Comentário de Efésios 4.11
Por João Calvino
“E ele deu uns para apóstolos, e alguns, os profetas; e alguns, evangelistas; e alguns, pastores e mestres;” (Efésios 4.11)
Paulo volta a explicar a distribuição de dons, e ilustra com maior extensão o que ele tinha superficialmente aconselhado, que desta variedade surge a unidade na igreja, como os vários tons da música produzem uma doce melodia. O significado pode ser assim resumido. "O ministério externo da palavra também é recomendado, por causa das vantagens que ela produz. Certos homens nomeados para esse ofício, são empregados na pregação do evangelho. Este é o arranjo através do qual o Senhor tem o prazer de governar a sua igreja, para manter a sua existência, e, finalmente, para garantir sua mais alta perfeição."
Isto pode gerar surpresa, que, quando os dons do Espírito Santo se tornam objeto de discussão, Paulo enumerasse ofícios em vez de dons. Eu respondo, quando os homens são chamados por Deus, os dons são necessariamente conectados com ofícios. Deus não confere aos homens o simples nome de Apóstolos ou pastores, mas também os dota com dons, sem os quais eles não podem cumprir devidamente as suas funções. Aquele a quem Deus designou para ser apóstolo não recebe um título vazio e inútil; porque a ordem divina, e a capacidade de realizá-la, vão junto. Vamos agora analisar as palavras em detalhes.
“E ele deu”. O governo da igreja, pela pregação da palavra, é antes de tudo declarado não ser de qualquer invenção humana, mas a mais sagrada ordenança de Cristo. Os apóstolos não se nomearam a si mesmos, mas foram escolhidos por Cristo; e, nos dias de hoje, os verdadeiros pastores não confiam imprudentemente em si mesmos, e nem no seu próprio julgamento, mas são levantados pelo Senhor. Em suma, o governo da igreja, pelo ministério da palavra, não é uma invenção dos homens, mas uma designação feita pelo Filho de Deus. Como a própria lei inalterável, exige o nosso assentimento. Aqueles que rejeitam ou desprezam este ministério que é proposto, insultam e se rebelam contra Jesus Cristo o seu Autor. É o próprio Jesus quem lho deu; porque, se ele não levantá-lo, não haverá nenhum. Outra conclusão é que nenhum homem estará apto ou qualificado para tão ilustre ofício caso não tenha sido formado e moldado pela mão do próprio Cristo. Para Cristo devemos isto, a saber, termos os ministros do evangelho, que abundam nas qualificações necessárias, que correspondem à confiança que lhes foi cometida. Tudo, tudo é seu dom.
“Uns para apóstolos”. Os diferentes nomes e cargos atribuídos a diferentes pessoas têm a sua origem a partir daquela diversidade dos membros que formarão a integridade de todo o corpo, - todas as razões de emulação e inveja e ambição, são assim, removidas. Se cada pessoa deve exibir um caráter egoísta, deve se esforçar para ofuscar o seu próximo, e terá em conta todas as preocupações, senão a sua própria, - ou, se mais pessoas eminentes devem ser objeto de inveja para aqueles que ocupam uma menor posição, - em cada um, e em todos estes casos, os dons não são aplicados ao seu uso adequado. Paulo, portanto, lhes lembra, que os dons concedidos a indivíduos não são destinados para realizar seu interesse pessoal egoísta, mas para serem empregados para o benefício de todos. Dos ofícios que são aqui enumerados, já falamos em extensão considerável, e devo agora dizer nada mais do que aquilo que a exposição da passagem parece exigir. Cinco classes de detentores de ofícios são mencionados, apesar de, neste momento, eu estou ciente, há uma diversidade de opiniões; porque alguns consideram os dois últimos como um só ofício. Deixando de fora as opiniões dos outros, eu apresentarei a minha.
Eu tomo a palavra apóstolos não naquele sentido geral que a derivação do termo (enviados) poderia justificar, mas em sua própria significação peculiar, porque se refere àquelas pessoas altamente favorecidas a quem Cristo exaltou à mais alta honra. Tais eram os doze, a cujo número Paulo foi adicionado depois. Seu ofício era difundir a doutrina do evangelho em todo o mundo, para plantar igrejas, e para erguer o reino de Cristo. Eles não tiveram as suas próprias igrejas que fossem designadas a eles; mas a comissão dada a todos eles foi a de pregar o evangelho onde quer que fossem.
