Legado Puritano
Quando a Piedade Tinha o Poder
Textos
Comentário de Romanos 8.30
Por João Calvino

“Rom 8:30 E aos que predestinou, a esses também chamou; e aos que chamou, a esses também justificou; e aos que justificou, a esses também glorificou."

“E aos que predestinou, a esses também chamou”. Paulo agora emprega um clímax a fim de confirmar, por meio de uma demonstração mais clara, quão verdadeiramente a nossa conformidade com a humildade de Cristo efetua a nossa salvação. Daqui ele nos ensina que a nossa participação na cruz é tão conectada com a nossa vocação, justificação e, finalmente, nossa glória, que não podem ser desmembradas.

A fim de que os leitores possam melhor entender a intenção do apóstolo, é bom que se lembrem de minha afirmação anterior, ou seja: que o verbo predestinar, aqui, não se refere à eleição, mas ao propósito ou decreto divino pelo qual ordenou que seu povo levasse a cruz. Ao ensinar-nos que agora são chamados, o apóstolo tencionava que Deus não oculta mais o que determinara fazer com eles, mas que o revelou a fim de que pudessem levar com equanimidade e paciência a condição a eles imposta. A vocação, aqui, é distinguida da eleição secreta, como sendo inferior a ela. Pode-se alegar que ninguém tem conhecimento algum da condição que Deus designou a cada indivíduo. Portanto, para evitar isto, o apóstolo diz que Deus, através de seu chamado, testifica publicamente de seu propósito oculto. Este testemunho, contudo, não consiste só na pregação externa, mas tem também o poder do Espírito conectado a ela, pois Paulo está tratando com os eleitos, a quem Deus não só compele por meio de sua Palavra falada, mas também convence interiormente.
A justificação, aqui, pode muito bem ser entendida como que incluindo a continuidade do favor divino desde o tempo da vocação do crente até sua morte. Mas, visto que Paulo usa esta palavra ao longo da Epístola, no sentido da imerecida imputação da justiça, não há necessidade de nos apartarmos deste significado. O propósito de Paulo é mostrar que a compensação que nos é oferecida é por demais preciosa para permitir-nos enfrentar com ânimo as aflições. O que é mais desejável que ser reconciliado com Deus, de modo que nossas misérias não mais são sinais da maldição divina, nem mais nos conduz à destruição?
O apóstolo acrescenta que aqueles que se vêem oprimidos pela cruz serão glorificados pela cruz serão glorificados, de modo que seus sofrimentos e opróbrios não lhes produzem dano algum. Embora a glorificação só foi exibida em nossa Cabeça, todavia, visto que agora percebemos nele a herança da vida eterna, sua glória nos traz uma segurança tal de nossa própria glória, que a nossa esperança pode muito bem ser comparada a uma possessão já presente.

Deve-se acrescentar ainda que o apóstolo empregou um hebraísmo e usou o tempo passado dos verbos, em vez do presente. O que ele pretende é, quase certo, um ato contínuo; por exemplo: “Aqueles a quem Deus agora educa sob a cruz, segundo seu conselho, ele chama e justifica, ato contínuo, para a esperança da salvação; de modo que, em sua humilhação, não perdem nada de sua glória. Embora seus sofrimentos atuais a deformem aos olhos do mundo, todavia, diante de Deus e dos anjos, ela está sempre a brilhar em perene perfeição”. O que Paulo, pois, pretende mostrar, por este clímax, é que as aflições dos crentes, as quais são a causa de sua atual humilhação, têm como único propósito fazê-los entender que possuem a glória do reino celestial e que vão alcançar a glória da ressurreição de Cristo, com quem já se acham crucificados.
João Calvino
Enviado por Silvio Dutra Alves em 14/09/2014
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