Legado Puritano
Quando a Piedade Tinha o Poder
Textos
O Espírito Santo Age como o Vento - Comentário de João 3.7
Por João Calvino

“7 Não te admires de eu te dizer: importa-vos nascer de novo.
8 O vento sopra onde quer, ouves a sua voz, mas não sabes donde vem, nem para onde vai; assim é todo o que é nascido do Espírito.”

    “Não te admires”. Esta passagem tem sido torcida por comentaristas de várias maneiras. Alguns pensam que Cristo reprova a ignorância de Nicodemos e outras pessoas da mesma classe, dizem que não é surpreendente, se eles não compreendem esse mistério celeste da regeneração, uma vez que, mesmo na ordem da natureza não percebemos a razão das coisas que caem sob o conhecimento dos sentidos. Outros inventam um significado que, embora engenhoso, é muito forçado: o de que, quando o vento sopra livremente, por isso, pela regeneração do Espírito somos postos em liberdade, e, depois de ter sido libertados do jugo do pecado, ouvimos voluntariamente a Deus. Igualmente distante do significado de Cristo é a exposição dada por Agostinho, que o Espírito de Deus exerce sua energia de acordo com o seu próprio prazer. A melhor interpretação é dada por Crisóstomo e Cirilo, que dizem que a comparação é extraída do vento, e aplicada assim, à presente passagem; apesar de seu poder ser sentido, não sabemos a sua origem e causa. Quanto a mim, enquanto não difiro muito  de sua opinião, eu devo me esforçar para explicar o significado de Cristo com maior clareza e certeza.
    Eu mantenho por este princípio, que Cristo faz uma comparação a partir da ordem da natureza. Nicodemos reconheceu que o que ele tinha ouvido falar sobre regeneração e uma nova vida era inacreditável, porque a forma desta  regeneração excedia sua capacidade. Para impedi-lo de entreter qualquer escrúpulo deste tipo, Cristo mostra que, mesmo na vida material é exibido um incrível poder de Deus, cuja razão está escondida. Porque percebemos a agitação do ar, mas não sabemos de onde vem a nós, nem para onde ele se afasta. Se nesta vida frágil e transitória Deus age de maneira tão poderosa que somos obrigados a admirar o seu poder, que loucura é tentar medir pela percepção de nossa própria mente o seu trabalho secreto na vida celestial e sobrenatural, de modo a acreditar somente naquilo que vemos? Assim, Paulo, quando se expressa em indignação contra aqueles que rejeitam a doutrina da ressurreição, na base de ser  impossível que o corpo que está agora sujeito à putrefação, após ter sido reduzido a pó, deva ser revestido com uma bendita imortalidade, repreende-os pela insensatez de não considerarem que uma exibição semelhante do poder de Deus pode ser vista em um grão de trigo; porque a semente não germina até que ela morra (1 Coríntios 15:36, 37). Esta é a sabedoria surpreendente da qual Davi exclama: “Ó Senhor, quão variadas são as tuas obras! em sabedoria fizeste todas elas,” (Salmos 104.24).
    São, portanto, excessivamente insensatos aqueles que tendo sido advertidos pela ordem comum da natureza, não sobem mais alto, de modo a reconhecer que a mão de Deus é muito mais poderosa no reino espiritual de Cristo. Quando Cristo diz a Nicodemos que ele não deveria se maravilhar, nós não devemos entendê-lo de tal forma como se pretendesse que nós desprezemos uma obra de Deus, que é tão ilustre, e que é digna da maior admiração; mas significa que nós não devemos nos maravilhar com aquele tipo de admiração que dificulta a nossa fé. Porque muitos rejeitam como sendo fábula o que eles pensam ser muito elevado e difícil. Em uma palavra, não duvidemos que pelo Espírito de Deus, somos formados de novo e feitos novos homens, embora sua maneira de fazer isso seja ocultada a nós.


   Traduzido e adaptado por Silvio Dutra.
João Calvino
Enviado por Silvio Dutra Alves em 08/10/2014
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