Comentário de Judas 1.21,22
Por João Calvino
“21. Conservai-vos a vós mesmos no amor de Deus, esperando a misericórdia de nosso Senhor Jesus Cristo para a vida eterna.
22. E apiedai-vos de alguns, usando de discernimento;”
21. “Conservai-vos a vós mesmos no amor de Deus”. Judas fez do amor como que o guardião e o governante da nossa vida. Não que pudesse colocá-lo em oposição à graça de Deus, mas que é o caminho correto do nosso chamado quando fazemos progresso no amor. Mas, como muitas coisas nos instigam à apostasia, de modo que é difícil nos mantermos fiéis a Deus até o fim, ele chama a atenção dos fiéis para o último dia. Pois somente esta esperança deve nos suster, para que não nos desanimemos em momento algum. De outro modo, necessariamente cairíamos a todo instante.
Mas deve-se notar que ele não quer que esperemos a vida eterna, exceto através da misericórdia de Cristo, pois ele será de tal modo o nosso juíz, que não terá nenhuma outra regra para nos julgar além daquele benefício gratuito da redenção obtida por ele mesmo.
22. “E apiedai-vos de alguns”. Ele acrescenta outra exortação, explicando como os fiéis deveriam agir ao reprovar os irmãos a fim de restaurá-los ao Senhor. Ele lhes lembra de que os tais deveriam ser tratados de diferentes maneiras, cada um de acordo com a sua disposição. Com os mansos e ensináveis devemos usar de bondade; mas outros, que são duros e perversos, devem ser admoestados severamente. Este é o discernimento que ele menciona.
O particípio diakrinomenoi não sei por quê, é traduzido num sentido passivo por Erasmo. De fato, pode ser traduzido de ambos os modos, mas o seu sentido ativo é mais adequado para o contexto. O sentido então é de que, se desejamos ter em consideração o bem-estar daqueles que se desviam, devemos considerar o caráter e a disposição de cada um, de modo que aqueles que são mansos e tratáveis sejam restaurados ao caminho reto de um modo gentil, como sendo objetos de piedade. Mas, se alguém for perverso, deve ser corrigido com mais severidade. E, como a aspereza é por pouco detestável, ele a desculpa com base na necessidade, pois, de outro modo, aqueles que não seguem bons conselhos prontamente não podem ser salvos.
Além disso, ele emprega uma metáfora surpreendente. Quando há perigo de fogo, não hesitamos em arrebatar violentamente aqueles que desejamos salvar, pois não seria suficiente apontar com o dedo, ou estender gentilmente a mão. Assim também deveria ser tratada a salvação de alguns, porque eles só virão a Deus se puxados rudemente. Muito diferente é a tradução antiga, cuja leitura, no entanto, é encontrada em muitas cópias gregas. A Vulgata traz: “Repreendei os julgados” (Arguite dijudicatos). Mas o primeiro sentido é mais adequado, e penso que está de acordo com a leitura antiga e genuína. A palavra salvar é transferida para os homens, não porque sejam os autores, mas os ministros da salvação.
João Calvino
Enviado por Silvio Dutra Alves em 20/09/2014