Legado Puritano
Quando a Piedade Tinha o Poder
Textos
Comentário de I Tessalonicenses 4.13
 
Por João Calvino
 
“Não quero, porém, irmãos, que sejais ignorantes acerca dos que já dormem, para que não vos entristeçais, como os demais, que não têm esperança.” (I Tessalonicenses 4.13)
 
“Não quero, porém, que sejais ignorantes”. Não é provável que a esperança da ressurreição tivesse sido arrancada de entre os tessalonicenses por homens profanos, como havia acontecido em Corinto. Pois sabemos como ele corrige os coríntios com severidade; mas aqui, ele fala disto como algo que não era duvidoso. Contudo, é possível que esta persuasão não estivesse suficientemente fixada em suas mentes, e que, portanto, ao lamentar os mortos, eles retivessem algo da antiga superstição. Pois a essência de tudo isto é que não devemos lamentar os mortos além dos limites adequados, porquanto todos devemos ressuscitar. Por que razão o choro dos incrédulos não tem fim nem medida, senão porque eles não têm esperança de uma ressurreição? Portanto, convém que nós, que fomos instruídos quanto a uma ressurreição, lamentemos de modo diferente, com moderação. Em seguida ele discursa quanto à maneira da ressurreição; e por esta causa também diz algo quanto aos tempos; mas, nesta passagem, ele pretendia simplesmente refrear a tristeza excessiva, a qual nunca teria tido tanta influência entre eles, se tivessem considerado seriamente a ressurreição, e a conservado na recordação.
Contudo, ele não nos proíbe de nos lamentarmos absolutamente, mas exige moderação em nosso pranto, pois diz: para que não vos entristeçais, como os demais, que não têm esperança. Ele lhes proíbe de se entristecerem como os incrédulos, que dão rédeas soltas à sua tristeza, porque contemplam a morte como destruição final, e imaginam que tudo o que é tirado do mundo se acaba. Como, por outro lado, os crentes sabem que deixam o mundo para que possam ser por fim reunidos no reino de Deus, eles não têm a mesma causa de tristeza. Por isso, o conhecimento da ressurreição é o meio de moderar a tristeza. Ele fala acerca dos mortos como os que dormem, segundo a prática comum da Escritura – um termo pelo qual a amargura da morte é mitigada, pois há grande diferença entre sono e destruição. Porém, isto se refere, não à alma, mas ao corpo, pois o corpo morto jaz na tumba, como em uma cama, até que Deus ressuscite o homem. Portanto, fazem papel de tolos aqueles que inferem a partir disto que as almas dormem.
Agora estamos de posse do que Paulo quer dizer – que ele estimula as mentes dos crentes à consideração da ressurreição, para que não indultem excessiva tristeza por ocasião da morte de seus parentes; pois era inconveniente que não houvesse distinção entre eles e os incrédulos, que não põem fim nem medida à sua tristeza por esta razão – que na morte eles não reconhecem nada além de destruição. Aqueles que abusam deste testemunho, estabelecendo entre os cristãos uma indiferença estóica, ou seja, uma dureza de ferro, não encontrarão nada desta natureza nas palavras de Paulo. Quanto à objeção deles, de que não devemos indultar a tristeza por ocasião da morte de nossos parentes, para que não resistamos a Deus, isto se aplicaria em todas as adversidades; mas uma coisa é refrear a nossa tristeza, sujeitando-a a Deus, e outra completamente diferente é endurecer-se, tornando-se como uma pedra, lançando fora os sentimentos humanos. Portanto, que a tristeza dos que são piedosos seja misturada com a consolação, a qual pode educá-los para a paciência. A esperança de uma bendita ressurreição, que é a mãe da paciência, realizará isto.
 
(Nota do Pr Silvio Dutra: Tomemos por assentado, que nesta dispensação da graça, que tem durado desde a morte e ressurreição de Jesus, que a nenhuma pessoa, e a nenhuma instituição tem sido dado por Deus, que em nome da religião, se faça acepção, ou injúria, maldição ou condenação de quem quer que seja, e muito menos que se use de violência seja ela moral ou física em nome de se defender a santidade e justiça de Deus. Ao contrário é ordenado aos que amam e conhecem a Deus em espírito, que amem a todos, inclusive a seus inimigos, e que perdoem e bendigam os que lhes amaldiçoam, injuriam ou perseguem.
Quando encontramos em comentários bíblicos o terrível destino que está reservado àqueles que se opuserem a Deus até o final de suas vidas, como vemos por exemplo não apenas nos comentários de Calvino, mas nos de todos aqueles que são fiéis à pregação e ensino da verdade revelada nas Escrituras, o que se tem em foco não é uma ameaça ou um aborrecimento declarado da parte de homens, senão um alerta misericordioso da parte do próprio Deus, que é quem o afirma, pela boca dos seus ministros o que há de suceder no dia do juízo final, de modo que pelo arrependimento, possam se converter e serem livrados da condenação.)  


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João Calvino
Enviado por Silvio Dutra Alves em 05/09/2014
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