Davi e Golias
Gigantes podem cair pelas mãos de um menino, quando este é usado pela graça e poder de Deus.
A história narrada no 17º capítulo de I Samuel, que estaremos comentando, é uma das mais conhecidas da Bíblia, em todo o mundo.
Entretanto isto não configura uma vantagem para o reconhecimento da glória de Deus, porque quase tudo o que se sabe a respeito desta história, pela grande maioria, é que Davi, um jovem pastor de ovelhas, venceu um gigante chamado Golias, e não que foi o Deus de Israel que capacitou Davi a fazê-lo.
Mas na verdade, o que foi escrito não foi para a exclusiva honra de Davi, senão para a honra e glória do Deus de Israel.
E o próprio Davi não buscava nenhuma honra para si mesmo, senão unicamente para o Senhor.
Como vemos nos capítulos anteriores, este desejo de ser honrado existia em Saul, mas não em Davi, que declarou por diversas vezes ao longo de toda a sua vida, o quanto se achava pequeno aos seus próprios olhos, e que se humilharia cada vez mais diante da Majestade do Deus vivo.
São estas e outras grandes lições que podemos aprender com a narrativa deste capítulo, como veremos adiante, e não simplesmente que Davi venceu Golias.
Se queremos aprender o modo pelo qual devemos nos gloriar em Deus e de exaltar o Seu santo nome, basta recorrer aos Salmos de Davi, pois ali encontraremos uma viva demonstração da sua total consagração ao Senhor.
É difícil deixar para trás as muitas lições que podemos aprender com este homem sobre o modo como devemos andar na presença de Deus.
A sua profunda humildade e a nobreza do seu caráter é o que há de melhor para ser aprendido com a sua vida.
Não é o guerreiro corajoso e valente que agrada tanto ao coração de Deus, como o homem que se reconhece pecador e pequeno diante dEle e inteiramente dependente do Seu favor e graça, para ser perdoado, aceito e habilitado a fazer a Sua vontade.
Davi nos foi dado portanto, por Deus, para que aprendamos qual é a disposição de espírito que devemos ter diante dEle.
Davi nos foi dado para servir de encorajamento em nossa caminhada, por sabermos que o justo que confia inteiramente no Senhor, triunfará, por maiores que sejam as dificuldades que tenha que enfrentar.
Deus havia escolhido Davi para ser rei, e então Ele mesmo estava providenciando as condições necessárias para conduzi-lo ao poder.
Ele lhe havia tornado famoso no palácio cuidando de Saul, prevalecendo sobre o espírito imundo que o atormentava, e agora Deus o tornaria famoso no campo de batalha, à vista de todo o exército de Israel.
O Senhor é soberano e faz com que todos os homens sejam reféns da História.
Até mesmo o próprio Golias foi feito refém dela pois seria usado como o instrumento pelo qual Davi se tornaria famoso aos olhos de Israel.
Não é dado aos homens escolherem a época em que viverão, pois terão que viver no período em que forem chamados por Deus.
Desta forma, todos são feitos reféns da Sua soberania e vontade.
Aqueles que viveram antes de Cristo se manifestar em carne teriam que viver sob a obscuridade das trevas da ignorância, relativa à graça e à verdade, e sem o derramar do Espírito em todas as nações, até que Cristo viesse no tempo determinado pelo Pai, na plenitude dos tempos.
Como podem então os homens se gloriarem da sua condição terrena, tal como estava fazendo Golias, o filisteu, em razão de ter sido distinguido entre os homens, com os dotes que havia recebido por ação direta ou por permissão da Providência, chegando a ter cerca de três metros de altura?
Ele não se valeu daquele porte para servir a causa da justiça, mas, ao contrário, para afrontar o próprio Deus, que a tudo governa e dirige.
E o seu fim não poderia ser outro senão aquele que encontramos neste capítulo, pois vemos o que Deus declarou pela boca do próprio Davi no Salmo 18, qual é o modo pelo qual Ele age em relação a todos os homens:
“25 Para com o benigno te mostras benigno, e para com o homem perfeito te mostras perfeito.
