Legado Puritano
Quando a Piedade Tinha o Poder
Textos
Os Verdadeiros Mestres da Palavra de Deus - Comentário de João 3.2
Por João Calvino

“Este, de noite, foi ter com Jesus e lhe disse: Rabi, sabemos que és Mestre vindo da parte de Deus; porque ninguém pode fazer estes sinais que tu fazes, se Deus não estiver com ele.” (João 3.2)

    “Ele veio a Jesus à noite”. A partir da circunstância de sua vinda à noite inferimos que sua timidez era excessiva; porque seus olhos estavam deslumbrados, por assim dizer, pelo esplendor da sua própria grandeza e reputação. Talvez ele também foi prejudicado pela vergonha, pois homens ambiciosos pensam que a sua reputação será completamente arruinada, uma vez que tiverem descido da dignidade dos mestres para o posto de alunos; e ele estava, sem dúvida, inchado com um parecer tolo de seu conhecimento. Em suma, como ele tinha uma opinião elevada de si mesmo, ele não estava disposto a perder uma parte da sua altura. E, no entanto, aparecem nele algumas sementes de piedade; por ter ouvido que um Profeta de Deus tinha aparecido, ele não desprezou ou rejeitou a doutrina que tem sido trazida do céu, e é movido por um desejo de obtê-la, - um desejo que surgiu a partir de nada mais do que do temor e reverência a Deus. Muitos estão deliciados com uma ociosa curiosidade de perguntar ansiosamente sobre qualquer coisa que é nova, mas não há nenhuma razão para duvidar que foi um princípio religioso e  sentimento consciente que animaram em Nicodemos o desejo de obter um  conhecimento mais íntimo da doutrina de Cristo. E, apesar daquela semente ter permanecido muito tempo oculta e aparentemente morta, todavia, após a morte de Cristo rendeu frutos, como nenhum homem jamais teria esperado, como podemos ver em João 19.39.
    “Rabi, sabemos”. O significado dessas palavras é: "Mestre, sabemos que vieste para ser um ensinador." Mas como os homens letrados, naquele tempo, eram geralmente chamados de mestres, Nicodemos primeiro saúda Cristo em conformidade com o costume, e lhe dá a designação comum, Rabi, (que significa Mestre) e depois declara que ele foi enviado por Deus para desempenhar o ofício de um Mestre. E deste princípio depende toda a  autoridade dos professores na Igreja; porque como é somente a partir da palavra de Deus que devemos aprender a sabedoria, não devemos ouvir quaisquer outras pessoas senão aquelas através de cuja boca Deus fala. E isto deveria ser observado que, embora a religião estivesse muito corrompida e quase destruída entre os judeus, ainda assim eles sempre mantiveram esse princípio, que  nenhum homem era um professor legítimo, a menos que ele tivesse sido enviado por Deus. Mas como não há ninguém que mais arrogante e ousadamente se glorie de ter sido enviado por Deus do que os falsos profetas, precisamos de discernimento neste caso, para provar os espíritos. Portanto, Nicodemos acrescenta: “Porque ninguém pode fazer os sinais que tu fazes, se Deus não estiver com ele”.  É evidente, diz ele, que Cristo foi enviado por Deus, porque Deus  mostra seu poder nele tão distintamente, que não pode ser negado que Deus está com ele. Nicodemos tem como certo que Deus não está acostumado a trabalhar, senão por seus ministros, de modo a selar o ofício que lhes foi confiado. E ele tinha boas razões para pensar assim, porque Deus sempre pretendeu que os milagres devem ser selos de sua doutrina. Justamente portanto, é que ele faz de Deus o único autor de milagres, quando diz que ninguém pode fazer estes sinais, se Deus não estiver com ele; o que equivale a dizer que os milagres não são executados pelo braço do homem, mas que o poder de Deus reina, e é distintamente exibido neles. Em uma palavra, como os milagres têm uma dupla vantagem, para preparar a mente para a fé, e, quando isto tem sido formado pela Palavra,  a confirmam ainda mais, Nicodemos tinha acertado corretamente na primeira parte, por reconhecer pelos milagres que Cristo era um verdadeiro profeta de Deus.
    No entanto, seu argumento parece não ser conclusivo; porque desde que o falsos  profetas enganam os ignorantes por suas imposturas, e se provassem completamente por verdadeiros sinais que eles são ministros de Deus, que diferença haverá entre a verdade e a mentira, se a fé depende de milagres? Não, Moisés diz expressamente que Deus utiliza esse método para provar se nós o amamos (Deuteronômio 13.3). Conhecemos também, o alerta de Cristo (Mateus 24.14), e de Paulo (2 Tessalonicenses 2.9), que crentes devem tomar cuidado com sinais, pelos quais o Anticristo deslumbrará os olhos de muitos. Eu respondo, Deus pode permitir que isso seja feito, que aqueles que o merecem sejam enganados pelos encantamentos de Satanás. Mas eu digo que isso não impede os eleitos de perceberem em milagres o poder de Deus, que é para eles uma confirmação inquestionável da verdade e sã doutrina. Assim, Paulo se gloria de que seu apostolado foi confirmado por sinais, maravilhas e milagres (2 Coríntios 12.12). De qualquer forma Satanás, como um macaco, imita as obras de Deus nas trevas, mas quando os olhos estão abertos e a luz do sabedoria espiritual brilha, os milagres são suficientemente poderosos para a comprovação da presença de Deus, como Nicodemos o declara aqui.

Traduzido e adaptado por Silvio Dutra.
João Calvino
Enviado por Silvio Dutra Alves em 09/10/2014
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