Legado Puritano
Quando a Piedade Tinha o Poder
Textos
Evangelho 81
“1 Então falou Jesus às multidões e aos seus discípulos, dizendo:
2 Na cadeira de Moisés se assentam os escribas e fariseus.
3 Portanto, tudo o que vos disserem, isso fazei e observai; mas não façais conforme as suas obras; porque dizem e não praticam.
4 Pois atam fardos pesados e difíceis de suportar, e os põem aos ombros dos homens; mas eles mesmos nem com o dedo querem movê-los.
5 Todas as suas obras eles fazem a fim de serem vistos pelos homens; pois alargam os seus filactérios, e aumentam as franjas dos seus mantos;
6 gostam do primeiro lugar nos banquetes, das primeiras cadeiras nas sinagogas,
7 das saudações nas praças, e de serem chamados pelos homens: Rabi.
8 Vós, porém, não queirais ser chamados Rabi; porque um só é o vosso Mestre, e todos vós sois irmãos.
9 E a ninguém sobre a terra chameis vosso pai; porque um só é o vosso Pai, aquele que está nos céus.
10 Nem queirais ser chamados guias; porque um só é o vosso Guia, que é o Cristo.
11 Mas o maior dentre vós há de ser vosso servo.
12 Qualquer, pois, que a si mesmo se exaltar, será humilhado; e qualquer que a si mesmo se humilhar, será exaltado.
13 Mas ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas! porque fechais aos homens o reino dos céus; pois nem vós entrais, nem aos que entrariam permitis entrar.
14 (Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas! porque devorais as casas das viúvas e sob pretexto fazeis longas orações; por isso recebereis maior condenação.)
15 Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas! porque percorreis o mar e a terra para fazer um prosélito; e, depois de o terdes feito, o tornais duas vezes mais filho do inferno do que vós.
16 Ai de vós, guias cegos! que dizeis: Quem jurar pelo ouro do santuário, esse fica obrigado ao que jurou.
17 Insensatos e cegos! Pois qual é o maior; o ouro, ou o santuário que santifica o ouro?
18 E: Quem jurar pelo altar, isso nada é; mas quem jurar pela oferta que está sobre o altar, esse fica obrigado ao que jurou.
19 Cegos! Pois qual é maior: a oferta, ou o altar que santifica a oferta?
20 Portanto, quem jurar pelo altar jura por ele e por tudo quanto sobre ele está;
21 e quem jurar pelo santuário jura por ele e por aquele que nele habita;
22 e quem jurar pelo céu jura pelo trono de Deus e por aquele que nele está assentado.
23 Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas! porque dais o dízimo da hortelã, do endro e do cominho, e tendes omitido o que há de mais importante na lei, a saber, a justiça, a misericórdia e a fé; estas coisas, porém, devíeis fazer, sem omitir aquelas.
24 Guias cegos! que coais um mosquito, e engulis um camelo.
25 Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas! porque limpais o exterior do copo e do prato, mas por dentro estão cheios de rapina e de intemperança.
26 Fariseu cego! limpa primeiro o interior do copo, para que também o exterior se torne limpo.
27 Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas! porque sois semelhantes aos sepulcros caiados, que por fora realmente parecem formosos, mas por dentro estão cheios de ossos e de toda imundícia.
28 Assim também vós exteriormente pareceis justos aos homens, mas por dentro estais cheios de hipocrisia e de iniquidade.
29 Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas! porque edificais os sepulcros dos profetas e adornais os monumentos dos justos,
30 e dizeis: Se tivéssemos vivido nos dias de nossos pais, não teríamos sido cúmplices no derramar o sangue dos profetas.
31 Assim, vós testemunhais contra vós mesmos que sois filhos daqueles que mataram os profetas.
32 Enchei vós, pois, a medida de vossos pais.
33 Serpentes, raça de víboras! como escapareis da condenação do inferno?
34 Portanto, eis que eu vos envio profetas, sábios e escribas: e a uns deles matareis e crucificareis; e a outros os perseguireis de cidade em cidade;
35 para que sobre vós caia todo o sangue justo, que foi derramado sobre a terra, desde o sangue de Abel, o justo, até o sangue de Zacarias, filho de Baraquias, que mataste entre o santuário e o altar.