26 Para com o puro te mostras puro, e para com o perverso te mostras contrário.
27 Porque tu livras o povo aflito, mas os olhos altivos tu os abates.” (Sl 18.25-27).
O que a si mesmo se exalta será abatido e humilhado, mas o que se humilha será exaltado.
Golias vem a ser então o símbolo do que Deus fará a todo altivo e arrogante.
Davi, em sua piedade e amor a Ele, é o símbolo de que aqueles que esperam no Senhor e confiam nEle são mais do que vencedores, por meio dAquele que lhes capacita para a batalha, a saber, o Senhor Jesus.
Mas, para os filisteus Golias era o campeão e a causa do seu orgulho na recuperação da reputação do domínio e do poder que tinham sobre Israel, e que haviam perdido na última batalha travada com os israelitas, e na qual foram duramente derrotados por causa da intervenção do Senhor.
Os pecadores renitentes agem sempre deste modo.
Eles não aprendem das lições de humilhação que a Providência permite que tenham na vida, para que pudessem chegar ao arrependimento.
Ao contrário, em sua grande maioria, ficam ainda mais endurecidos, por causa do pecado do orgulho, que não lhes permite admitirem que o homem nada é sem a bênção de Deus.
Eles se esforçam para se levantarem do pó da sua ruína para restaurar o seu orgulho, que fora ferido, em vez de se arrependerem, refletindo que todo o mal que lhes sobreviera, foi em razão dos justos juízos sobre os seus pecados.
Era o sentimento de orgulho nacional ferido que havia nos filisteus, que estavam tentando resgatar com as afrontas de Golias dirigidas contra os israelitas e o Deus deles, que duravam já por quarenta dias, todas as manhãs e tardes, até que Davi, revestido com a armadura da piedade e da justiça, da humildade e da fé, derrubou o gigante e o decapitou, conforme a palavra que o Senhor havia colocado na sua boca, dizendo aquilo que Ele faria não somente a Golias mas a todo o exército dos filisteus (v. 45-47).
A fé de Davi havia sido aperfeiçoada para aquela hora, pois lhe foi permitido pela capacitação do Espírito e pela grande coragem, que nele havia, e que fora aperfeiçoada pela fé em Deus, segundo as Suas operações nele, matar antes um leão e um urso, que deram contra o rebanho que ele apascentava.
Ele era o pastor que defendia as suas ovelhas do lobo, com o risco da sua própria vida, pois o bom pastor dá a vida pelas suas ovelhas.
Deus demonstraria aos olhos de todo Israel que ele estava dotado destas qualidades, quando se apresentou para matar Golias.
Não foi somente a Golias que ele enfrentou, mas toda a resistência que a própria circunstância apresentava, pois teria que se submeter ao escárnio, tanto dos filisteus, de Golias e dos próprios soldados israelitas, que devem tê-lo considerado no mínimo um louco.
Ele teve que vencer as resistências que se encontravam no argumento dos seus próprios irmãos, que na pessoa do primogênito, Eliabe, foi repreendido, pois este lhe acusou de negligência, por ter abandonado as ovelhas no deserto (o que não era verdade, pois Davi tivera o cuidado de colocá-las sob o cuidado de um outro), e por ter vindo ao campo de batalha, por simples curiosidade, e afirmou que conhecia a sua presunção e a maldade do seu coração (v. 28).
Necessitaríamos de mais evidências relativas ao motivo por que Eliabe havia sido rejeitado por Deus, para não ser ungido por Samuel como rei sobre Israel?
Mas Davi tinha vindo ao campo em obediência ao seu pai, e para o benefício de seus próprios irmãos, pois lhes enviou suprimentos pelas suas mãos.
Na verdade, não foi Jessé que enviou Davi ao campo de batalha.
Foi o Espírito Santo que o incitou a estar ali, para que se cumprisse tudo o que haveria de acontecer através dele.
Contudo, Davi não procurou se justificar perante Eliabe, usando tais argumentos em sua defesa.
