Legado Puritano
Quando a Piedade Tinha o Poder
Textos
Evangelho 65
“21 Então Pedro, aproximando-se dele, lhe perguntou: Senhor, até quantas vezes pecará meu irmão contra mim, e eu hei de perdoar? Até sete?
22 Respondeu-lhe Jesus: Não te digo que até sete; mas até setenta vezes sete.
23 Por isso o reino dos céus é comparado a um rei que quis tomar contas a seus servos;
24 e, tendo começado a tomá-las, foi-lhe apresentado um que lhe devia dez mil talentos;
25 mas não tendo ele com que pagar, ordenou seu senhor que fossem vendidos, ele, sua mulher, seus filhos, e tudo o que tinha, e que se pagasse a dívida.
26 Então aquele servo, prostrando-se, o reverenciava, dizendo: Senhor, tem paciência comigo, que tudo te pagarei.
27 O senhor daquele servo, pois, movido de compaixão, soltou-o, e perdoou-lhe a dívida.
28 Saindo, porém, aquele servo, encontrou um dos seus conservos, que lhe devia cem denários; e, segurando-o, o sufocava, dizendo: Paga o que me deves.
29 Então o seu companheiro, caindo-lhe aos pés, rogava-lhe, dizendo: Tem paciência comigo, que te pagarei.
30 Ele, porém, não quis; antes foi encerrá-lo na prisão, até que pagasse a dívida.
31 Vendo, pois, os seus conservos o que acontecera, contristaram-se grandemente, e foram revelar tudo isso ao seu senhor.
32 Então o seu senhor, chamando-o á sua presença, disse-lhe: Servo malvado, perdoei-te toda aquela dívida, porque me suplicaste;
33 não devias tu também ter compaixão do teu companheiro, assim como eu tive compaixão de ti?
34 E, indignado, o seu senhor o entregou aos verdugos, até que pagasse tudo o que lhe devia.
35 Assim vos fará meu Pai celestial, se de coração não perdoardes, cada um a seu irmão.” (Mt 18.21-35)

Ao ouvir o ensino de nosso Senhor relativo ao exercício da disciplina na Igreja, que comentamos na passagem anterior, Pedro se antecipou aos demais discípulos e perguntou a Jesus quantas vezes estaria obrigado a  perdoar um irmão faltoso, até chegar à conclusão de que deveria considerá-lo um gentio e publicano.
Ele se valeu da tradição dos escribas e fariseus quando perguntou se até sete vezes, porque eles ensinavam que este era o número máximo que uma pessoa poderia ser perdoada por alguém.
Nós podemos perceber que há um encadeamento nestes ensinos, e que uma regra conduz a outra regra, não de modo legalista, mas nos diversos aspectos que estão relacionados neste grande assunto que podemos chamar de vida cristã.
Aqui temos então, a explicação do espírito com o qual a disciplina deve ser aplicada na Igreja, a saber, com “toda a longanimidade e doutrina”, ou seja com paciência para com as faltas de outros, e seguindo o reto ensino de nosso Senhor relativo ao assunto.
Longanimidade é fruto do Espírito Santo e não obra da lei.
"19 Sabei isto, meus amados irmãos: Todo homem seja pronto para ouvir,  tardio para falar e tardio para se irar.
20 Porque a ira do homem não opera a justiça de Deus.
21 Pelo que, despojando-vos de toda sorte de imundícia e de todo vestígio do mal, recebei com mansidão a palavra em vós implantada, a qual é poderosa para salvar as vossas almas." (Tiago 1.19-21)
O Tiago, autor da epístola que leva o seu nome, era também filho de Maria, e irmão de Jesus, e certamente ele viu desde há muito o exemplo de mansidão  e de longanimidade que se encontravam em Jesus, apesar de ter sido dado a  Ele pelo Pai, toda autoridade no céu e na terra para julgar.
Ele é  o  Senhor  da ira contra o pecado, o Cordeiro que manifestará a Sua ira no tempo do  fim, conforme vemos em Apocalipse, mas que ao mesmo tempo é manso  e  humilde de coração; e totalmente longânimo (tardio em se irar).
Não podemos medir a nossa ira pela ira de Deus, porque a  ira  do  Senhor é perfeitamente justa e santa, e é Ele que tem o poder de julgar as  consciências humanas e executar uma sentença de condenação sobre elas.  A  nós,  não foi dada tal autoridade, ao contrário, somos ordenados a não passar este tipo de juízo condenatório definitivo nos outros, para que não sejamos  julgados com a mesma medida que julgamos. E quão difícil e delicado é viver isto.
Por isso devemos examinar este assunto nas Escrituras, para podermos aplicar em nossas vidas a vontade de Deus quanto à diferença que há  entre  uma ira justificada e santa, e uma ira não justificada e não santa.