36 Em verdade vos digo que todas essas coisas hão de vir sobre esta geração.” (Mateus 23.1-36)

Os fariseus e escribas haviam sido silenciados por nosso Senhor porque não ousavam mais lhe fazer qualquer pergunta, e com isto o ódio deles pelo Senhor só fez aumentar ainda mais.
Eles estavam atacando a Jesus, mas agora, como nós O vimos na passagem anterior, é Ele quem parte para o ataque contra os escribas e fariseus com o intuito de desmascará-los definitivamente, diante dos discípulos e do povo de Israel, quanto à hipocrisia deles, e à sua falsa doutrina, para que se guardassem deles, porque não somente não entravam eles próprios no reino dos céus, como também impediam a qualquer que quisesse entrar, porque tinham a reputação de terem as chaves do reino dos céus, recebida por direito legal da parte de Deus, conforme prescrito na Lei de Moisés.
A Lei constituiu sacerdotes, mas não com este direito vitalício de promoverem a entrada de pessoas no reino dos céus. Este poder nunca lhes foi dado pelas Escrituras, até mesmo porque eram ministros de uma aliança passageira, da qual estava profetizado que deveria ser substituída por uma nova aliança eterna.
Nas Escrituras também está o registro de que haveria mudança de sacerdócio nesta nova aliança, da ordem levítica, para a de Melquisedeque, da qual nosso Senhor é o Sumo Sacerdote.
Ora, então nunca foi do propósito de Deus, colocar nas mãos dos sacerdotes da antiga aliança, que vigorou no período do Velho Testamento, as chaves do reino dos céus.
Desta forma, não se pode afirmar que eles se corromperam na função que lhes havia sido dada, porque nunca tiveram tal função, senão oficiar os serviços no tabernáculo, e depois no templo.
A entrada no céu nunca foi pela observância destes serviços, mas pela graça mediante a fé. O único meio usado por Deus para salvar, tanto no Antigo, quanto no Novo Testamento.
Enoque, Noé, Abraão, Moisés, Raabe, Rute, Josué, Calebe, Davi, e tantos outros no Velho Testamento foram justificados somente por causa da fé, conforme testemunho das Escrituras e especialmente de Hebreus 11.
Os sacerdotes e fariseus haviam se corrompido na função deles de ensinarem a genuína Lei da Palavra de Deus a Israel, e também eram um impedimento à salvação tanto deles quanto dos demais, enquanto mantinham a sua doutrina.
Então nosso Senhor se pôs a derrubar este muro de impedimento, para que tanto eles quanto os demais judeus, bem como os gentios, pudessem ser salvos, por não terem uma ideia errônea quanto à vontade de Deus, pelo ensino destes legalistas hipócritas.
Por exemplo, eles ensinavam que era necessário guardar toda a lei de Moisés, para que alguém pudesse ser salvo, inclusive a lei relativa à circuncisão do prepúcio. Se alguém cresse nisso, jamais poderia ser salvo, porque não somente é impossível guardar toda a Lei perfeitamente, como também muitos gentios não estariam dispostos a se deixarem circuncidar, para que fossem salvos, conforme exigido pelos fariseus (At 15.5).
Os fariseus e escribas erravam portanto, no que é essencial, que é aquilo que é relativo à nossa salvação, mas, como eram eles que eram os intérpretes da Lei de Moisés para o povo de Israel, e aqueles que estavam encarregados do seu ensino, então, nosso Senhor, Justo que é, não atacou aquilo que fosse reto no ensino deles, e que estivesse em plena conformidade com o espírito da Lei, que havia sido dada por Ele, pelo Pai e pelo Espírito a Israel, através da mediação de Moisés.
Por isso disse às multidões e aos Seus discípulos que os escribas e fariseus estavam assentados na cadeira de Moisés, e que portanto, tudo quanto dissessem segundo a Lei de Moisés, eles deveriam observar e cumprir. No entanto, não deveriam seguir o exemplo deles, porque não praticavam o que eles pregavam.          
