Legado Puritano
Quando a Piedade Tinha o Poder
Textos
Comentário de 2 Tessalonicenses 3.14
Por João Calvino

“Mas, se alguém não obedecer à nossa palavra por esta carta, notai o tal, e não vos mistureis com ele, para que se envergonhe.” (2 Tessalonicenses 3.14)

“Se alguém não obedecer”. Ele já dissera antes que não manda nada senão da parte do Senhor. Por isso, o homem que não quisesse obedecer, não seria contumaz contra um mero homem, mas seria rebelde contra o próprio Deus; e, portanto, ele ensina que tais pessoas devem ser severamente punidas. E, antes de tudo, deseja que elas lhe sejam notificadas, para que as repreenda pela sua autoridade; e, em segundo lugar, ordena que sejam excluídas da comunhão da Igreja, para que, sendo tocadas de vergonha, possam se arrepender. A partir disto inferimos que não devemos poupar a reputação daqueles que não podem ser detidos de outro modo senão por ter os seus erros expostos; mas devemos ter o cuidado de tornar conhecidas as suas enfermidades ao médico, para que ele possa curá-las pelo seu trabalho.
“Não vos mistureis”. Não tenho dúvida de que ele se refere à excomunhão; pois, além do fato de que a desordem (ataxia) a que havia se referido merecia um castigo severo, a contumácia é um vício intolerável. Ele havia dito antes: Apartai-vos deles, pois vivem de modo desordeiro (2 Ts 3.6). E agora diz: Não vos mistureis, pois rejeitam a minha admoestação. Portanto, ele expressa algo mais por esta segunda forma de expressão do que pela primeira; pois uma coisa é afastar-se da familiaridade íntima com um indivíduo, e outra bem diferente manter-se completamente longe da associação com ele. Em suma, aqueles que não obedecem, após serem admoestados, ele exclui da sociedade comum dos crentes. Através disto somos ensinados que devemos empregar a disciplina da excomunhão contra todas as pessoas obstinadas que, de outro modo, não aceitariam ser trazidas à sujeição; e devem ser estigmatizadas com desgraça, até que, tendo sido dominadas e subjugadas, elas aprendam a obedecer.

“Para que se envergonhe”. Há, é verdade outras finalidades às quais a excomunhão é útil – para que o contágio não se espalhe mais, para que a impiedade pessoal de um indivíduo não sirva à desgraça comum da Igreja, e para que o exemplo de severidade leve os outros ao temor (1 Tim 5.20); mas Paulo trata apenas desta – para que aqueles que pecaram possam ser constrangidos ao arrependimento através da vergonha. Pois aqueles que se deleitam em seus vícios tornam-se cada vez mais obstinados; assim o pecado é alimentado pela indulgência e dissimulação. Portanto, este é o melhor remédio – quando um sentimento de vergonha é despertado na mente do ofensor, de modo que começa a ficar descontente consigo mesmo. De fato, pequeno seria o lucro em fazer os indivíduos se envergonharem; mas Paulo tinha em vista um progresso adicional – quando o ofensor, confundido pela descoberta da sua própria infâmia, é assim levado a uma plena correção; pois a vergonha, assim como a tristeza, é uma preparação útil para o aborrecimento do pecado. Por isso, todos os que se tornam devassos devem, conforme eu disse, ser refreados por esta rédea, para que sua audácia não aumente em consequência da sua impunidade.
João Calvino
Enviado por Silvio Dutra Alves em 08/09/2014
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