Ele simplesmente não se deixou intimidar pelas palavras de seu irmão, e continuou se informando sobre a situação, e o que seria feito pelo rei ao homem que matasse o gigante, pois havia um rumor de que Saul cumularia tal pessoa de grandes riquezas, e lhe daria por mulher a sua filha, e isentaria a casa de seu pai de impostos (v. 25).
É interessante destacar que quando Davi foi repreendido por Eliabe, ele lhe disse: “Que fiz eu agora? porventura não há razão para isso?” (v. 29).
Isto denota que as acusações injustas de seu irmão mais velho contra ele eram frequentes.
Talvez por motivo de ciúme, em razão de ser o mais velho de oito irmãos, e sendo Davi o caçula, era exatamente no mais novo que se viam qualificações extraordinárias.
Davi revelou suas qualidades na firmeza que demonstrou, não se deixando intimidar pelas ameaças do irmão, e prosseguiu em sua investigação sobre o que seria feito àquele que matasse o gigante, e deixou claro ao seu irmão, que havia suficiente razão no seu interesse naquele assunto, pois a casa de seu pai seria abençoada com a isenção de impostos, ele seria genro do rei, seria enriquecido, mas a maior razão de todas para ele, que ultrapassava tudo isto, em se dispor a lutar contra o gigante, era defender a honra do Deus de Israel, a quem o gigante estava infamando.
O próprio Saul foi outro obstáculo que Davi teve que vencer, antes de enfrentar Golias, porque o rei tentou convencê-lo de que não seria possível a ele vencer o gigante, porque este era guerreiro desde a sua mocidade, e Davi era muito moço.
Contudo Davi lhe disse que o Senhor que lhe havia livrado das garras do leão e do urso seria o mesmo que lhe livraria da mão daquele filisteu (v. 37).
Ele expusera a sua própria vida colocando-a em risco para livrar os cordeiros do seu rebanho do leão e do urso, quanto mais não estaria disposto a colocá-la em risco pelo povo do Senhor e pela honra do seu Deus!
Com estas palavras convenceu a Saul de que não ele, Davi, mas Deus, agiria em favor de Israel através dele.
Esta grande verdade de que ainda que façamos tudo, é na verdade a graça de Jesus que tudo faz através de nós, é esquecida por muitos dos seus ministros.
Eles não são como Paulo que disse o seguinte em relação ao seu ministério: “Mas pela graça de Deus sou o que sou; e a sua graça para comigo não foi vã, antes trabalhei muito mais do que todos eles; todavia não eu, mas a graça de Deus que está comigo.” (I Cor 15.10).
A própria armadura de Saul, com a qual tentaram lhe vestir para enfrentar Golias, foi também um outro desafio que ele teve que vencer, porque não estava acostumado àquilo e nem sequer podia andar.
E ele foi resoluto em se desfazer da armadura, mesmo contra uma possível insatisfação que poderia causar ao rei, pois estava decidido a enfrentar o gigante, não com as armas de Saul, mas somente com as do Senhor.
Daí ele pôde demonstrar toda a sua grande fé e confiança no Deus de Israel, e isto deu ensejo às palavras que dirigiu a Golias e à firme convicção com que as falou e que evidenciavam a sua grande fé:
“45 Davi, porém, lhe respondeu: Tu vens a mim com espada, com lança e com escudo; mas eu venho a ti em nome do Senhor dos exércitos, o Deus dos exércitos de Israel, a quem tens afrontado.
46 Hoje mesmo o Senhor te entregará na minha mão; ferir-te-ei, e tirar-te-ei a cabeça; os cadáveres do arraial dos filisteus darei hoje mesmo às aves do céu e às feras da terra; para que toda a terra saiba que há Deus em Israel;
47 e para que toda esta assembleia saiba que o Senhor salva, não com espada, nem com lança; pois do Senhor é a batalha, e ele vos entregará em nossas mãos.” (v. 45-47).
Quão piedoso era Davi! Nós não observamos nenhuma ostentação pessoal em suas palavras, porque Deus era tudo para ele.
