Examinando Tudo o Que é Pregado
e Retendo o que é Bom
João Calvino
“julgai todas as coisas, retende o que é bom;” (I Ts 5: 21)
“Examinai tudo”.
Quão frequentemente homens irrefletidos e espíritos enganadores dão às suas ninharias o nome de profecia, que sendo dada por estes meios deveria ser considerada suspeita ou mesmo odiosa, assim como muitos nos dias de hoje se sentem quase desgostosos com o próprio nome da pregação, pois há muitas pessoas tolas e ignorantes que a partir do púlpito tagarelam as suas invenções inúteis, enquanto há outros, também, que são pessoas ímpias e sacrílegas, que balbuciam blasfêmias execráveis.
Como, portanto por culpa dessas pessoas, a profecia tem sido vista com desdém, ou melhor, tem sido escassamente autorizada a ocupar um lugar, Paulo exorta os Tessalonicenses a examinarem (porem à prova) todas as coisas, ou seja, que apesar de tudo não devemos falar precisamente de acordo com a regra definida, senão que devemos formar um juízo, antes de qualquer doutrina ser condenada ou rejeitada.
Quanto a isso, há um erro duplo no qual se costuma cair, pois há alguns que, por terem sido enganados por um falso pretexto usando-se o nome de Deus, ou por terem tido conhecimento que muitos são comumente enganados desta forma, rejeitam todo tipo de doutrina indiscriminadamente, enquanto há outros que abraçam por causa de uma credulidade tola, sem distinção, tudo o que lhes é apresentado em nome de Deus.
Ambas as formas estão erradas, porque o primeiro grupo, estando saturado com um preconceito presunçoso de tal natureza, fecha o caminho contra a sua possibilidade de fazer progresso, enquanto o segundo grupo se expõe precipitadamente a todos os ventos de erros. (Efésios 4:14)
Paulo admoesta os Tessalonicenses a manterem o caminho do meio entre esses dois extremos, enquanto ele os proíbe de condenar qualquer doutrina sem antes examiná-la; e, por outro lado, ele lhes adverte a exercerem um juízo, antes de receberem, aquilo que pode ser declarado antecipadamente, como sendo verdade inquestionável.
E, sem dúvida, a este respeito, pelo menos, deveria ser mostrado, em nome de Deus - que não desprezam profecias, as quais são declaradas procederem dele.
(Nota do tradutor: Calvino se refere à profecia como sendo a exposição correta da interpretação da verdade do texto bíblico).
Como, porém, o exame ou discriminação deve preceder a rejeição, por isso deve também, preceder a recepção da doutrina sã e verdadeira, porque isto não expõe o homem piedoso a mostrar fraqueza, por lançar mão indiscriminadamente do que é falso, em igualdade com o que é verdadeiro.
Inferimos, a partir disso, que os crentes têm o espírito de justiça que lhes é conferido por Deus, para que possam discernir, de modo a não serem pressionados pelas imposturas dos homens, porque se eles não forem dotados de discernimento tornariam vão o que Paulo lhes disse:
“Examinai tudo, retende o que é bom”.
Se, no entanto, sentimos que estamos destituídos do poder de comprovar o que é correto; isto deve ser buscado por nós no mesmo Espírito Santo, que fala pelos seus profetas.
(nota do tradutor: profetas no Novo Testamento são aqueles que expõem a doutrina do evangelho de modo correto, por terem sido chamados por Deus para serem seus ministros).
Mas, o Senhor declara neste lugar pela boca de Paulo, que o curso da doutrina não convém que por todas as falhas da humanidade, ou por qualquer imprudência ou ignorância; enfim, por qualquer abuso seja impedido de estar sempre em um estado vigoroso na Igreja, porque como a abolição da profecia (pregação e ensino da Palavra no poder do Espírito – nota do tradutor) é a ruína da Igreja, vamos permitir que o céu e a terra sejam misturados, mas não deve ser permitido que a profecia deveria cessar.
Paulo, no entanto parece que está insinuando também aqui uma grande liberdade ao ensino, quando todas as coisas tivessem sido provadas, porque algumas coisas têm que ser ouvidas por nós para que possamos ser provados, por isso uma porta seria aberta aos impostores para a divulgação de suas falsidades.
Respondo que, neste caso, ele não faz por quaisquer meios uma exigência que o público deva ser entregue aos falsos mestres, cuja boca deve ser calada, conforme Paulo ensina em outras passagens (Tito 1: 11), os quais ele exclui tão rigidamente quando estabelece os critérios para a escolha de pastores como vemos, por exemplo em 1 Timóteo 3.2:
“É necessário, portanto, que o bispo seja irrepreensível, esposo de uma só mulher, temperante, sóbrio, modesto, hospitaleiro, apto para ensinar;”
Como, no entanto, tão grande diligência nunca é exercida quanto deveria ser, por vezes, pessoas profetizando, as quais não são tão bem instruídas como deveriam ser e que, às vezes, bons e piedosos professores não conseguem acertar o alvo; Paulo exige assim, moderação por parte dos crentes sem que se recusem a ouvir. (ouvir a pregação e o ensino da Palavra de Deus pelos pastores, mestres e todos os que são chamados por Deus para tal mister – nota do tradutor) .
Pois nada é mais perigoso do que a morosidade, pela qual todo tipo de doutrina é considerada desagradável para nós, enquanto não nos permitimos provar o que é certo.
Traduzido e adaptado por Silvio Dutra