Comentário de João 1.17
Por João Calvino
“Porque a lei foi dada por intermédio de Moisés; a graça e a verdade vieram por meio de Jesus Cristo.” (João 1.17)
“Porque a lei foi dada por Moisés”. Esta é uma antecipação, pela qual João encontra uma objeção que era provável que surgiria porque em tão alta conta Moisés era estimado pelos judeus que dificilmente poderiam receber qualquer coisa que diferisse dele. Por isso, o evangelista mostra quão longe estava de ser inferior ao ministério de Moisés o poder de Cristo. Ao mesmo tempo, esta comparação não traz pequeno brilho ao poder de Cristo; porque enquanto a maior deferência possível era proferida a Moisés pelos judeus, o Evangelista lembra-lhes que o que ele trouxe era extremamente pequeno, quando comparado com a graça de Cristo. Isto teria sido, caso contrário, um grande obstáculo, que eles esperavam receber através da Lei o que podemos obter somente através de Cristo.
Mas é preciso atentar para a antítese, quando contrapõe a lei com graça e a verdade; porque seu significado é que a lei carecia de ambos. A palavra Verdade denota, na minha opinião, um estado fixo e permanente das coisas. Pela palavra Graça eu entendo o cumprimento espiritual dessas coisas, a letra nua que estava contida na Lei. E destas duas palavras pode ser suposto que se referem à mesma coisa, por uma figura bem conhecida de expressão, (hypallage;) como se ele tivesse dito, que a graça, na qual a verdade da lei consiste, foi longamente exibida em Cristo. Mas, como o significado será, em nenhum grau afetado, é de nenhuma importância se você os vê como unidos ou como distintos. Isto pelo menos, é certo, que o evangelista quer dizer que a Lei não era nada mais do que uma imagem sombria de bênçãos espirituais, senão que elas são realmente encontradas em Cristo; de onde se segue que, se você separar a Lei de Cristo, continua a nada haver nela, mas figuras vazias (especialmente as tipologias relativas a Cristo e que se cumpriram nele). Por esta razão, Paulo diz que as sombras estavam na lei, mas o corpo está em Cristo (Colossenses 2.17).
E, ainda, não se deve supor que nada foi exibido pela Lei de forma a enganar; pois Cristo é a alma que dá vida ao que teria estado morto sob a lei. Mas aqui uma questão totalmente diferente nos encontra, ou seja, o que a lei poderia fazer por si mesma e sem Cristo; e o Evangelista afirma que nada permanentemente valioso é encontrado na mesma até que cheguemos a Cristo. Esta verdade consiste em nossa obtenção por meio de Cristo daquela graça que a lei não poderia em qualquer sentido outorgar; e, portanto, tomo a palavra graça no sentido geral, como denotando tanto o perdão incondicional dos pecados, e a renovação do coração. Por enquanto, o evangelista aponta brevemente a distinção entre o Antigo e o Novo Testamento, (o que é mais detalhadamente descrito em Jeremias 31.31), ele inclui nesta palavra tudo o que se relaciona com a justiça espiritual. Agora a justiça consiste em duas partes; em primeiro lugar, que Deus está reconciliado conosco pela graça livre, não nos imputando os nossos pecados; e, por outro, que ele tem gravado sua lei nos nossos corações, e, pelo seu Espírito, renovado os homens na obediência interior a ele; a partir do que torna-se evidente que a Lei é incorreta e falsamente exposta, se há alguém cuja atenção está fixada exclusivamente na Lei, ou quem por ela é impedido de vir a Cristo.
Traduzido e adaptado por Silvio Dutra.
João Calvino
Enviado por Silvio Dutra Alves em 06/09/2014