Uma Fé Que Não Foi Confirmada 2 - Comentário de João 2.24,25
Por João Calvino
“23 Estando ele em Jerusalém, durante a Festa da Páscoa, muitos, vendo os sinais que ele fazia, creram no seu nome;
24 mas o próprio Jesus não se confiava a eles, porque os conhecia a todos.
25 E não precisava de que alguém lhe desse testemunho a respeito do homem, porque ele mesmo sabia o que era a natureza humana.”
(O comentário do verso 23 está registrado em outro texto com título alusivo ao mesmo)
24. “Mas Jesus não se confiava a eles”. Aqueles que explicam o significado como sendo que Cristo estava em guarda contra eles, porque sabia que eles não estavam na posição reta e fiel, não me parece que expressem suficientemente bem o significado do Evangelista. Concordo ainda menos com o que Agostinho diz sobre recém-convertidos. O evangelista afirma, em minha opinião, que Cristo não achou que eles fossem genuínos discípulos, e os rejeitou por serem tão voláteis e instáveis. Esta é uma passagem que deve ser cuidadosamente observada, que nem todos os que professam ser seguidores de Cristo o são de fato em Sua estimativa. Mas nós também devemos adicionar a razão que imediatamente se segue:
“Porque ele conhecia todos eles”. Nada é mais perigoso do que a hipocrisia, por esta razão entre outras, a qual é um erro extremamente comum. Raramente há algum homem que não esteja feliz consigo mesmo; e enquanto nos iludimos com lisonjas vazias, imaginamos que Deus é cego como nós. Mas aqui somos lembrados de quão amplamente seu julgamento é diferente do nosso; pois ele vê claramente as coisas que não podemos perceber, porque elas estão ocultas por algum disfarce; e ele avalia de acordo com a fonte escondida deles, isto é, de acordo com o mais secreto sentimento do coração, essas coisas que deslumbram os olhos por um falso brilho. Isto é o que diz Salomão:
“Deus pesa em sua balança o coração dos homens, enquanto eles se lisonjeiam em seus caminhos” (Provérbios 21.2).
Lembremo-nos, portanto, que ninguém é verdadeiro discípulo de Cristo senão aqueles que Ele aprova, porque em tal assunto só Ele é competente para decidir e julgar.
A questão agora é: quando o evangelista diz que Cristo conhecia a todos, ele quer se referir apenas àqueles de quem ele havia falado ultimamente, ou faz a expressão referir-se a toda a raça humana? Alguns o entendem como sendo a natureza universal do homem, e acho que o mundo inteiro é aqui condenado por hipocrisia perversa e pérfida. E, certamente, é uma afirmação verdadeira, de que Cristo pode encontrar nos homens nenhuma razão pela qual deveria se dignar a colocá-los no número de seus seguidores; mas eu não vejo que isso esteja de acordo com o contexto e, portanto, eu o restrinjo aos que haviam sido anteriormente mencionados.
25. “Pois ele sabia o que havia no homem”. Como pode ser posto em dúvida de onde Cristo tinha obtido este conhecimento, o Evangelista antecipa essa questão, e responde que Cristo percebia cada coisa nos homens que está oculta de nossa vista, assim que ele podia, por sua própria autoridade, fazer uma distinção entre os homens. Cristo, portanto, que conhece os corações, não tinha necessidade de qualquer um para informá-lo que tipo de homens eram. Ele os conhecia por terem tal disposição e tais sentimentos, que ele considerava como sendo justo tais pessoas não pertencerem a ele.
A questão colocada por alguns – que se nós também somos autorizados pelo exemplo de Cristo a manter pessoas como suspeitas que não nos deram provas de sua sinceridade - não tem nada a ver com a presente passagem. Existe uma grande diferença entre ele e nós; porque Cristo conhece as raízes das árvores, mas, com exceção dos frutas que aparecem exteriormente, não podemos descobrir qual é a natureza de qualquer árvore. Além disso, como Paulo nos diz, que o amor não suspeita (1 Coríntios 13.5), não temos o direito de entreter suspeitas desfavoráveis sobre os homens que são desconhecidos a nós. Mas, para que não sejamos sempre enganados por hipócritas, e para que a Igreja não esteja muito exposta às suas imposturas perversas, pertence a Cristo dar-nos Espírito de discernimento.
Traduzido e adaptado por Silvio Dutra.
João Calvino
Enviado por Silvio Dutra Alves em 10/10/2014