Legado Puritano
Quando a Piedade Tinha o Poder
Textos
Evangelho 68
“16 E eis que se aproximou dele um jovem, e lhe disse: Mestre, que bem farei para conseguir a vida eterna?
17 Respondeu-lhe ele: Por que me perguntas sobre o que é bom? Um só é bom; mas se é que queres entrar na vida, guarda os mandamentos.
18 Perguntou-lhe ele: Quais? Respondeu Jesus: Não matarás; não adulterarás; não furtarás; não dirás falso testemunho;
19 honra a teu pai e a tua mãe; e amarás o teu próximo como a ti mesmo.
20 Disse-lhe o jovem: Tudo isso tenho guardado; que me falta ainda?
21 Disse-lhe Jesus: Se queres ser perfeito, vai, vende tudo o que tens e dá-o aos pobres, e terás um tesouro no céu; e vem, segue-me.
22 Mas o jovem, ouvindo essa palavra, retirou-se triste; porque possuía muitos bens.” (Mt 19.16-22)

Somente a atitude de seguir o pendor do Espírito Santo nos fará respeitar todos os mandamentos de Deus, apesar de alguns deles serem mais contrários às nossas inclinações naturais, e outros serem contrários aos nossos interesses seculares, e outros que possam até mesmo colocar em risco a nossa própria segurança e conforto, este princípio piedoso em nossos corações nos inclinará igualmente e nos disporá a amar e a cumprir todos estes mandamentos, independentemente do quanto eles possam contrariar aos nossos próprios interesses pessoais.
Jesus provou ao jovem rico que ele não guardava os mandamentos de Deus com este princípio requerido de santidade, quando expôs a falta de disposição dele em contrariar seus interesses egoístas, e isto comprovava que de fato não havia nele uma verdadeira obediência em amor e em disposição voluntária em obediência à Sua vontade, pela falta deste princípio espiritual, que ele certamente teria recebido caso se dispusesse a seguir a Jesus, submetendo-se ao que Ele lhe havia ordenado.
Tudo o que aquele jovem fazia em relação a cumprir a lei de Deus não provinha de um princípio interno de santidade, e assim não havia nele uma verdadeira obediência a Deus, como ele supunha ter. E na verdade não poderia ter espírito de santidade porque este é criado na regeneração, e assim, para aquele jovem guardar os mandamentos de Deus, seria necessário, antes, que ele nascesse de novo do Espírito, porque como temos visto, sem regeneração não pode haver santificação.
Quantos empenhos, esforços e atos do jovem rico no sentido de cumprir os mandamentos da lei de Moisés foram desperdiçados quanto ao fim apropriado deles, porque não foi acompanhado pelo necessário princípio de santidade? E sem regeneração ele não poderia ter este princípio operando nele de modo algum, porque primeiro o Espírito regenera e depois santifica. Quanta justiça própria não deveria estar envolvida na suposta obediência do jovem rico aos mandamentos de Deus, e esta justiça própria é uma afronta à Soberania e à Majestade de Deus, porque por ela se comprova o desejo de se viver independentemente dEle, e de não se estar de fato debaixo do Seu governo e vontade, pelo Espírito.
Os verdadeiros cristãos devem estar bem instruídos e prevenidos contra este grande erro de se estar envolvido com muitos esforços com o fim de agradar a Deus, e que na verdade estejam debaixo da direção da carne e do seu pendor, e não do Espírito Santo.
Os atos produzidos debaixo do Espírito dão para vida e paz (Rom 8.6). Mas os que são produzidos debaixo da carne produzem morte das graças que estão destinadas a viver e a crescer e não a morrer (Rom 8.13b).
Muitas dores são produzidas e não poucos arranhões na comunhão da igreja, quando a maioria dos cristãos se deixam governar por este pendor da carne em muitas realizações que no final servirão apenas para eles se compararem com outros cristãos e se sentirem, ainda que enganosamente, melhores do que eles. A carne quer reconhecimento e louvor, mas o espírito dá glória e graças a Deus por tudo.
E quão fácil é errar continuamente o alvo, porque estamos inclinados naturalmente para a carne e não para o Espírito. A falta de empenho em submissão ao Espírito dá natural e consequentemente o governo à carne. Então a melhor atitude é a de Maria e não a de Marta, a saber, estar antes aos pés de Jesus recebendo dEle graça, instrução e poder, e somente então partir para as ações que devemos empreender, caso estas sejam necessárias.