Lembremos que Moisés não estava em rebelião contra Deus, mas o povo de Israel sim, e murmuraram contra Ele. Mas quando Moisés  descarregou  a  sua ira contra eles em Refidim, quem foi julgado por Deus naquela ocasião foi o próprio Moisés, e não eles. A Moisés, o ter se irado contra eles  e  batido  na rocha, custou ser proibido de entrar em Canaã, ainda que tivesse  insistido com o Senhor para entrar na terra prometida.
Moisés não foi julgado pelo Senhor porque se irou contra o pecado dos israelitas, porque  a  sua  ira  era justificada e santa, mas porque não conteve a sua ira, quando Deus não estava exercendo nenhum juízo sobre eles, e portanto cabia-lhe seguir o  exemplo do Senhor naquela situação.
Se tivesse de passar algum  juízo,  ele  deveria passar o juízo determinado por Deus, e não agir pela própria  conta.  
Há  um grande ensino para nós naquele incidente. O que faltou a Moisés foi longanimidade. Veja que problema é isto quando ela falta aos líderes da Igreja  de Cristo.
Se nós formos perder a nossa tranquilidade de mente por causa do pecado de alguns cristãos da nossa igreja ou de outras, nós nunca poderemos ter paz com Deus, porque o diabo sempre usará isto contra nós.  É preciso  pois ser sempre longânimos, porque sempre haverá o joio entre nós.
É preciso pois aprender do mesmo exemplo de longanimidade de  Cristo  e  dos apóstolos, especialmente os líderes do povo de Deus, para que não venhamos a destruir a obra que Ele nos tem designado para dirigir, por causa de um destempero que não nos permita sermos longânimos para com todos, conforme é necessário, para que em meio a todas as dificuldades que venhamos a encontrar no caminho no nosso relacionamento com as pessoas que Deus tem colocado debaixo do nosso cuidado, especialmente para que aquelas dificuldades criadas por Satanás, não venham a pôr a obra do Senhor a perder,  por  falta  da nossa longanimidade.
Por isso se ordena que a exortação pastoral seja feita segundo  a  doutrina, mas também com longanimidade: "prega a palavra, insta a tempo e fora de tempo, admoesta, repreende,  exorta, com toda longanimidade e doutrina." (II Tim 4.2).
Para tanto o apóstolo Paulo destaca o seu próprio exemplo  de  longanimidade para ser seguido pelos líderes:
"Tu, porém, tens observado a minha  doutrina, procedimento,  intenção,  fé, longanimidade, amor, perseverança," (II Tim 3.10).
E não somente aos líderes, como também a todos os cristãos, ele afirma a  necessidade de serem longânimos para com todos:
"com toda a humildade e mansidão, com longanimidade, suportando-vos uns  aos outros em amor," (Ef 4.2).
"corroborados com toda a fortaleza, segundo o poder da sua glória, para toda a perseverança e longanimidade com gozo;" (Col 1.11).
A longanimidade é portanto uma atitude pessoal de não se irar com facilidade e rapidamente em relação aos outros.
Portanto, ao tratarmos de assuntos como a ira de Deus, que  é  um  dos Seus atributos, sobre assuntos relativos ao Seu juízo, e ao inferno, não  devemos esquecer que Deus é longânimo, e que por isso, muitas vezes retarda o Seu juízo, dá oportunidades imensas aos Seus inimigos para se arrependerem, suporta com muita longanimidade as iniquidades dos vasos de ira, e não se permite ter qualquer perturbação de mente por causa das transgressões deles.  
E é particularmente neste aspecto que Jesus nos chama a imitar o  Seu próprio exemplo de mansidão e humildade, que são a base da sua completa longanimidade.
De outra forma, por exemplo, como o próprio apóstolo Paulo poderia  ter sido salvo, a não ser pela completa longanimidade de Jesus, da qual ele  dá testemunho em I Tim 1.16, porque afinal foi perseguidor da Igreja  antes da sua conversão?
Ele afirma ser o principal dos pecadores por causa desta perseguição da Igreja, ao qual Jesus demonstrou que é de fato totalmente longânimo, porque de outra forma não lhe teria perdoado e teria executado o Seu juízo sobre ele desde há muito.
Mas como é paciente na expectativa de que o pecador se arrependa e se converta, ele pôde ser  salvo,  assim  como  todos aqueles que têm sido alvo da longanimidade de Deus, porque não foi longânimo somente para com ele, Paulo, mas é para com todos os pecadores.
Longanimidade é a capacidade de suportar ofensas e danos  sem  precipitar-se numa ira condenatória sobre quem nos ofendeu ou  prejudicou.  
É pois muito mais do que a capacidade de ser paciente em circunstâncias gerais  adversas, pois está implícito o retardamento da ira e do juízo  com  vistas  a não se ressentir contra as faltas sofridas da parte  de  outros, e da  não aplicação de um castigo imediato sobre eles, se isto se encontra  na  esfera do nosso poder e autoridade.
