Legado Puritano
Quando a Piedade Tinha o Poder
Textos
Comentário de 1 Tessalonicenses 1.9,10
 
Por João Calvino
 
“1Ts 1:9 pois eles mesmos, no tocante a nós, proclamam que repercussão teve o nosso ingresso no vosso meio, e como, deixando os ídolos, vos convertestes a Deus, para servirdes o Deus vivo e verdadeiro
1Ts 1:10 e para aguardardes dos céus o seu Filho, a quem ele ressuscitou dentre os mortos, Jesus, que nos livra da ira vindoura.”
 
9. “O Deus vivo”. Esta é a finalidade da genuína conversão. Vemos, de fato, que muitos que abandonam as superstições, não obstante, após darem este passo, estão tão longe de fazer algum progresso na piedade que caem no que é pior.
Pois, tendo se livrado de todo respeito a Deus, eles se entregam a um desprezo brutal e profano. Assim, nos tempos antigos, as superstições do vulgo eram ridicularizadas por Epícuro, Diógenes o Cínico, e outros que tais, mas de tal modo que eles confundiam o culto a Deus, não fazendo diferença entre isto e ninharias absurdas. Por isso devemos ter o cuidado de que o abandono dos erros não seja seguido pela destruição do edifício da fé. Ademais, o Apóstolo, ao atribuir a Deus os epítetos de vivo e verdadeiro, censura indiretamente os ídolos como sendo invenções mortas e indignas, e como sendo falsamente chamados deuses. Ele faz da finalidade da conversão o que já observei – para que sirvam a Deus. Por isso a doutrina do evangelho visa a nos induzir a servir e obedecer a Deus. Pois, enquanto somos servos do pecado, estamos livres da justiça (Rom 6:20), porquanto nos divertimos, e vagamos de um lado para o outro, livres de qualquer jugo. Portanto, ninguém é propriamente convertido a Deus, senão o homem que aprendeu a colocar-se totalmente em sujeição a ele.
Contudo, como isto é algo simplesmente mais do que difícil, em tão grande corrupção da nossa natureza, ao mesmo tempo ele revela o que é que nos retém e nos confirma no temor a Deus e na obediência a ele – esperar a Cristo. Pois, a menos que sejamos despertados para a esperança da vida eterna, o mundo rapidamente nos atrairá a si. Pois, assim como é apenas a confiança na bondade divina que nos induz a servir a Deus, do mesmo modo é apenas a expectativa da redenção final que nos impede de recuarmos. Portanto, que todos os que desejam perseverar em um curso de vida santa apliquem toda a sua mente à expectativa da vinda de Cristo. Também é digno de nota que ele usa a expressão esperando a Cristo, ao invés de esperança da salvação eterna.
Pois, certamente, sem Cristo estamos arruinados e entregues ao desespero, mas, quando Cristo se revela, a vida e a prosperidade resplandecem ao mesmo tempo para nós. Tenhamos em mente, porém, que isto é dito exclusivamente aos crentes, pois, quanto aos ímpios, assim como ele virá para ser seu Juiz, do mesmo modo eles só podem tremer ao esperá-lo.
É isto que ele acrescenta na sequência – que Cristo nos livra da ira futura. Pois isto não é sentido senão por aqueles que, estando reconciliados com Deus pela fé, já têm a consciência apaziguada; do contrário, seu nome é terrível. É verdade que Cristo nos livrou pela sua morte da ira de Deus, mas a importância desse livramento se tornará visível no último dia. No entanto, esta afirmação consiste de duas seções. A primeira é que a ira de Deus e a destruição eterna são iminentes à raça humana, porquanto todos pecaram, e destituídos estão da glória de Deus (Rom 3:23). A segunda é que não existe meio de escape senão através da graça de Cristo; pois não é sem bons motivos que Paulo lhe atribui este ofício. Contudo, é um dom inestimável que os que são piedosos, sempre que é feita menção ao juízo, saibam que Cristo virá para eles como um Redentor.
Além disso, ele afirma enfaticamente: a ira futura, para despertar as mentes piedosas, para que não fracassem ao considerar a vida presente. Pois, assim como a fé é a prova das coisas que não se veem (Hb 11:1), nada é menos adequado do que estimarmos a ira de Deus de acordo com o que cada um é afligido no mundo; assim como nada é mais absurdo do que nos apegarmos às bênçãos transitórias de que desfrutamos, para que por elas tenhamos uma estimativa do favor de Deus. Portanto, enquanto, por um lado, os ímpios se divertem à vontade, e nós, por outro, definhamos em miséria, aprendamos a temer a vingança de Deus, que está oculta aos olhos da carne, e a ter nossa satisfação nos deleites secretos da vida espiritual.
10. “A quem ele ressuscitou”. Ele faz menção aqui à ressurreição de Cristo, sobre a qual a esperança da nossa ressurreição está fundamentada, pois a morte nos assalta em toda a parte. Por isso, a menos que aprendamos a olhar para Cristo, nossas mentes recuarão a toda a hora. Pela mesma consideração, ele os admoesta que Cristo deve ser aguardado desde o céu, porque não encontraremos nada no mundo para nos sustentar, enquanto que há inúmeras provas para nos subjugar. Outra circunstância deve ser observada; pois, como Cristo ressuscitou com este objetivo – para que finalmente nos fizesse a todos, como seus membros, participantes da mesma glória consigo, Paulo sugere que a sua ressurreição seria em vão, a menos que ele aparecesse novamente como Redentor deles, e estendesse a todo o corpo da Igreja o fruto e o efeito desse poder que ele manifestou em si mesmo.
 
(Nota do Pr Silvio Dutra: Tomemos por assentado, que nesta dispensação da graça, que tem durado desde a morte e ressurreição de Jesus, que a nenhuma pessoa, e a nenhuma instituição tem sido dado por Deus, que em nome da religião, se faça acepção, ou injúria, maldição ou condenação de quem quer que seja, e muito menos que se use de violência seja ela moral ou física em nome de se defender a santidade e justiça de Deus. Ao contrário é ordenado aos que amam e conhecem a Deus em espírito, que amem a todos, inclusive a seus inimigos, e que perdoem e bendigam os que lhes amaldiçoam, injuriam ou perseguem.
Quando encontramos em comentários bíblicos o terrível destino que está reservado àqueles que se opuserem a Deus até o final de suas vidas, como vemos por exemplo não apenas nos comentários de Calvino, mas nos de todos aqueles que são fiéis à pregação e ensino da verdade revelada nas Escrituras, o que se tem em foco não é uma ameaça ou um aborrecimento declarado da parte de homens, senão um alerta misericordioso da parte do próprio Deus, que é quem o afirma, pela boca dos seus ministros o que há de suceder no dia do juízo final, de modo que pelo arrependimento, possam se converter e serem livrados da condenação.) 
 

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João Calvino
Enviado por Silvio Dutra Alves em 03/09/2014
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