Quando os israelitas desprezaram o profeta Samuel pedindo um rei, ele continuou orando em favor deles. (I Sm 8.20; 12.19-24).
11. Nos é ordenado que habite em nós o mesmo sentimento que havia em Cristo. (Fp 2.4-9).
12. Cristo estava cheio com toda a retidão, e poderia nos ter condenado a todos justamente, por sermos pecadores. Mas ele não fez assim. O que Ele fez então? Ele se deu para ser nosso Servo. A retidão dele serviu para os nossos pecados, o poder dele para a nossa fraqueza, a vida dele para a nossa morte. Ele foi conhecido como amigo dos pecadores.
13. Cristo é o bom pastor; porque ele anda no deserto, quer dizer, no mundo. Ele busca a ovelha perdida, quando ele vem com a Sua Palavra e a proclama a nós, primeiro referindo-se aos nossos pecados, e então mostrando depois a Sua graça e misericórdia para conosco.
14. Aprenda disto, então, que nosso próximo será buscado como uma ovelha perdida e que a vergonha dele será coberta com a nossa honra; que a nossa devoção deve ser uma cobertura para os pecados dele. Mas hoje em dia, é comum ver as pessoas se caluniando mutuamente, como se com isso desejassem demonstrar o quão são zelosas contra o pecado. Quando achamos uma pessoa ferida mortalmente pelos seus pecados é nosso dever ajudá-la a curar as suas feridas e não abri-las ainda mais com as nossa acusações. Não imitemos o exemplo dos amigos de Jó que conseguiram condená-lo de pecados que sequer havia cometido.
Se você se encontrar com uma pessoa ferida à qual foi enviado pelo Espírito de Deus, você deve lançar o seu manto sobre a sua vergonha e feridas, e deve fechar a porta da casa para não expô-la ao juízo e condenação de outros.
15. Cristo também age assim. Ele se mantém silencioso e cobre nossos pecados. Realmente, ele poderia nos expor e envergonhar, e nos colocar debaixo dos Seus pés, mas Ele não faz assim. Tudo será trazido à luz no juízo final. Então tudo que foi escondido será revelado. Então nós acharemos misericórdia para nós pela medida de misericórdia que tivemos por outros. Pois não há maior pecado diante de Deus do que homens e mulheres piedosos menosprezarem aqueles que estão mortos em seus pecados, porque receberam graça da parte do Senhor para reparti-la com outros que dela necessitam, e não para menosprezá-los.
16. Deste modo o evangelho nos ordena que devemos cobrir os pecados de outros com o nosso amor, porque o amor cobre multidão de pecados. Ainda que isso não signifique concordância ou cumplicidade com o pecado deles. E além disso, é o próprio Cristo que faz isto por meio de nós, porque nenhum homem cumpre a lei de Deus tão perfeitamente quanto Ele. Nós somos apenas uma faísca entre o fogo divino e a luz. Ele é o fogo do qual o céu e terra estão cheios.
17. Mas este Evangelho é inútil aos Fariseus, porque eles não reconhecem os seus pecados. Mas o evangelho deve ser levado àqueles que reconhecem os seus pecados, e que estão a ponto de desesperar.
18. E nesta parábola da ovelha perdida o Senhor diz que haverá maior alegria no céu por um pecador que se arrepende, do que por noventa e nove justos que não necessitam de arrependimento. E isto deve encorajar você a vir e se deixar levar nos ombros de Cristo.
19. É assim que você vem a Deus. Você já é uma ovelha colocada nos ombros dEle. Você encontrou o Pastor.. E é por sua causa que se diz que há muita alegria no céu na presença de todos os anjos.”
Martinho Lutero
Enviado por Silvio Dutra Alves em 14/06/2014