Comentário de 2 Tessalonicenses 2.10
Por João Calvino
“E com todo o engano da injustiça para os que perecem, porque não receberam o amor da verdade para se salvarem.” (2 Tessalonicenses 2.10)
“Para os que perecem”. Ele limita o poder de Satanás, como não sendo capaz de prejudicar os eleitos de Deus, assim como Cristo também os isenta deste perigo (Mt 24.24). A partir disto se mostra que o Anticristo não tem um poder tão grande, senão pela sua permissão. Ora, esta consolação era necessária. Pois todos os que são piedosos, se não fosse por isto, necessariamente seriam dominados pelo temor, se vissem um abismo escancarado pervadindo todo o caminho pelo qual devem passar. Por isso Paulo, por mais que deseje que eles estejam em um estado de ansiedade, a fim de que estejam de guarda para que não voltem atrás devido a uma negligência excessiva, sim, até mesmo se lancem em ruína; não obstante, os manda nutrir boa esperança, porquanto o poder de Satanás está restringido, a fim de que ele não envolva em ruína ninguém senão os ímpios.
“Porque não receberam o amor”. Para que os ímpios não se queixem de que perecem inocentemente, e de que foram destinados à morte mais por crueldade da parte de Deus, do que por qualquer erro da parte deles, Paulo explica com que bons motivos virá sobre eles tão severa vingança da parte de Deus –porque não receberam na moderação de espírito que deveriam, a verdade que lhes fora apresentada; mais ainda, rejeitaram a salvação por sua própria vontade. E a partir disto se mostra mais claramente o que já tenho explicado – que o evangelho precisava ser pregado ao mundo antes que Deus desse a Satanás tanta permissão; pois ele nunca teria permitido que seu templo fosse tão abjetamente profanado, se não tivesse sido provocado pela extrema ingratidão por parte dos homens. Em suma, Paulo declara que o Anticristo será o ministro da justa vingança de Deus contra aqueles que, sendo chamados à salvação, rejeitaram o evangelho, e preferiram aplicar sua mente à impiedade e ao engano. Por isso, agora não há razão para os papistas objetarem que está em desacordo com a clemência de Cristo deixar cair a sua Igreja desta maneira. Pois, embora o domínio do Anticristo tenha sido cruel, ninguém pereceu, senão aqueles que foram merecedores disto; mais ainda, por sua própria vontade escolheram a morte (Pv 8.36). E, sem sombra de dúvida, ainda que a voz do Filho de Deus tenha soado por toda a parte, ela acha os ouvidos dos homens moucos, sim, obstinados; e, embora uma confissão do Cristianismo seja comum, existem, não obstante, poucos que verdadeiramente e de coração têm se entregado a Cristo. Por isso, não é de se surpreender, se semelhante vingança rapidamente suceder a um desprezo tão criminoso.
Questiona-se se o castigo da cegueira não cai senão sobre aqueles que deliberadamente se rebelaram contra o evangelho. Eu respondo que este juízo especial pelo qual Deus tem vingado uma clara obstinação não o impede de abater com severidade, tantas vezes quanto lhe pareça bom, aqueles que nunca ouviram uma única palavra a respeito de Cristo; pois Paulo não discursa de um modo geral quanto às razões pelas quais Deus permitiu desde o princípio que Satanás siga à vontade com as suas mentiras, e sim quanto a que vingança horrível paira sobre os desprezadores grosseiros da nova e anteriormente incomum graça.
Ele usa a expressão: recebendo o amor da verdade, no sentido de aplicar a mente ao seu amor. Por onde aprendemos que a fé sempre está associada a uma doce e voluntária reverência a Deus – porque não cremos devidamente na palavra de Deus, a menos que ela seja amável e agradável a nós.
João Calvino
Enviado por Silvio Dutra Alves em 09/09/2014