Então, sem esta vida do Espírito, é impossível confirmar as exigências santas e justas da Lei. E sem a justificação que é obtida somente em Cristo, é também impossível estar morto aos olhos de Deus para a condenação da Lei, que exige a condenação eterna de todo aquele que transgredir a um só dos seus preceitos, de maneira que é pela graça do Senhor que alcançamos a vida eterna, e que somos habilitados a atingir a perfeição em glória que nos está prometida no por vir.
Aqueles que não estão seguindo ao Senhor jamais poderão alcançar a vida eterna por seus próprios esforços, porque o pressuposto para esta vida é que se esteja no caminho da perfeição que é Cristo, e com o qual somos aperfeiçoados, até atingir aquela perfeição que nos está prometida, e pela qual todos os que seguem a Cristo podem ter a certeza de que a alcançarão.  
O jovem rico estava equivocado, tanto quanto os escribas e fariseus, que julgavam que o cumprimento da Lei consistia simplesmente em exterioridades e em se cumprir umas poucas coisas. Eles se esqueciam de dar a devida importância ao espírito da Lei, conforme vimos em nosso comentário do Sermão do Monte (Mt 5 a 7). Eles julgavam que o homicídio era apenas o ato consumado de matar alguém, e de igual modo consideravam que o adultério era meramente o ato consumado propriamente dito, e assim, tinham uma noção incorreta do verdadeiro significado e aplicação dos dez mandamentos.        
Somente a justiça de Cristo atribuída e implantada em nós pode nos conduzir a fazer uma apreciação e avaliação corretas dos mandamentos de Deus, coisa que certamente faltava ao jovem rico, porque não possuía tal justiça, que só pode ser recebida pela nossa fé em Cristo e união com Ele.
Assim, nosso Senhor respondeu ao jovem rico, ao nível da limitada compreensão dele da verdade relativa aos mandamentos, e portanto, não concordou que guardasse todos os demais mandamentos, quando lhe convenceu que não cumpria o mandamento relativo à cobiça.
O jovem disse que guardava todos os mandamentos da Lei que Jesus lhe citou, no entanto, nosso Senhor não somente omitiu o mandamento que diz “não cobiçarás”, como também não concordou expressamente com ele, quanto a que guardasse de fato todos os demais mandamentos que Ele havia citado.
Além disso, não lhe apontou diretamente este mandamento para responder ao jovem a pergunta que Lhe fizera quanto ao que ainda lhe faltava, mas lhe deu uma ordem em que seria provado de forma direta quanto ao cumprimento do citado mandamento, e também provou a Sua obediência a Ele, dizendo que deveria segui-lO.
Ele queria a coroa sem a cruz. O céu sem renúncias. Queria a vida eterna sem Cristo, que é esta vida.
Os textos paralelos de Marcos e Lucas, omitem a pergunta que o jovem fez a nosso Senhor quanto ao que lhe faltava. E registram diretamente a resposta que Jesus lhe deu dizendo que lhe faltava ainda uma coisa.
Também deve ser destacado que estes textos paralelos de Marcos e Lucas, registram que no início do diálogo do jovem rico com nosso Senhor, ele o chamou de “Bom Mestre”, motivo pelo qual Jesus lhe deu a resposta em forma de pergunta, porque Lhe chamava de bom, uma vez que bom é um só. Ele disse isto porque o jovem não o viu como Deus, mas como homem, e não há nenhum homem que seja bom, ainda que nosso Senhor o fosse perfeitamente. Ele respondeu ao jovem, desde o começo, que ele fazia uma avaliação incorreta da verdade relativa à condição de todo e qualquer homem, porque somente Deus é perfeitamente bom. Esta avaliação incorreta aplicava-se ao seu próprio caso, porque aquele jovem julgava-se também bom a seus próprios olhos, uma vez que considerava que guardava toda a Lei de Deus, e por conseguinte tinha como líquida e certa a sua entrada na vida eterna. Então na verdade não havia feito uma pergunta a nosso Senhor para obter uma resposta para sua ignorância, mas estava buscando uma confirmação daquilo que julgava já possuir.      

Silvio Dutra Alves
Enviado por Silvio Dutra Alves em 14/06/2014
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