Sendo legalistas, que não conheciam o espírito da Lei e a graça de Deus, amarravam fardos pesados e difíceis de suportar nos ombros dos seus ouvintes, como por exemplo a obrigação de jejuarem duas vezes por semana, e muitas outras tradições que eles haviam acrescentado à Lei, como a ordenança de se lavar cerimonialmente as mãos antes de qualquer refeição, e no entanto, eles próprios não cumpriam à risca tudo o que ordenavam.
Este é basicamente o espírito do farisaísmo: exigir dos outros aquilo que nós mesmos não fazemos.
Além disso, faz parte do mesmo espírito, a busca de aplauso, de aprovação dos homens. De se fazer a exibição de uma pretensa espiritualidade e santidade, baseada em ações externas para serem vistas pelas pessoas.
Isto pode ser visto na forma distinta de se trajar e de ocupar os lugares de honra nas reuniões públicas, quer civis ou religiosas.
Tudo isto culmina na cobiça de ser reconhecido como mestre e guia de outros, e de se receber tal reconhecimento publicamente para a satisfação do ego inchado de orgulho.
Todavia, diante de Deus todos os verdadeiros cristãos, aqueles que fazem parte do Seu reino, são irmãos, sejam líderes ou não, e ninguém deve ter a presunção na Igreja de ser conhecido como guia (guru) de outras vidas, valendo-se do sofisma de que sejam dependentes deles para poderem fazer a vontade de Deus.
Ninguém deve se colocar em tal posição porque somente Cristo é o Mestre por excelência que pode instruir verdadeiramente os nossos espíritos.
Somente Ele possui mérito e está habilitado a conduzir qualquer alma que seja pelo caminho da salvação, porque ninguém além dEle é o caminho, e a verdade e a vida.
Todos os mestres da Igreja são apenas meros instrumentos em Suas mãos.        
Os fariseus e escribas gostavam de serem reconhecidos como mestres e guias, e também como pais espirituais da nação de Israel, sob o falso argumento de que eram suficientes para garantir a entrada no reino dos céus, a todos que confiassem neles com a honra que é devida a um pai.
Contudo, esta honra é exclusiva de Deus, porque somente Ele é nosso Pai.
E não é um pai terreno como apenas podem ser os homens, mas é um Pai celestial, então somente Ele deve receber a honra devida de Pai eterno, da parte  de todos que habitarão o céu.  
A cura do espírito farisaico ao qual todos estamos sujeitos, somente pode ser obtida pela atitude humilde de um servo, que em vez de buscar ser conhecido como grande pela superação e domínio de seus irmãos, busca servi-los a todos, de coração.
De maneira que se cumpre neles a lei do reino de que estes que assim se humilham serão achados em exaltação diante de Deus, porque Ele os exaltará, mas todo aquele que se exaltar a si mesmo, como faziam os escribas e fariseus, seriam humilhados por Deus, tal como estavam sendo aqueles dos dias de Jesus, com estas Suas palavras.  
Nosso Senhor condena nesta passagem algumas das práticas pervertidas dos escribas e fariseus, que vimos comentando ao longo de todo o evangelho de Mateus, e Ele deu a sentença terrível contra eles de que não poderiam de modo algum, escapar da condenação no inferno de fogo, caso não se arrependessem daquilo que eram e faziam:
“Serpentes, raça de víboras! como escapareis da condenação do inferno?”
Esta não era uma sentença final pelo simples fato de serem escribas e fariseus, porque, como vimos antes, muitos deles viriam a abraçar a fé em nosso Senhor.
Então era uma sentença definitiva sim, para todos aqueles que dentre eles, não se arrependessem. Estes não poderiam de fato escapar do inferno, o que era algo muito diferente do que todos eles pensavam, a saber, que eram cidadãos do reino dos céus, porque conheciam a Lei, diferentemente do restante do povo de Israel a quem chamavam de plebe maldita que não conhecia a Lei.
Ninguém pode ser salvo da condenação eterna pelo simples conhecimento da Lei, antes pelo conhecimento da Lei, vem o conhecimento do pecado, por cuja causa somos condenados.
