Legado Puritano
Quando a Piedade Tinha o Poder
Textos
Comentário de I Tessalonicenses 2.13
Por João Calvino
“Por isso também damos, sem cessar, graças a Deus, pois, havendo recebido de nós a palavra da pregação de Deus, a recebestes, não como palavra de homens, mas (segundo é, na verdade), como palavra de Deus, a qual também opera em vós, os que crestes.” (I Tessalonicenses 2.13)
“Por isso também damos graças”. Tendo falado do seu ministério, ele volta a tratar dos tessalonicenses, a fim de sempre recomendar a mútua harmonia à qual anteriormente havia feito menção. Portanto, afirma dar graças a Deus porque eles haviam abraçado a palavra que ouviram da sua boca como a palavra de Deus, segundo era de fato. Ora, por estas expressões ele quer dizer que ela fora recebida por eles reverentemente, e com a obediência que lhe era devida. Pois, tão logo esta persuasão tenha se estabelecido, é impossível que não tome posse de nossas mentes um sentimento de obrigação de obedecer. Pois quem não se estremeceria com o pensamento de resistir a Deus? Quem não contemplaria com abominação o desprezo a Deus? Portanto, a circunstância de que a palavra de Deus seja considerada por muitos com tal desprezo que mal seja estimada em qualquer valor, que muitos não sejam de modo algum incitados pelo temor, surge disto – que eles não consideram que terão de se ver com Deus.
Por isso, aprendemos com esta passagem qual é o crédito que deve ser dado ao evangelho – crédito tal que não dependa da autoridade de homens, mas, que se apoiando na segura e certa verdade de Deus, eleve-se acima do mundo; e, por fim, esteja tanto mais acima da mera opinião quanto o céu está acima da terra; e, em segundo lugar, crédito tal que produza por si mesmo a reverência, o temor e a obediência, porquanto os homens, tocados por um sentimento da majestade divina, nunca se concederão brincar com ela. Os mestres são, por sua vez, admoestados a terem cuidado para não apresentarem outra coisa que não seja a pura palavra de Deus, pois, se isto não fora permitido a Paulo, não será para qualquer um no tempo atual. Contudo, ele prova, a partir do efeito produzido, que fora a palavra de Deus que ele havia entregado, porquanto ela havia produzido aquele fruto da doutrina celestial que os profetas celebram (Is 55:11, 13; Jr 23:29), ao renovar a vida deles, pois a doutrina dos homens não poderia realizar tal coisa. O pronome relativo pode ser entendido como se referindo ou a Deus ou à sua palavra, mas independentemente de qual vocês escolherem, o sentido será o mesmo, pois, na medida em que os tessalonicenses sentiam em si mesmos uma força divina, que procedia da fé, eles poderiam ficar seguros de que o que haviam ouvido não era um mero som da voz humana que desaparece no ar, mas a doutrina de Deus, viva e eficaz.
Quanto à expressão: a palavra da pregação de Deus, significa simplesmente, conforme traduzi, a palavra de Deus pregada pelo homem. Paulo queria dizer expressamente que eles não haviam olhado para a doutrina como desprezível – embora tivesse procedido da boca de um homem mortal – porquanto reconheciam Deus como o seu autor. Por conseguinte, ele louva os tessalonicenses, porque não se apoiavam na mera consideração pelo ministro, mas elevavam seus olhos a Deus, a fim de receberem a sua palavra. Desta forma não hesitei em inserir a partícula ut (para que), com o fim de tornar o sentido mais claro. Há um erro por parte de Erasmo, ao traduzir como: “a palavra do ouvir a Deus”, como se Paulo quisesse dizer que Deus havia se manifestado. Posteriormente, ele a mudou para: “a palavra pela qual aprendestes a Deus”, pois não atentara para o idioma hebraico.
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João Calvino
Enviado por Silvio Dutra Alves em 03/09/2014