Comentário de João 1.12
Por João Calvino
“Mas, a todos quantos o receberam, deu-lhes o poder de serem feitos filhos de Deus, a saber, aos que creem no seu nome;” (João 1.12)
“Mas, a todos quantos o receberam”. Para que ninguém seja detido por esta pedra de tropeço, Cristo, a quem os judeus desprezaram e rejeitaram, o Evangelista exalta acima do céu os piedosos que acreditam nele; porque ele diz que pela fé eles obtêm essa glória de serem contados como filhos de Deus. O termo universal contém um contraste implícito; porque os Judeus foram levados por sua vangloriosa cegueira, a pensar que Deus havia se ligado exclusivamente a eles. O evangelista declara que a sua condição é mudada, porque os judeus foram rejeitados, e seu lugar, que havia sido deixado vazio, é ocupado pelos gentios; pois isso é como se ele tivesse transferido o direito de adoção para estrangeiros. Isto é o que Paulo diz, que a destruição de uma nação resultou em vida para o mundo inteiro (Romanos 11.12;) porque do Evangelho, pode ser dito que foi banido deles, e começou a ser espalhado por todas as partes do mundo. Eles foram, assim, privados do privilégio que desfrutavam acima dos outros. Mas sua impiedade não foi uma obstrução para Cristo; porque ele erigiu em outro lugar o trono do seu reino, e chamou indiscriminadamente para a esperança da salvação todas as nações que anteriormente pareciam ter sido rejeitadas por Deus.
“Ele lhes deu o poder”. A palavra exousia (poder) aqui, me parece significar um direito, ou título; e seria melhor traduzi-la assim, a fim de refutar as falsas opiniões; que pervertem perversamente essa passagem por entender que ela signifique, que seja nada mais do que uma escolha que nos é permitida, se nos achamos aptos para avaliarmos a nós mesmos para tirar proveito desse privilégio. Desta forma o livre arbítrio (de termos o poder de escolher ou rejeitar a Cristo) é retirado a partir desta frase; e além disso eles podem extrair o fogo a partir da água. Há alguma plausibilidade nisso à primeira vista; porque o evangelista não diz que Cristo lhes fez filhos de Deus, mas que ele lhes dá o poder de se tornarem tais. Assim eles inferem que é somente esta graça que nos é oferecida, e que a liberdade de desfrutá-la ou rejeitá-la é colocado à nossa disposição. mas esse esforço fútil que se baseia em uma única palavra é posto de lado pelo que se segue imediatamente; porque o evangelista acrescenta, que eles se tornam filhos de Deus, não pela vontade que pertence à carne, mas quando eles são nascidos de Deus. Mas se a fé nos regenera, de modo que nós somos filhos de Deus, e se Deus sopra a fé em nós do céu, se torna evidente que não é pela possibilidade apenas, mas realmente - como se diz - é a graça de adoção que nos é oferecida por Cristo. E, de fato, a palavra grega, exousia é por vezes substituída por axiosis (dignidade), um significado que cai admiravelmente com esta passagem, pois teríamos “deu-lhes a dignidade de serem feitos filhos de Deus”.
A prolixidade que o evangelista tem empregado tende mais para ampliar a excelência da graça, do que se ele tivesse dito uma única palavra, que todos os que creem em Cristo são feitos por ele filhos de Deus. Porque ele fala aqui do impuro e do profano, que, tendo sido condenado à ignomínia perpétua, estava na escuridão da morte. Cristo exibiu um exemplo surpreendente de sua graça em conferir esta honra a tais pessoas, de modo que eles começaram, instantaneamente, a serem filhos de Deus; e a grandeza deste privilégio é justamente exaltada pelo evangelista, como também por Paulo, quando ele o atribui a Deus, que é rico em misericórdia, pelo seu muito amor com que nos amou (Efésios 2.4).
Mas se qualquer pessoa preferir tomar a palavra poder palavra em sua aceitação comum, ainda, o evangelista não lhe empresta o significado de ser isto qualquer faculdade intermediária, ou algo que não inclui o efeito total e completo; mas, pelo contrário, significa que Cristo deu ao impuro e ao incircunciso o que parecia ser impossível; porque uma mudança incrível ocorreu quando das pedras Cristo ressuscitou filhos a Deus (Mateus 3.9). O poder, portanto, é aquela aptidão (hikanotes) que Paulo menciona, quando ele dá graças a Deus, que nos fez idôneos para participar da herança dos santos (Colossenses 1.12).
“Que creem no seu nome”. Ele expressa sucintamente o modo de receber a Cristo, isto é, acreditar nele. Tendo sido enxertados em Cristo pela fé, obtemos o direito de adoção, de modo a sermos filhos de Deus. E, de fato, como ele é o Filho unigênito de Deus, isto sucede conosco somente por sermos membros dAquele por quem afinal esta honra nos pertence. O evangelista declara que este poder é dado àqueles que já creem. Agora é certo que tais pessoas são, na realidade, os filhos de Deus.
O Evangelista diz que aqueles que creem já nasceram de Deus. Não é, portanto, uma mera liberdade de escolha que é oferecida. Embora a palavra hebraica, sm (Nome) é por vezes utilizada para designar poder, ainda, denota aqui uma relação com a doutrina do Evangelho; porque quando Cristo é pregado a nós, então é que nós cremos nele. Falo do método comum pelo qual o Senhor nos leva à fé; e isso deve ser cuidadosamente observado, pois há muitos que tolamente se esforçam para uma fé confusa, sem qualquer compreensão da doutrina, sem qualquer conhecimento de Cristo, por não ouvir o Evangelho. Cristo, portanto, oferece-se a nós pelo Evangelho, e nós o recebemos pela fé.
Traduzido e adaptado por Silvio Dutra.
João Calvino
Enviado por Silvio Dutra Alves em 06/09/2014