O feito da derrota do gigante é atribuído por ele a Deus, que lhe havia comissionado para aquela hora.
Seria manifestada a autoridade de Deus naquele evento, e não propriamente a dele.
Ele quer exibir o braço forte do Senhor, sendo um mero instrumento em Suas poderosas mãos.
É nesta posição que ele se colocou conforme podemos depreender das suas palavras.
Este deveria ser o desejo de todo verdadeiro servo de Deus, simplesmente ser instrumentos em Suas mãos, para que a Sua glória e poder possam ser manifestados, e com isso ser glorificado pelos homens, ao verem as obras que Ele faz através dos seus servos.
Com isto provaria que um jovem que ousava desafiar e partir resoluto para o combate contra um gigante armado até aos dentes, e protegido por todo um aparato de metal, que quase lhe tornava invulnerável aos golpes desferidos pelos seus inimigos, e que o faria sem contar com qualquer equipamento de proteção individual, ou de qualquer arma visível de ataque em suas mãos, senão apenas uma pequena funda, e o seu cajado, não deveria ser considerado de modo nenhum como um caso de extrema insensatez, mas de prova de fé, porque afirmou com grande fé a plena certeza que tinha na vitória do Senhor pois sabia que a mão do Deus de Israel era com ele, como efetivamente foi, a ponto de todo o exército filisteu ter temido muito depois que ele matou Golias, e se apressou em bater em retirada.
E as palavras de Deus na boca de Davi: “para que toda esta assembleia saiba que o Senhor salva, não com espada, nem com lança; pois do Senhor é a batalha” (v. 47), permanecem verdadeiras para sempre, porque não importa quanto os homens possam se tornar poderosos, e por maior e mais complexo que seja o arsenal de guerra que eles possam fabricar, Deus dará a posse da terra aos mansos e não aos arrogantes e orgulhosos.
Ele livrará o Seu povo da opressão e da injustiça, sem qualquer ajuda dos homens poderosos.
Por isso Davi disse a Golias que o que Deus faria através dele seria para que todos que se encontravam naquele campo de batalha aprendessem que é o Senhor mesmo quem peleja pelo Seu povo, e é a Ele que pertence a batalha, uma vez que Golias não seria abatido por nenhuma lança ou espada, mas pelo modo humilhante que Deus havia determinado que deveria ser abatido: por uma pedra lançada pela funda de um jovem, que não trazia consigo nenhuma armadura, lança ou espada.
A espada de Golias foi colocada em Nobe, numa das cidades dos sacerdotes (21.9), como um troféu da vitória de Deus sobre a violência dos homens.
A espada, que simboliza todo o tipo de arma de ataque usada na guerra, sendo colocada atrás de uma estola sacerdotal, carrega a mensagem de que um dia tudo o que é usado para ferir o próximo será sujeitado debaixo do poder do Senhor Jesus, quando Ele se levantar para julgar todos os moradores da terra e inaugurar o Seu reino de justiça e de paz.
Davi trouxe a cabeça de Golias a Jerusalém (v. 54), provavelmente inspirado por Deus, para que ela fosse um terror aos jebuseus, que ainda permaneciam habitando no meio de Israel naquela cidade, e que viria a ser tomada pelo próprio Davi, como veremos adiante.
Não se pode realmente confiar no homem no que tange à direção do rumo da nossa vida, senão unicamente no Senhor, e disto nós temos um exemplo perfeito no esquecimento de Saul em relação a Davi, pois a par de todo o bem que tinha feito a Saul, repreendendo o espírito maligno que o atormentava, a ponto de tê-lo feito o seu escudeiro, se esqueceu de quem ele era, quando se apresentou no campo de batalha, para lutar contra Golias.
Saul estava tão aterrorizado pela ameaça do gigante, e tão transtornado pelo fato de ter sido abandonado pelo Espírito Santo, que sequer foi capaz de ter qualquer serenidade de espírito para reconhecer que aquele que tinha sido uma bênção para ele no palácio, era o mesmo que seria uma benção não somente para ele, como para todo o Israel, no campo de batalha (v. 55-58).
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