E não há um limite para este espírito de longanimidade, revelando-se no poder prático de se perdoar ofensas de coração, assim como Jesus  ensinou aos seus discípulos, quando à vista destes ensinos Pedro lhe perguntou se  deveria perdoar o irmão que pecasse contra ele apenas até sete vezes, e o Senhor lhe afirmou e ensinou com uma metáfora e uma parábola, que  a  longanimidade em suportar ofensas e a atitude e o ato de perdoá-las deve seguir  o  padrão do próprio Deus, que é completamente longânimo e perdoador, não tendo fixado em seu caráter qualquer limite para ser longânimo  e  perdoador  em  relação àqueles que verdadeiramente se arrependem, pois será longânimo para com eles e os perdoará toda vez que se arrependerem de seus pecados e ofensas.
Com a metáfora Jesus disse que Deus não perdoa até sete vezes, mas  até  setenta vezes sete, e devemos ser imitadores de Deus especialmente em  relação a isto (18.21,22).
E com a chamada parábola do credor incompassivo Jesus ensinou que Ele perdoa dívidas, ainda que sejam de dez mil talentos, e que não  seremos abençoados por Deus, e na verdade seremos sujeitados ao juízo de sermos corrigidos  e disciplinados até que nos disponhamos a ser longânimos e perdoadores,  ainda que a dívida que tenhamos que perdoar de alguém seja pequena como a do homem da parábola, que mandou prender quem lhe devia apenas cem  denários  (18.23-35). Veja que não se fala de perdão barato na Bíblia, apesar de ser  sempre pela graça, porque sempre está implícita a necessidade de arrependimento  do ofensor. Na falta deste arrependimento não há qualquer  sentido no  perdão.
Pode parecer um paradoxo, mas o nome de Deus é glorificado, exaltado e  honrado pela exibição da Sua completa longanimidade e misericórdia a pobres pecadores, num mundo sujeito ao pecado. Lembremos que a dívida que o homem da parábola se recusou a perdoar era de apenas cem denários, quando ele próprio teve uma dívida de sessenta milhões de denários perdoada  por Deus. E este homem que foi perdoado de tal maneira representa todos  aqueles que foram salvos pelo perdão de Jesus, isto é, todos  os  cristãos verdadeiros.
A maior glória do Senhor está exatamente no fato de perdoar  pecados  e  ser longânimo para com os pecadores, porque isto Lhe traz muita  gratidão,  louvor, adoração e amor.
Daí ter dito a Moisés o seguinte quando este lhe pediu que lhe  mostrasse  a Sua glória:
"Tendo o Senhor passado perante Moisés, proclamou: Jeová, Jeová, Deus  misericordioso e compassivo, tardio em irar-se (longânimo em outras versões)  e grande em beneficência e verdade;" (Êx 34.6).
Cremos que do fruto do Espírito que mais necessitaremos nestes últimos  dias é exatamente a longanimidade, porque sem isto não será  possível prosseguir adiante porque o Inimigo nos deterá instilando mágoa, ira e  toda  sorte  de sentimentos rancorosos em face do pecado, que se multiplicará cada vez  mais ao nosso redor, porque Jesus afirmou que neste tempo a iniquidade se  multiplicaria esfriando o amor de muitos.
Finalmente, lembramos que nem mesmo o nosso zelo pela  obra  do  Senhor  pode justificar a falta de longanimidade.
É especialmente aqui que ela  deve  ser manifestada porque senão o nosso zelo será a causa mesma  da  destruição  da obra que Deus determinou fazer por nosso intermédio.
Toda pregação deve ser densa e nunca fazer concessões em favor do  pecado  e contra a verdade. Mas não podemos esquecer que a longanimidade faz parte  da verdade que estamos incumbidos de pregar e viver.
Ser longânimo não significa portanto, ser tolerante com os pecados  de  nossa congregação. Em se fazer vista grossa para o pecado, nem muito menos de justificar o pecador, mas lembrar que não nos é dado fechar a porta da oportunidade para o arrependimento, seja pelo tempo que for necessário, e seja para quem for, enquanto não tivermos recebido da parte do Senhor nenhuma determinação para fechá-la.
Quando Paulo entregou o jovem incestuoso de Corinto nas mãos de Satanás para a destruição da carne, ele tomou tal deliberação congregado em espírito com a Igreja de Corinto e no poder de Jesus Cristo (I Cor 5.3,4) e não simplesmente porque ele havia ficado escandalizado ou então por ter perdido a paciência.
Lembremos que, especialmente muitos jovens na Igreja,  levarão  muito  tempo até que tenham uma experiência real de conversão ao Senhor.  
Se  não formos longânimos com eles, nós os privaremos e a nós mesmos de vermos Cristo  formado neles.
Pela Sua longanimidade o Senhor tem dado tempo a eles para que se  convertam e a nós cabe seguir o mesmo exemplo de longanimidade do Senhor deles e nosso, de forma a cooperarmos com o Seu trabalho.
Silvio Dutra Alves
Enviado por Silvio Dutra Alves em 14/06/2014
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