“porquanto pelas obras da lei nenhum homem será justificado diante dele; pois o que vem pela lei é o pleno conhecimento do pecado.” (Rom 3.20)    
“sabendo, contudo, que o homem não é justificado por obras da lei, mas sim, pela fé em Cristo Jesus, temos também crido em Cristo Jesus para sermos justificados pela fé em Cristo, e não por obras da lei; pois por obras da lei nenhuma carne será justificada.” (Gál 2.16)
Como os fariseus poderiam topar com a justiça que é pela graça, e não pela Lei, enquanto se gloriassem na falsa santidade deles, baseada em aparência externa, e não em retidão de coração?
Somente em Cristo eles poderiam encontrar esta retidão de coração, que é a substância de uma verdadeira santidade, mas como poderiam ter esta justiça celestial e eterna, resistindo a Ele e ao Seu ensino?
Como poderiam topar com o reino de Deus que é invisível, tal como o próprio Deus, que é espírito, confiando apenas nos preceitos exteriores da Lei, como por exemplo o ato de dizimar, e omitindo no ensino deles e vida, o que há de mais importante na lei, que é a justiça de Deus, a misericórdia e a fé?
Sem fé ninguém pode agradar a Deus. Ninguém pode ser salvo, porque a salvação é somente por fé.
Sem misericórdia não se pode alcançar misericórdia e em consequência o reino dos céus. Porque é pela misericórdia que somos salvos, em razão de sermos pecadores.
E como poderiam os escribas e fariseus serem salvos, enquanto continuassem se achando justos a seus próprios olhos diante de Deus?
Eles pensavam que não necessitavam da misericórdia de Deus.
Eles consideravam que somente eles eram salvos por serem religiosos, e que todos os demais homens estavam perdidos, a menos que se tornassem um deles.
Nosso Senhor, demonstrou quão errados estavam em relação a isto.
Eles deveriam continuar dizimando conforme era determinado pela Lei de Moisés, mas não deveriam confiar que seria por meio disto que viriam a obter a salvação.
Eles estavam portanto engolindo um camelo, enquanto coavam um mosquito.
O que faziam era como coar um mosquito, ao que eles eram dados na prática, para evitar serem contaminados cerimonialmente, quando se embriagavam bebendo vinho, para não correrem o risco de sorverem um mosquito juntamente com a bebida. Contudo, a par da preocupação deles de cumprirem a Lei cerimonial, engoliam camelos nos grosseiros pecados que praticavam, especialmente o de rejeitarem a fé, a justiça e a misericórdia.
Eles eram na verdade como sepulcros: belos por fora mas cheios de podridão por dentro, porque se encontravam mortos em seus pecados, enquanto passavam uma falsa aparência de estarem vivos e limpos para o povo de Israel.
Nosso Senhor expôs abertamente que apesar de parecerem justos exteriormente aos homens, na verdade estavam cheios de hipocrisia e de iniquidade em seus corações (v. 28).  
Este era o motivo de rejeitarem os profetas, porque eles protestavam contra o pecado. Eles não queriam que fosse manifestado publicamente aquilo que eles eram realmente. Então sempre procurariam matar aqueles que fossem enviados por nosso Senhor, depois da Sua morte e ressurreição, a pretexto de estarem guardando a Lei e a religião de Israel, a qual eles haviam deturpado grandemente.
O real motivo seria o de expulsarem a luz para longe, para que não fossem reveladas as suas más obras. Por isso os perseguiriam, e a alguns matariam, para com isso apagar a luz divina que revelaria a real condição deles. Nosso Senhor profetizou que tudo isto sucederia àquela geração, e de fato foi o que ocorreu, conforme vemos nas páginas do Novo Testamento, especialmente no livro de Atos, nas perseguições que os judeus, e especialmente os sacerdotes, escribas e fariseus empreenderam contra a Igreja de Cristo.  Esta foi a razão de terem martirizado Estevão logo no início da Igreja.
Cerca de 40 anos depois da morte de nosso Senhor, os judeus seriam expulsos de sua terra pelos romanos, e o templo seria destruído por eles, o que abrandaria em muito as perseguições que eram empreendidas pelos judeus, porque isto foi um duro golpe no orgulho nacional e religioso deles, que lhes viera na forma de um juízo de Deus, por causa da rejeição de Cristo e de todas as perseguições que estavam realizando contra a Sua Igreja.

Silvio Dutra Alves
Enviado por Silvio Dutra Alves em 19/06/2014
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