Ao lado deles, vêm os evangelistas, que estavam intimamente vinculados à natureza do seus ofício, mas ocupavam uma posição inferior. A esta classe pertencia Timóteo e outros; porque, enquanto Paulo os menciona, juntamente consigo nas saudações de suas epístolas, ele não fala deles como seus companheiros de apostolado, mas reivindica esse nome como sendo peculiarmente seu. Os serviços em que o Senhor os empregou eram para auxiliar aos dos apóstolos, a quem eles estavam próximos na classificação.
A estas duas classes, o apóstolo acrescenta Profetas. Por este nome alguns entendem as pessoas que possuíam o dom de prever eventos futuros, entre os quais estava Ágabo (Atos 11:28, 21:10). Mas, de minha parte, como doutrina é o presente assunto, prefiro definir a palavra profetas, como intérpretes distintos de profecias, que, por um notável dom de revelação, foram capacitados aos assuntos que eles tinham a oportunidade de manusear; não excluindo, no entanto, o dom da profecia, pelo qual a instrução doutrinal era geralmente acompanhada.
Pastores e mestres são supostos por alguns para designar um só ofício, porque o apóstolo não diz, como nas outras partes do verso, “e alguns, pastores; e alguns, mestres; mas, “tous, poimenas kai didaskalous”, “e outros para pastores e mestres”. Crisóstomo e Agostinho são desta opinião; para não mencionar os comentários de Ambrósio, cujas observações sobre o assunto são verdadeiramente infantis e indignas do mesmo.
Concordo em parte com eles, que Paulo fala de forma indiscriminada dos pastores e mestres como pertencentes a uma única e mesma classe, e que o nome mestre, de certa forma, aplica-se a todos os pastores. Mas isso não me parece uma razão suficiente por que dois ofícios, que eu acho diferem um do outro, devam ser confundidos. Ensinar é, sem dúvida, o dever de todos os pastores; mas manter a sã doutrina exige um talento para interpretar as Escrituras, e um homem pode ser um mestre que não é qualificado para pregar.
Pastores, na minha opinião, são os que têm o encargo de um determinado rebanho; embora eu não tenha qualquer objeção ao seu recebimento do nome de mestres, se isto deve ser entendido como que existindo uma classe distinta de mestres, que presidem, tanto na formação de pastores e na instrução de toda a igreja. Por vezes, pode acontecer que a mesma pessoa é tanto um pastor e um mestre, mas as funções a desempenhar são completamente diferentes.
Merece atenção, também, que, dos cinco ofícios que são aqui enumerados, não mais do que os dois últimos se destinam a ser perpétuos.
Apóstolos, evangelistas e profetas foram conferidos à igreja para um tempo limitado, - exceto nos casos em que a religião tem entrado em decadência, e evangelistas são ressuscitados de uma maneira extraordinária, para restaurar a doutrina pura que tinha sido perdida. Mas sem Pastores e Mestres não pode haver qualquer governo da igreja.
Paulo investiga o meio pelo qual a unidade da igreja é mantida e assegurada, e as expressões exteriores pelos quais isto é promovido, e vem a se estender para o governo da Igreja. Se ele sabia que a primazia que tinha uma residência fixa, não era o seu dever, para o benefício de toda a Igreja, exibir uma cabeça ministerial colocada sobre todos os membros, sob cujo governo eles possam ser considerados como participantes de um corpo? Teremos de acusar Paulo de negligência indesculpável e insensatez, deixando de fora o argumento mais adequado e eficaz, ou temos de reconhecer que essa primazia está em desacordo com a nomeação de Cristo. Na verdade, ele claramente a rejeita como sem fundamento, quando ele atribui superioridade a Cristo somente, e representa os apóstolos e todos os pastores, como, inferiores a Ele, porém, associados a um nível de igualdade cada um com os demais. Não há passagem da Escritura em que essa hierarquia tirânica, regulamentada por uma cabeça terrena, seja completamente derrubada. Paulo foi seguido por Cipriano, que dá uma definição curta e clara do que constitui a única monarquia legítima na igreja. Há, diz ele, um bispado, que une as diversas partes em um todo. Este bispado ele reivindica para Cristo, deixando a administração do mesmo para indivíduos, mas de uma unidade competente, a ninguém sendo permitido exaltar-se acima dos demais.
João Calvino
Enviado por Silvio Dutra Alves em 07/09/2014